Falamos continuamente, sem parar, inclusive quando estamos sós. Alguns falam até em sonhos. Quando entre duas pessoas, ou em uma reunião de várias pessoas, um silêncio se produz, todos se sentem incomodados, tensos, até que algum assunto volte a ser retomado para dar continuidade ao ato de falar.

Quando o tema é trivial, não há maiores problemas. Todos escutam as anedotas contadas pelo mais divertido, que normalmente é o centro das atenções. Se o tema é polêmico, já é outra questão.

O senso comum me diz que o objeto do ato de falar é um mútuo enriquecimento. Por um lado, o que um traz como seu é recebido e absorvido pelo outro que, por sua vez, ouve atentamente, considera e reflete o que é dito pelo outro.

Assim, a primeira condição para transformar uma conversação em algo enriquecedor é reconhecer-se com um certo grau de cegueira, pois, se alguém acredita possuir uma visão perfeita, que vê simultaneamente a questão por todos os ângulos, não é só um idiota, como também um cego em termos de percepção. E o que é ainda pior, não sabe e, portanto, não pode admiti-lo. E como conseqüência de tudo isso, nenhuma conversa lhe trará benefício, sendo que na vida poderá contar unicamente com sua pobre visão parcial das coisas. É o que alguns chamam de “olhar a vida pelo buraco da fechadura”.

Se essa pessoa escuta o que alguém fala sobre algo, seu pobre trabalho mental consistirá em ir comparando o que escuta com sua própria visão sobre o assunto, para, se coincidir, expressar sua aprovação, e, se não, buscar imediatamente argumentos para rebatê-lo. Assim, sempre manterá a mesma visão estreita das coisas, sem possibilidades de mudança. Se alguém lhe disse que o céu é necessariamente azul, e isso ficou fixado em sua mente, negará qualquer alusão a que nesta tarde o céu estava cor-de-rosa, vermelho, cinza, púrpura ou verde, ou nesta manhã era amarelo, acinzentado ou branco; nunca poderá ser pintor, porque a mesma coisa não terá necessariamente a mesma cor. Além do mais, seria terrível e insuportável que tudo fosse sempre da mesma cor.

Conseqüentemente, para poder escutar, é preciso desprender-se primeiro da própria idéia sobre o que se fala. Quando o outro fala, devem calar nossa mente e nossas idéias sobre o assunto. De outra forma não poderíamos compreender o outro simplesmente porque não existe sequer a possibilidade de lhe dar entrada em nossa alma.

Saber escutar é ainda mais difícil do que saber falar. Falamos do que conhecemos ou acreditamos conhecer, da nossa visão das coisas, do que nos é familiar. Escutar o que não conhecemos ou não entendemos, além de ser um problema porque não nos é familiar, pode inclusive contradizer o que acreditamos.

Mas este é o desafio: somente o que não conhecemos pode nos enriquecer.

Miguel Prat

Autor

Revista Esfinge