Leonardo Santelices A.

Conhecerás os homens,

vítimas dos males que eles mesmos se impõem,

cegos pelos bens que os rodeiam,

que não ouvem nem vêem:

são poucos os que sabem se livrar da desgraça.

Tal é o destino que estorva o espírito dos mortais,

como contos infantis que rodam de um lado ao outro,

oprimidos por males inumeráveis:

porque a Discórdia os castiga sem adverti-los,

sua natural e triste companheira,

a qual não há que provocar,

mas sim ceder-lhe a passagem e fugir dela.

Versos Áureos – Pitágoras

É evidente que vivemos momentos de crise em diversos aspectos. Não apenas temos a percepção de que o tempo acelerou, mas também de que há muitos outros aspectos que sofreram essa alteração, as mudanças climáticas, as desordens sociais, os deslocamentos de pessoas, são alguns dos muitos aspectos que dia a dia adquirem maior velocidade e formam parte disso que chamamos crise.

Durante os séculos XIX e XX, entendeu-se o desenvolvimento como progresso indefinido, em que o anterior era necessariamente inferior ao posterior, e assim se impôs um sentido de progresso muito vinculado à caducidade. Se as coisas mudam mais rápido é porque estamos progredindo.

O melhor exemplo de progresso é a fabricação de artefatos com um período de caducidade cada vez menor. Se algo fica superado pelo que vem, isso é sinal evidente de progresso. Cada novo modelo é melhor que o anterior, e as pessoas devem perseguir, como o burro persegue a cenoura, sempre o último modelo.

A sociedade de consumo

Por isso, não apenas os artefatos têm duração curta, todas as esferas humanas também se contagiaram com isso, esse foi o motor da sociedade de consumo. Desatou-se uma febre de consumo cada vez maior, em que a avidez e a ambição são considerados virtudes.

Um dos objetivos da filosofia dos clássicos sempre foi a obtenção para a pessoa de um estado de equilíbrio emocional através da diminuição de desejos e paixões e de uma fortaleza da alma que permita enfrentar a adversidade. Através dessa ataraxia, buscava-se a paz e a tranqüilidade.

A sociedade de consumo vai justamente no sentido oposto. Se uma pessoa se sente em paz na sua vida e não quer aumentar seus desejos porque sabe que eles não têm limite, isso é considerado um “pecado mortal”, já que é uma pessoa que carece de ambições.

O estado desejável para manter a máquina da sociedade de consumo funcionando é o de pessoas com desejos sem medida, cheias de ambições que surgem de uma grande vaidade, em que tudo o que se tem é considerado pouco. Essas pessoas são as que sempre estão perseguindo o “último”, sem se perguntar se é necessário, se é melhor e, às vezes, nem sequer se é correto.

Esse incremento da velocidade em que nunca chegamos a um porto seguro, mas sempre estamos nos equivocando e nem sequer sabemos se alguma vez vamos chegar a algum lugar, é o que nos traz a percepção da crise.

Há um grave conflito entre a alma humana, que sempre está em busca do permanente, ou pelo menos do mais durável, e esses desejos sem medida que querem mudar sempre. As emoções são passageiras, e os sentimentos perduráveis. As opiniões são passageiras, e os conhecimentos perduráveis. O natural é que se determine e guie a vida do ser humano pelo perdurável, e o transitório seja o colorido da paisagem.

Por exemplo, duas pessoas podem viver o amor sendo um casal ao longo do tempo, isso é um sentimento. Não se descarta que esse sentimento possa ser colorido com diferentes emoções, ao contrário, elas servem para dar mais impulso a uma relação, mas elas são de curta duração. Quando o que governa são as emoções, como é sua própria natureza, acabam-se num curto espaço de tempo e com elas “tudo termina” e começa um caminho na busca por reproduzir as emoções com novas experiências.

Do pleistoceno ao antropoceno

De acordo com a história geológica, os dois últimos períodos do quaternário são o Pleistoceno e o Holoceno.

O Pleistoceno, que teria começado há cerca de 1,8 milhão de anos, foi o período em que se desenvolveram as glaciações e é a época dos grandes mamíferos. É também conhecido como a era do homem, porque é quando, segundo a Antropologia, começa a evolução dos seres humanos. O termo Pleistoceno foi inventado por Charles Lyell para definir o período no qual se encontra um registro fóssil de organismos biológicos modernos. No final do Pleistoceno, os grandes mamíferos se extinguiram, restando a fauna como a atual.

