Claude Guillot – Museu do Louvre

Este pouco conhecido pintor do século XVII-XVIII, comparado a Watteau e outros muitos artistas da época se interessou pelo teatro e em particular pelos tipos de comédias italianas, como nos deixa constância neste quadro.

Trata-se uma cena de comédia, a feira de Saint German, na que se enfrentam dois cocheiros em uma representação espetacular: se traçamos uma linha divisória vertical que corresponderia quase exatamente com a esquina da casa central há dois blocos, um espelho do outro: as rodas que cerram as laterais; as varas que quase chocam entre si; os arcos dos assentos; as mãos avariadas de dois dos personagens; os braços dos cocheiros, cujos rostos quase não se tocam, coisa que se fazem os tricórnios, um prolongação do outro; suas pernas na mesma posição; a postura avançada dos viajantes, que além do mais fazem convergir, entre a paleta escura geral, a mancha branca de seus turbantes.

Esta situação especular e sua união no centro criam, sem que seja um ponto de fuga, e sim um de atenção imediata aos olhos do espectador. É um exemplo de “desvio do óbvio”, porque, se bem o estranho turbante branco seja como um feixe de luz que deveria chamar-nos, são os rostos dos condutores o que primeiro nos solicita. Consegue-se assim centrar-nos no argumento da cena, a discussão – e possível peleja – que sem dúvida é a base da comédia representada.

É, portanto, um quadro “psicológico”, ainda que se custe chegar à conclusão. Nos distraímos nos resto dos elementos, porém inevitavelmente chegamos à ela.

O cenário, os sombrios edifícios, fecham todas as saídas. Bloqueiam toda escapatória. Fecham-nos com os personagens e sua violência, nos escurecem tudo que não sejam eles e suas discussão.

Sejam quem forem os ocupantes da carroça, o ignoramos. Porém, ainda em sua estranha monstruosidade, como o da direita, os vemos aproximar-se de nós: uma peleja de tráfego.

Há algo mais cotidiano, três séculos depois?

Maria Ángeles Fernandez

Autor

Revista Esfinge