A filosofia tem dia para ser celebrada e principalmente revivida no cotidiano. Há alguns anos, a UNESCO declarou o dia da filosofia. Um dia especial para que as pessoas possam refletir sobre a importância do estudo e vivência dos ensinamentos folisóficos.

Há aproximadamente 2400 anos, em Atenas, na Grécia, andava pelas ruas um homem muito especial que buscava despertar em todos o conhecimento interior. Esse homem era Sócrates. Seus diálogos levavam até os mais sábios a uma profunda avaliação sobre o homem, o mundo, o universo.

Saía às ruas interpelando as pessoas e fazendo perguntas, seus questionamentos tinham tamanha profundidade que fazia que homens comuns conseguissem despertar a sabedoria interior. Ele se autodenominava parteiro de almas, pois tinha a mágica habilidade de levar o homem a entender temas profundos sobre a natureza e a alma. Como grande mestre que era, fazia da filosofia uma ferramenta prática que permitia a participação de todos aqueles que buscassem respostas, ensinava seus discípulos a observar a natureza tanto fora quanto dentro de si. Destinou sua vida para a reflexão e aproximação ao conhecimento. Teve vários discípulos, dentre os quais o mais conhecido foi sem dúvida Platão, que o imortalizou em seus escritos.

Sócrates ensinou o mundo a refletir, a abrir seus horizontes e a despertar a sabedoria interior. Ele foi considerado o homem mais sábio da Grécia, porque ia às ruas solucionar os problemas do mundo e utilizava a mais nobre das artes, a maêutica, para eduzir (extrair de dentro) de seus discípulos a verdade. Uma das frases mais célebres que marcaram sua história foi: “Só sei que nada sei”. Como bom filósofo, reviveu os ensinamentos de Pitágoras, que depois de peregrinar pelo Oriente durante dez anos, ao retornar, disse aos seus discípulos que havia encontrado homens tão sophos, tão sábios, que ele era apenas um filosophos: um amante, um buscador da sabedoria.

Para reviver esse espírito de buscadores do saber, filósofos da natureza e do mundo, celebra-se o DIA DA FILOSOFIA, como um dia para homenagear e também para trazer a filosofia para o cotidiano. Para poder viver melhor e de forma mais completa como seres humanos.

A UNESCO comemora essa data pelo nascimento de Sócrates, na terceira quinta-feira do mês de novembro. Isso é um marco para o processo de valorização da cultura do homem e o despertar da sabedoria.

A NOVA ACROPOLE, como escola de filosofia à maneira clássica, comemora nessa ocasião, em todas as suas sedes, a SEMANA DA FILOSOFIA, para que o período dos dias 11 a 18 de novembro seja destinado a reunir e favorecer o estudo, a reflexão e a vivência da filosofia no cotidiano. É um momento especial para todos aqueles que têm questionamentos e estão em busca de respostas, querendo se descobrir de maneira prática e direta.

Não devemos esquecer a máxima de Sócrates: “Filosofia é a busca da verdade como medida do que o Homem deve fazer e como norma para a sua conduta”.

A alma e a beleza em Plotino

“Nós, que não temos o costume de olhar o interior das coisas e que, portanto, não o conhecemos, perseguimos tão-somente o externo e desconhecemos que o interno é o que nos move”.

“Jamais um olho poderia ver o Sol se não fosse de alguma maneira semelhante ao Sol, nem uma alma poderia ver o belo se ela mesma não fosse bela”.

Os ensinamentos sobre a beleza que estão expostos nas obras de Platão, como Fedro ou O Banquete, são as migalhas de uma festa mística: a da Iniciação nos Mistérios do Amor e da Beleza. Proclo, o último Iniciado neoplatônico, não mente quando afirma que os livros de Platão estão delineados e escritos segundo uma estrutura musical e que não há uma só imagem, idéia ou palavra que não dance, como as notas de uma partitura, ao som da verdade una que se quer expor em cada diálogo. Desse modo, a República seria uma música de idéias inspiradas ao redor do fogo da Justiça, Fedro ao redor da beleza e Timeu ante o altar do verdadeiro.

Mas a ignorância faz que não percebamos essa harmonia de idéias. É difícil para a alma se abrir como um lótus à luz de seus ensinamentos, é necessário alguém que comente sua arte, que nos inicie na sua música de idéias.