O termo Holoceno significa algo como “totalmente recente”. Como era geológica, esse período teria começado há cerca de 10.000 anos, mas é um período que não está muito claro. Segundo alguns cientistas, é um interglaciário do Pleistoceno. A característica mais relevante dessa época é o surgimento das sociedades humanas e a organização em cidades, o que foi possível graças à domesticação de plantas e animais.

Na atualidade, o termo Antropoceno foi elaborado como aquele em que a incidência do ser humano sobre a biosfera se faz muito forte, desgraçadamente não para melhorá-la, mas o contrário. O consumo desenfreado desatou uma voracidade sobre os ecossistemas que faz o ser humano parecer um tremendo depredador que não tem limite, porque está destruindo suas próprias opções de vida.

Enquanto o ser humano se considerava como um microcosmos, ou seja, parte e reflexo do macrocosmos, havia uma relação harmônica com a Natureza e com a Terra. Mas logo começou a se sentir um ser especial e ver a Natureza já não mais como a expressão de uma inteligência, mas como algo inerte que ali estava para seu uso e abuso. Então se rompeu essa relação harmônica, e já não era um colaborador com a ordem inteligente, mas um depredador e destruidor dessa ordem.

Os problemas mais agudos

Há um pouco mais de um ano, a BBC publicou uma série com título “Planeta sob Pressão” na qual se destacavam seis problemas considerados críticos:

Alimentação: num relatório da FAO se estima que 852 milhões de pessoas no mundo padeceram de subnutrição no período de 2000 a 2002. Essa cifra compreende 815 milhões nos países em desenvolvimento, 28 milhões nos países em transição e 9 milhões nos países industrializados.

Água: embora exista água suficiente no planeta, o problema é o acesso a ela. Em 2005, a estimativa era de que dois terços da população do mundo vive em zonas onde o acesso à água é um problema.

Energia: segundo o informe da BBC, “a produção de petróleo pode chegar ao seu ponto mais alto, e os abastecimentos começarem a decair a partir de 2010”.

Mudança climática: a cada ano que passa se faz mais evidente o fato de estarmos passando por sérios transtornos climáticos.

Biodiversidade: o explosivo crescimento da população humana, mais o consumo desmedido, está provocando a extinção da biodiversidade. “A lista vermelha da UICN de 2006 mostra uma clara tendência: o aumento da perda de biodiversidade, não sua diminuição”, disse Achim Steiner, Diretor Geral da União Mundial para a Natureza.

Contaminação: o informe da BBC disse: “os recém-nascidos mostram indícios de substâncias químicas perigosas nos seus corpos, e se estima que 1 em cada 4 pessoas em todo o mundo está exposta a concentrações insalubres de contaminadores”.

Fora da lista, o informe menciona outro problema de tremendas proporcões: o crescimento da população. Quando iniciou o século XX, a cifra que se vislumbrava no futuro, com excesso, era 2 bilhões de habitantes; finalmente, em 1950, se chegou a 2,5 bilhões; e nos 40 anos seguintes duplicou, chegando em 1990 a 5 bilhões, para terminar o século em 6 bilhões.

Esse crescimento explosivo gera sobre todos os sistemas uma pressão tremenda, e é um fato que já ocorreu. A crescente população, que se espera chegue a cerca de 9 bilhões em meados deste século, significa uma pressão cada vez maior sobre o meio ambiente por pessoas que buscam sua sobrevivência.

Além dos problemas já mencionados, encontramos outros não menores no âmbito social, como a ingovernabilidade, as pestes, os focos de guerras que se multiplicam dia a dia, dentre outros.

Embora os noticiários dediquem seu tempo principalmente aos acidentes e às anedotas, os problemas mais agudos do momento atual são profundos e estruturais. Podemos distinguir um denominador comum: em todos eles está presente o ser humano. Portanto, a raiz desses problemas está nas pessoas e sociedades humanas, e é aí então que devemos buscar a solução, do contrário, estaremos nos centrando nos efeitos e não nas causas.

O desenvolvimento humano

Os mercados, como lugares de intercâmbio social e de mercadorias, existiram desde sempre nas cidades, como parte delas; mas, hoje na alienação materialista, chegamos a considerar que os países são um grande mercado.

