Depois de vários dias fora do país, e quase sem oportunidade de receber notícias atualizadas, finalmente regresso num avião, em meio a grossas nuvens, com uma imensa franja luminosa por cima delas.

Estou nas nuvens… tal como se interpreta essa expressão, encontro-me um tanto fora da realidade cotidiana, ou no lugar onde eu gostaria de me esconder de vez em quando para me distanciar da opressão que se converte em rotina, sem se dar conta.

Nas nuvens me sinto flutuar na beleza da paisagem atípica, da qual emergem, de quando em quando, alguns picos erguidos, ou o brilho do amplo mar. Deixo-me levar pelas minhas músicas preferidas através de fones de ouvido que me isolam ainda mais. E, por fim, cedo à leitura de um jornal…

No início, leio sem entender, como se me encontrasse diante de uma linguagem completamente desconhecida e ilógica. Custa-me concentrar-me e aceitar que o que tenho diante de mim é o reflexo – ou pretende sê-lo – da realidade. A princípio me esforço por seguir nas nuvens. Mas em pouco tempo, quase dolorosamente, mergulho na leitura do que sei que é meu, que é parte da minha vida.

Ainda antes de o avião aterrissar, deixo de estar nas nuvens. Sinto a realidade antes de tocar a terra. Retomo o fio das mil lutas enlouquecidas que açoitam a minha terra e todos os cantos da terra, dos mil diálogos de surdos em que entender um ao outro não tem importância, das mil ambições que sacodem as pessoas, das palavras vazias e das frases feitas, de ansiedade por estar à frente ainda que seja por um curto espaço de tempo.

Volto a olhar através da estreita janela do avião para recuperar minha leveza anterior, para estar nas nuvens, mas já não posso. Estou na “realidade”, uma dura realidade com suas exigências.

Acreditar? Em todos e em ninguém.

Em todos, porque cada um tem algo para dizer e talvez tenha suas razões. Em ninguém, porque todos parecem utilizar a mentira descarada, a tergiversação, a manipulação de fatos e idéias, e isso é alarmante.

Amar? Todos e ninguém.

Amar a ninguém, porque nos ensinam, consciente ou inconscientemente, a desconfiar de todos. Amar a todos, porque ninguém está à margem dessa Humanidade que formamos em conjunto, apesar de tantos ódios, tanto separatismo e tantos crimes absurdos.

Fazer? Tudo e nada.

Nada, por momentos, quando nos sentimos impotentes ante a magnitude do que nos espera e nos incumbe, quando nos assalta o desejo de fugir. Mas para onde? Tudo, porque ainda que pese o desejo de evasão, sabemos que cada grão de areia que possamos aportar é importante quando se tem de construir um grande edifício.

Agora que aceitei a realidade, mergulho outra vez nas nuvens, no puro, sutil e luminoso, como uma respiração para os pulmões cansados da poluição diária. Brinco com as figuras etéreas das nuvens, brinco em colocar olhos e mãos nelas e sorrir com elas.

Dentro de algumas horas, seguirei o rumo de tudo que se move na superfície da terra: tormentas, dor, fome, medo e também algum sorriso. O mesmo sorriso, cheio de esperança, que lanço a você, que me lê agora que já não estou nas nuvens…

Delia Steinberg Guzmán

Autor

Revista Esfinge