Quando a Academia, fundada por Platão, perdeu seu amor à sabedoria, quando nela se deu mais importância aos banquetes que à própria investigação da verdade, surgiu um personagem cheio de mística e pureza que deu novo impulso aos ensinamentos platônicos. Um sábio de cultura helena e de sangue egípcio, Plotino, nascido em Licópolis no ano 204 d. C. Sua biografia é conhecida porque um discípulo seu, Porfírio, fez menção a ela. Aos 28 anos viajou a Alexandria, foco cultural do mundo de então. Entretanto, os ensinamentos que recebeu de matemáticos, músicos, gramáticos, etc., não lhe foram suficientes. Até que encontrou Amônio Saccas, a quem reconheceu como seu mestre, e com quem estudou durante onze anos. Amônio Saccas era um estranho personagem que ganhava seu sustento carregando estátuas no porto de Alexandria e para quem a tradição deu o nome de “Teodidactos”, o ensinado pelos deuses. Mestre de um brilho da grandeza de Plotino, ou de Orígenes, Amônio fundou uma escola eclética que encontrava a síntese e quintessência dos distintos movimentos filosóficos e religiosos.

Terminado o seu aprendizado, Plotino alistou-se nas tropas de Gordiano rumo à Pérsia, talvez com o oculto desígnio de viajar à Índia para lá encontrar a milenária Fraternidade de Sábios. Após a derrota na Mesopotâmia, e apenas salvando sua vida, retornou a Roma, com 40 anos, onde abriu uma Escola de Filosofia, animada pelo mesmo espírito eclético do seu mestre Amônio.

O calor de seus ensinamentos reuniu centenas de jovens e importantes damas e cavalheiros da sociedade romana. Amélio e Porfírio destacam-se como discípulos. Amélio, dotado de inclinações artísticas e de uma grande sensibilidade ante a beleza, escreveu mais de cem tratados comentando distintos aspectos da obra de Plotino, embora nenhum tenha sobrevivido ao obscurantismo medieval. Porfírio, que conheceu Plotino quando este tinha já 59 anos, havia-se tornado um dos personagens mais eruditos de seu tempo. Estimulou seu mestre a escrever sobre o aspecto filosófico dos ensinamentos esotéricos, que ele próprio ordenou por temas em séries de nove tratados cada um, que foram chamadas de Enéadas.

Primeira Enéada: Sobre o homem e a moral.

Segunda Enéada: Sobre a física e o mundo.

Terceira Enéada: Sobre a Providência.

Quarta Enéada: Sobre a Alma.

Quinta Enéada: Sobre a Inteligência.

Sexta Enéada: Sobre o Ser, o Uno e o Bem.

Após uma frustrada tentativa de levantar uma cidade regida por sábios, distante da companhia dos homens por força de uma doença que feria sua pele, faleceu aos 66 anos. No final, liberado da sua prisão de carne e de sangue, sua alma se elevou à mesma esfera luminosa e inteligível que tantas vezes ainda em vida visitara e descrevera.

O primeiro tratado que escreveu versa, precisamente, “Sobre o Belo”, uma obra de juventude. Novamente, desenvolve o tema que ocupa outro de seus estudos: “Sobre a beleza inteligível”.

Não é fácil ler Plotino. Não é fácil porque a natural elevação de sua alma lhe permite penetrar e ver aquilo que normalmente dificilmente se pode imaginar. A leitura de Plotino e de outros neoplatônicos também é difícil porque eles usam ensinamentos e imagens puramente platônicas, inspiradas, mas embutidas de uma linguagem aristotélica. Linguagem que limita e, de certo modo, aprisiona essas intuições, tornando a leitura mais enfastiante para quem não esteja muito familiarizado com os conceitos de matéria, forma, substância, causa, etc… A genial H.P. Blavatsky afirmou que o neoplatonismo perdeu protagonismo histórico e sentenciou sua prematura morte ao se apoiar numa terminologia aristotélica, muito categórica e quadriculada. Pouco eficaz para se converter em morada de luminosas intuições.

No entanto, é importante tentar seguir o rastro de seu poderoso vôo, ou pelo menos, de sua sombra na terra, lembrado e concordando com os sábios egípcios quando diziam que é difícil para uma tartaruga seguir a sombra de uma águia…

Plotino inicia dizendo que a percepção da beleza é da alma, mas que esta alma ao estar oculta e aprisionada no corpo, pode respirar a beleza apenas através dos sentidos, fugazmente. Que a beleza não depende da simetria e das proporções, embora estas possam ser o fundamento, o “molde” harmônico dessa mesma beleza. A beleza é a luz que projeta a idéia, é a própria idéia, e ainda a força mística que irradia da fonte do Bem. Tudo que vive nesta esfera sublunar — diriam os filósofos medievais, nosso mundo —, onde vivemos e morreremos, é belo na mesma proporção de reflexão da alma, o fulgor da idéia que encarna aqui e agora, portanto, rastro dessa idéia e da forma que lhe é consubstancial.

