Poseidon me presenteou com um caracol. E nele escuto o som do mar. Conta, com sua voz profunda, feita de ondas e rebentações, a história de seu mundo. Conta-me como ouve em seu seio a vida primitiva, diminutos seres que por eras percorreram seus solos e suas fossas. Descreve os estranhos seres, cegos habitantes de um mundo sem luz; as estrelas-do-mar que se aposentam na areia; os hipocampos que galopam nas águas.

Conta-me dos barcos naufragados desde que o homem aprendeu a sulcar as ondas. Dos carregamentos de cerâmicas, jóias, perfumes, estátuas. Dos esqueletos vestidos de corais, ainda aferrados às suas espadas. Dos deuses fundidos, belíssimas formas enterradas nos areais, perdidos para sempre aos olhos dos homens.

Conta-me que tem visto galopar, entre as cordilheiras submersas, os cavalos de Poseidon. Sua beleza é única com suas crinas de espuma ondeando atrás deles. Quando isso ocorre, quando abandonam sua caverna, a terra treme. Porque Poseidon é o senhor dos terremotos, e sua cólera é terrível como foi com Ulisses, como foi com Laocoonte e seus filhos, que duvidaram do seu poder. O caracol também me conta. Sua música é um retumbar de profundidades, um sussurrar de marolas, um rumor de ondas nos escarpados. Em sua música são mescladas vozes dos golfinhos, o grito rouco dos ciclones, o fragor das tormentas, os lamentos dos afogados.

Porém não somente a mim Poseidon, senhor do mar, deu esse presente. Tem também para ti. Aproxima a orelha de seu reino, entre as rochas, em longínquas praias. Busca um caracol nacarado e o aproxima de teu ouvido: escutarás o que te disse. Conhecerás a história do mar.

A voz das sereias.

A chamada de Scila e Caríbdis. Deixa-te levar.

Maria Ángeles Fernandez

Autor

Revista Esfinge