O ser humano sempre construiu artefatos úteis para a vida material como vestimenta, utensílios, ferramentas, armas, móveis, e muitas outras utilidades para melhorar a vida material, mas a vida humana vai muito além da simples sobrevivência. Hoje se consideram como mais importantes as atividades de produzir e consumir. A título de exemplo, os anciãos como já não formam parte do maquinário produtivo e consomem cada vez menos, começam a ser relegados paulatinamente, e com isso toda a sociedade perde a experiência acumulada e se faz cada vez mais desumana.

Essa preocupação obsessiva e alienada com a produção e o consumo levou a relegar aqueles aspectos que fazem do ser humano verdadeiramente humano e não simplesmente um animal.

É curioso que se pense que o dinheiro é o motor da sociedade e das pessoas, quando está à vista que qualquer pessoa enferma trocaria sua fortuna por saúde. Quando os pais vêem que algum de seus filhos seguiu um mau caminho, seja porque caiu nas drogas ou no crime, trocaria com gosto sua fortuna por recuperar a virtude de seus filhos, e o mesmo ocorre nos casamentos e outras relações familiares.

Ninguém, salvo um ou outro enfermo, está disposto a dar sua vida pelo dinheiro. No entanto, milhares de homens e mulheres deram sua vida por um Ideal, por uma religião, consagraram sua vida à ciência ou à arte, sem necessidade de que os estivessem motivando a cada momento, porque esses motores são os motores da alma, muito mais poderosos e perduráveis do que a ambição ou o egoísmo.

Há 25 séculos, Platão, em seu diálogo “As Leis”, escreveu que há três classes de bens: os bens da alma, os bens do corpo e o capital. Os três são bens, mas guardam uma relação de hierarquia entre eles. Ao organizar uma sociedade, fazer sua legislação, diz o filósofo há que primeiro tomar em consideração os bens da alma, que são as virtudes, depois os bens do corpo, que é a saúde, e finalmente o capital, que é o crescimento econômico.

Na nossa sociedade, temos feito justamente o contrário, e os resultados nos mostram que erramos o caminho. Temos muitas máquinas, exploramos de forma impiedosa nosso planeta, esquecendo-nos de que é uma biosfera limitada, com alguns recursos renováveis, mas também com outros que são finitos.

Esquecemos dos grandes Ideais: “Esta falta de grandes Ideais e de grandes visões enquadrou o homem nas pequenas trincheiras de ideais pequenos e de visões de pesadelo”. Jorge Angel Livraga

Desconectamo-nos da Natureza e nos desvinculamos dos Ideais. Por isso, há hoje em dia um grande temor pelo futuro, quando uma sociedade ou uma pessoa está forte e sólida, planifica e constrói seu futuro; quando está débil e desorientada, apenas trata de adivinhá-lo e roga para que não seja muito terrível.

“Não se analisa a função do Homem no Cosmos, nem suas relações com a Natureza, mas seus instintos, seus costumes, seus medos e desassossegos espirituais. Não se constrói pensando no porvir, não se elaboram escalões grandiosos para os passos augustos dos séculos, mas suaves colinas de areia que sirvam uns poucos anos. Amanhã… quem acredita, quem sabe se existirá um amanhã?” Jorge Angel Livraga

Atualizando idéias

É evidente que as idéias com que estamos manejando a sociedade já não funcionam. Passados os primeiros entusiasmos de uma crescente sociedade de consumo desaforada, chegou a hora de pagar a conta, e o custo está resultando muito alto: poluímos o ar, os mares, os rios, os bosques, já restam poucos lugares na terra onde não estejamos espalhando sujeira. A passos gigantes, estamos acabando com recursos não-renováveis, os hidrocarbonetos e as fontes de água ao alcance da sociedade humana têm os anos contados. Há milhões de pessoas que morrem de fome a cada ano e muitos mais são os que vivem na miséria. E tudo isso para que?

Há sociedades ou setores delas muito ricos, outros tratando de viver dignamente, muitos apenas sobrevivendo e muitos mais já sob essa linha, para vergonha de todos.

