Em toda a narração, de um modo ou de outro, os personagens da história devem falar, adaptados a várias formas distintas de materializar seus “discursos”, sendo que essas variantes são denominadas de estilos.

a) No estilo do discurso direto, a voz do personagem se destaca dentro do contexto da narração. O narrador cede momentaneamente a voz ao personagem. Formalmente ocorre do seguinte modo: em uma linha à parte se faz um travessão e na seqüência o personagem fala, o qual poderá deste modo se expressar com a sua própria voz, com o seu jargão e ainda utilizando as figuras de linguagem que lhe são habituais. Poderá se utilizar para a fala do personagem o tempo presente, mas o narrador continuará seu relato em outro tempo verbal, geralmente o tempo passado. Isso destacará as intenções do personagem, seu nível sócio-cultural, sua mentalidade, situando-os no centro da cena, dando-lhe um realce especial. Deste modo, como no cinema, ficará suspensa a narração para iluminar exclusivamente o ator principal da trama.

Dessa maneira, no discurso direto, um personagem qualquer poderá dizer:

– Diga-me, não adies mais a tua resposta… Você está grávida, sim ou não?

A qual o personagem, a quem se dirige a pergunta, poderia responder:

-Não me pressiones, do contrário nunca verás o teu filho.

Às citadas falas dos personagens, pode-se acrescentar também certas descrições entre elas que definem de que modo ocorre a ação, ou com que intenções se disse aquilo, tal como:

-Não me pressiones, do contrário não verás o teu filho – disse virando as costas enquanto o seu olhar se perdia no horizonte através dos vendavais. – Acho que não mereço esse tratamento…- continuou dizendo entre soluços.

b) No estilo do discurso indireto, o personagem não fala diretamente, o narrador é quem nos informa o que ele disse. Essa é a forma utilizada na linguagem coloquial quando se narra uma situação…

“Pedro me disse que viria sem falta, ainda que já o vejas: não aparece”.

Deste modo, como se evita destacar à parte a voz do personagem, ganha-se em fluidez, reduzindo-se a extensão do relato. Não obstante, este estilo apresenta uma faceta negativa, pois o discurso se encontra nas mãos do narrador; deste modo, o leitor pode ter a sensação de que tão-só “escuta”, e não consegue “ver” o personagem com a mesma realidade do que no discurso direto.

Um exemplo deste estilo é a presente narração extraída de “um diário de bordo jamais escrito”:

“Vendo que o mar permanecia calmo e que o vento não alentava muito, as pessoas pareciam descontentes, murmurando em pequenos grupos. Alguns se atreveram a dizer que talvez o almirante não estivesse capacitado para aquele empreendimento, ante o qual o contra-mestre, subindo a ponte, repreendeu a tripulação com palavras fortes. Uma vez mais apelou ao seu bom juízo, exigindo que tratassem daquela questão quando chegassem ao porto, pois a todos convinha sair de uma situação tão desventurada…”

No discurso indireto, o narrador usurpa a voz dos personagens e nos descreve as coisas que eles diziam ou murmuravam, as perguntas que foram feitas, as dúvidas que lhes sobrevinham, narrando tais detalhes através da utilização de expressões como “disseram que…”, “perguntavam-se…”, “murmuravam sobre a questão…” etc.

c) O estilo indireto livre é uma variante do estilo anterior, no qual o narrador nos informa também o que dizem os personagens, evitando expressões do tipo “disse que…”. Este estilo aumenta, portanto, sua complexidade e geralmente se utiliza em uma narração em terceira pessoa.

Vejamos sua utilização através de um exemplo em que compararemos os três tipos de discursos:

Em uma narração escrita em discurso direto a voz do personagem se expressaria conforme segue:

-Não vou sair, é muito tarde e, além do mais, está chovendo – disse Estela.

Recorrendo ao discurso indireto, desapareceria a voz do personagem, ainda que mencionasse o seu comentário agregando a expressão “disse que”:

Estela disse que não sairia, pois era tarde e chovia…

Finalmente, no discurso indireto livre, a mesma ação poderia ser mencionada de várias maneiras, com maior soltura. Veja o presente exemplo:

De repente, parou no meio da casa. Não, ela não iria a lugar nenhum; era tarde e chovia. Preferia evitar aquela conversa…

Dessa forma, o discurso indireto livre permite dar uma maior vivacidade ao texto, é menos impostado, oferece a possibilidade de utilizar uma maior quantidade de recursos literários e, em suma, dá mais liberdade ao autor na sua forma de expressão. Apresenta a vantagem de que a voz do narrador chega a passar desapercebida, evitando a sensação de que alguém nos narra uma história, o que permite uma maior identificação do leitor com a trama.