Que anjo, que graça, nos torna amáveis ou dá encanto ao que nos rodeia? Quem será tão insensível de não amar ou deixar de amar o belo? Mas o belo é como uma chama que se deve vigiar muito cuidadosamente, pois, segundo Plotino, há um caminho muito longo desde o mundo das Grandes Labaredas ao das belezas inefáveis. Por que um rosto belo logo deixa de sê-lo, para retornar novamente à sua luz, uma vez mais? É que a beleza, aqui embaixo, é como a luz que reflete um espelho no interior de uma caverna: se está dirigido ao “lugar de fuga”, de onde provém a luz, ilumina-se. Uma prova de que o barro deste mundo cega a verdadeira beleza é que nos sonhos, por exemplo, se podem perceber belezas que aqui chegam amortecidas.

Mais belas são as virtudes, a matemática estrutura das ciências, a retidão nos costumes, a face da justiça e da prudência. Mais belas ainda — diz — a estrela matutina e Vênus. Mais bela ainda a própria alma imortal. A Beleza é tal que causa uma “agitação interior, um dionisíaco entusiasmo e o anseio ardente de conviver na intimidade e de recolher em nós mesmos, desdenhando inteiramente nossos corpos”.

E, como disse Plotino, mais bela que a luz da manhã é “a grandeza de alma, a valentia de um rosto enérgico, a dignidade e o sentimento de pudor que se apodera de uma alma serena e imperturbável, e ainda acima dessas coisas a resplandescente inteligência tão semelhante aos deuses.”

Sendo a beleza da alma, é percebida apenas com o olho interior. Platão, na República, disse que a finalidade da educação é abrir esse olho e não somar conhecimentos. Tudo que se ensine ao jovem deve buscar abrir esse olho, único capaz de perceber o verdadeiro. A educação da alma, essa abertura se faz acostumando-o a ser cada vez mais brilhante, e segundo Platão, fazendo-lhes perceber cada vez mais e de um modo mais nítido a vida dos números que regem a Natureza e a própria alma, se essa mesma alma não for um número. Plotino diz que se deve acostumar a alma, primeiro, à beleza das ocupações. Depois, às belas obras, que são — segundo ele — não as executadas por meios artísticos, mas as que são realizadas pelos chamados homens de bem. E, depois disso, há que se observar a alma de quem realiza obras belas, até chegar à luz única de onde surge toda a beleza, se ela mesma não for toda a beleza. Essa fonte incomparável é o Bem, que derrama a luz seguindo o leito que determina a Inteligência, luz que é essência ou alma do Mundo.

E esse “olho”, que alguns investigadores identificaram no corpo — não sem razão — com a glândula pineal, é ainda mais importante na alma. É a própria alma. Marco Aurélio diz, em suas “Meditações”, que a forma ou beleza real do ser humano não é a que os nossos sentidos percebem. Que o homem no mundo mental é uma esfera, ou melhor, um ovóide luminoso que quer se converter numa esfera perfeita. A Alma Luminosa, que em seu próprio mundo assume a forma de uma esfera, é esse “olho”, talvez o mesmo a que se refere Plotino. A Alma deve chegar a ser, se quiser ver e ser a beleza suprema, como um sol, pois “apenas esse olho vê a grande beleza” e “é necessário, acima de tudo, que o olho que vê seja afim e parecido com o objeto visto”.

Onde buscar o caminho da verdadeira beleza? Não a pé, nem de carro, nem de navio. Não fugindo para algum lugar, nem da terra, nem da psiquê, mas tornando puro o habitáculo do Eu Interior, pura a jóia no lótus: “mudando a maneira de ver e despertando essa faculdade que todos possuímos, mas da qual apenas alguns poucos fazem uso”.

É uma batalha interior, como a do Bhagavad Gîta, “a maior e mais importante luta à qual se devem entregar para que não deixem de participar da melhor das visões, uma visão de felicidade”.

Compara-se, também, ao trabalho do artesão, mas ao daquele que talha a própria estátua da alma, daquele que se conhece e forja a si mesmo:

“Como se poderá contemplar a beleza de uma bondosa alma? Há uma resposta para isso: volta-te sobre ti mesmo e olha, e, se ainda não vês a beleza em ti mesmo, faz o que o escultor tem que fazer para uma estátua chegar a ser bela: pega uma parte, esculpe-a, pole e limpa de tal maneira que consegue arrancar do mármore uma forma bela. Desse modo, tu também tiras tudo o que é supérfluo, endireitas tudo que está torto e limpas tudo que está obscuro até torná-lo brilhante, e não cesses antes de modelar tua própria estátua, até que se manifeste em ti o divino resplendor da virtude e consigas ver a moderação assentada sobre um trono sagrado”.

José Carlos Fernández

Autor

Revista Esfinge