Mas também aumentaram outras formas de contaminação, mais sutis, mas não por isso menos violentas e danosas. A angústia e o desconcerto enchem nossas cidades, todo o mundo corre, mas não está claro para que. Embora seja óbvio que um grupo de pessoas trabalhando juntas possam conseguir feitos portentosos, hoje há uma cultura de que todos competem contra todos, todos buscam ganhar dos demais. A inteligência e a bondade já não são os guias das ações, mas sim a ambição e o egoísmo, e isso esvazia os corações. Por isso, nossa época tem o recorde histórico na quantidade de viciados em álcool, drogas e outros vícios que se contam por muitos milhões.

Não apenas existe esse vazio no coração, mas nos esquecemos até de como preenchê-lo. Alguns tratam de estar sempre entretidos para não senti-lo, outros começam a se medicar para dormir ou sair da depressão e, nos casos mais graves, caem no álcool e nas drogas. Mas nada disso resolve o vazio que se faz cada vez maior.

Chegou a hora de atualizar nossas idéias e de voltar a compreender que a cultura, entendida como a política, a arte, a religião e a ciência, existe para promover o desenvolvimento humano, isto é, das potencialidades latentes, das virtudes do ser humano.

Há muito anos, como sociedade, chegamos a compreender que se queremos construir o futuro necessitamos contar com homens e mulheres sãos, honestos, valentes, fortes e generosos. A época dos enfermos, descarados, covardes, débeis e egoístas teve um custo muito alto e não podemos deixar essa herança para as futuras gerações.

Atualizar as idéias é despertar o filósofo que todos levamos conosco, fazer-nos novamente essas perguntas fundamentais e ter o valor de buscar as respostas, embora isso signifique que devamos mudar e nos modificar, porque nessa mudança está a renovação. Se nos renovarmos constantemente, seremos capazes de construir o futuro e fazer um Mundo que não seja apenas Novo, mas Melhor.

Reencarnação, patrimônio da humanidade

Ao longo de toda a história da humanidade, há algo que preocupou os seres humanos, é o sentido da vida.

Grécia

Na Grécia, os mistérios de Elêusis e de Dionísio devem ter revelado segredos aos iniciados. A teoria da reencarnação provavelmente foi algo completamente natural, a julgar pelas conseqüências que trouxe aos homens de seu tempo. Estes conhecimentos secretos e não divulgados conseguiram civilizar os homens e mulheres durante quase dos mil anos.

Cícero, que foi iniciado nos mistérios de Elêusis, fala deles com fervor: “[…] é o maior bem que Atenas aportou aos homens, porque nos fizeram passar de uma vida selvagem a uma vida mais humana”. Assinala que, ao terem tido contato, homens e mulheres, com certas experiências mistéricas, estas lhes haviam permitido se conhecer na sua parte mais profunda e sagrada.

Lúcio Apuleio também nos fala na sua Apologia da Reencarnação sobre a alma, que habita temporariamente num corpo material. Textualmente disse: “[…] a alma humana, que vem de fora para habitar no albergue transitório de um corpo… que, sem dúvida é imortal e divina.”

Apuleio, que conhece muito bem os cultos religiosos gregos, continua na sua Apologia: “Participei na Grécia das iniciações dos cultos mistéricos. Ainda conservo, com muito carinho, certos símbolos e lembranças de tais cultos, que me foram entregues por seus sacerdotes”.

Órficos

A tradição órfica influenciou a Grécia durante milhares de anos e os restos da sua sabedoria nos falam da natureza dos deuses e da alma humana. Segundo a tradição órfica, a alma está presa num corpo material, e é de essência divina; prisioneira num corpo titânico, em virtude de uma mancha primitiva, condenada a reencarnar sem cessar. O próprio Orfeu desceu aos infernos tratando de resgatar Eurídice (sua alma).

Pitágoras

A tradição pitagórica nos deixou uma total vinculação com a teoria da reencarnação. Segundo Pitágoras, as almas se reencarnam nos corpos, podendo torná-lo em “animais”. A chave a qual se refere Pitágoras é a do caráter da alma, e não com relação a um animal concreto. Hoje dizemos quando vemos um homem valente: “é como um touro”, ou se é muito bruto: “é um animal”. Assim, Pitágoras se refere ao caráter do homem.

Pitágoras lembrava de suas quatro últimas reencarnações – segundo ele, isso se dava por uma virtude de Hermes – tendo sido: Etálitas, Euforbo (combatendo na guerra de Tróia), Hermótimo e Pirro, antes de ser Pitágoras.