Não obstante, neste tipo de discurso o autor pode incluir, de vez em quando, o discurso direto, ou seja, a voz de um personagem. Deste modo, consegue destacar uma frase dita pelo personagem, apontá-la, dando-lhe uma maior importância relativa, focalizando a atenção sobre ela. Enquanto o resto da narração descreve os personagens, suas vivências, suas inquietudes, seus comentários, a voz citada como discurso direto ressaltará de um modo que conclui a atitude ou o pensamento deles, dando a impressão ao leitor de ter escutado toda a conversa.

Concluindo, na observação dos estilos ou discursos narrativos se pode deduzir que, se bem que aparentemente o mais objetivo seria citar diretamente as vozes dos personagens, na literatura este é o estilo menos utilizado, pois assim não se poderiam apresentar os tons de voz e os gestos que eles utilizaram.

Por outro lado, pela sua dificuldade, tampouco se poderiam transcrever literalmente certos elementos utilizados na comunicação oral que vão mais além da linguagem acadêmica, tais como as onomatopéias, ou uma canção de ninar, ou as vozes de um coral, nem certas palavras que se usam coloquialmente na linguagem fática (sim, claro, pois…) por quem se encontra numa conversa. Por isso, o narrador deve descrever metaforicamente o som produzido, o efeito sobre os personagens, ou as reações deles, recorrendo a um estilo narrativo indireto.

Se for utilizado apenas o discurso direto, todas as frases parecem importantes. Quando se usa com maestria a narração no estilo indireto, tal como é o caso de Gabriel García Márquez, intercalando após a narração as vozes diretas dos personagens, estas aparecem fortes, determinantes, dado que previamente o narrador foi anunciando de um modo preciso o que eles finalmente dizem. Pode-se encontrar bons exemplos dos diversos estilos em “O falador” de Vargas Llosa.

Por outro lado, pode-se utilizar com bons resultados o discurso direto quando queremos ressaltar um modo de se expressar muito particular de um personagem. De qualquer maneira, é sempre aconselhável que as falas dos personagens sejam curtas, bem elaboradas e diretas, para que a narração não perca efetividade e o leitor não perca o interesse na leitura.

É conveniente uma boa prática dos diferentes estilos citados, pois são as ferramentas com os quais se molda o caráter dos personagens e se mantém a expressão narrativa.

Raysan

Exercício recibido

(Resposta ao exercício proposto nº 3, sobre a descrição de uma baleia em alto mar utilizando os cinco sentidos)

A baleia

Quando o capitão me lha mostrou, apenas pude vislumbrar um vulto amorfo e escuro de indefiníveis dimensões, uma pequena protuberância escura sobressaindo por cima do cinzento e agitado perfil que o contorno das águas desenhava sobre o fundo, apenas menos cinza, que o horizonte lhe emprestava. Gradualmente, à medida que nosso barco se alinhava até lá, cavalgando sobre as ondas que obstinadamente teimavam em nos distanciar da sua vista, a baleia foi crescendo aos nossos olhos até que se revelou na sua verdadeira magnitude: uma autêntica mole vivente acinzentada semi-submergida a pelo menos 25 m de longitude. Em um de seus extremos, agitava-se sua colossal aleta, como uma flor de duas gigantescas pétalas molhadas pela água com inquietante fortaleza. No outro, sua cabeça apenas se intuía submergida na água. Sua pele macia e brilhante, sem pêlos, apetecia-me de uma suavidade cálida e úmida. De repente, um potente jato de água se elevou sobre o seu dorso, como um gêiser que surgira de uma minúscula ilha à deriva, emitindo um som prolongado como o grunhido ruidoso de uma criança grande que foi contrariada. Uma rajada de vento levou essa água até nós, uma água morna e salgada oriunda do interior da baleia. Depois só ficou o vento, que nos trouxe aromas de mar e de vida, enquanto a baleia, indiferente à nossa expectativa, desaparecia debaixo das águas.

M. Arroyo

Exercício proposto nº 4 – Propõe-se a descrição concreta de um violino, viola ou contrabaixo. A extensão habitual é de meia folha, em letra Arial 12 ou similar, com parágrafos de um espaço e meio entre as linhas.

Autor

Revista Esfinge