Platão

Platão nos fala da reminiscência da alma: sua própria recordação. Segundo Platão, a alma humana é muito velha e encarna neste corpo material para adquirir experiências e se purificar. Em outros diálogos, conta-nos que educação é eduzir o que cada Alma é. Seria como eduzir sua própria reminiscência, seu verdadeiro “ser”, seu “gênio” (A República).

No Fédon, Sócrates, num magistral diálogo, explica a imortalidade da alma e sobre como a morte não existe. Acaba dizendo: “de onde vêm os vivos? Dos mortos, e de onde nascem os mortos? Dos vivos”.

Também Sócrates, na Apologia, com a inteligência que o caracteriza, disse: “Já é hora de irmos, eu morrer, vocês viverem. Qual de nós terá melhor sorte, a todos está oculto, exceto a Deus”.

No mito de Er, Platão começa dizendo que não é um relato de Alcino (um fraco), mas sim de um bravo homem.

Platão nos conta que Er foi morto na guerra. Ao décimo dia, quando foram recolher os cadáveres putrefatos, o corpo de Er permanecia em bom estado. E quando jazia na pira, ressuscitou e contou aos demais o que viu. Er conta que tudo o que fazemos repercute na vida e que seremos julgados por nossos atos. Num lugar, ele viu como algumas almas subiam sobre a Terra e outras voltavam à ela (para reencarnar); as almas que subiam da Terra estavam sujas, e as que desciam, estavam limpas. As que voltavam pareciam voltar de uma longa viagem, marchavam felizes a acampar num prado, e se cumprimentavam entre si. E os que voltavam da Terra perguntavam o que se passava no céu, e as que vinham do céu sobre o que acontecia na Terra. E faziam seus relatos umas às outras, recordando quantas coisas haviam padecido e visto na sua vida na Terra. Enquanto os que procediam do céu narravam seus gozos e espetáculos de incomensurável beleza.

Er explica como todas as injustiças cometidas são mais claras para a alma nesse estado e nos narra a dor de muitos, principalmente dos tiranos. De volta à Terra, conta-nos que passaram pelo rio Leteo (do esquecimento) e que as almas bebiam água, e quanto mais bebiam, mais esqueciam. Apenas os que bebiam pouco poderiam lembrar de algo, mas que não lhe permitiram beber, para poder explicar o que ele havia visto.

Er comenta nesse amplo “Mito” todo o processo da Alma que desencarna, que vive nos estados celestes e inferiores, e sobre sua volta à Terra, por uma fase de necessidade de experimentação. Fala das parcas “filhas da necessidade”: Laquesis (passado), Cloto (presente) e Átropo (futuro), que são as que tecem o destino dos homens, de acordo com seus atos.

De maneira um tanto enigmática e através do mito, Platão nos fala da complexidade e dos passos da alma pelo outro mundo; cada uma tem uma sorte diferente, segundo seu karma.

Platão nos relata magistralmente que a alma humana é imortal, mas para chegar a ter consciência disso, há muitas reencarnações.

Egito

Para os egípcios antigos, o mundo terrestre é uma sombra do celeste. Para eles, a palavra “morte” não existia: ou se vivia no Nilo Terrestre ou no Nilo Celeste. A alma que desencarnava do mundo terrestre nascia no celeste e a que encarnava num corpo material vinha do mundo celeste.

No Egito, a matéria era uma prisão para as almas, e uma de suas grandes ciências era a de libertá-las de sua prisão carnal através do processo da mumificação. É na Terra onde as almas se perdem pela escuridão de seu veículo corporal.

O Egito é a pátria da imortalidade, da espiritualidade por excelência. Tudo na vida tem um sentido; a vida física depende da metafísica, o mundo terrestre é a sombra do celeste. Assim, o que o homem deveria descobrir aqui é o seu sentido na vida, seu caminho, e reger-se pela lei de Maat.

Mas no Egito são muitos os símbolos que nos falam sobre o outro lado das coisas e como esta vida é um passo para a outra.

Nas tumbas do Vale dos Reis, em numerosas cenas se observa a desintegração do corpo e a viagem da alma ao Nilo Celeste; também há cenas que representam a “colheita” da passagem pela Terra. No Nilo Celeste os familiares também trabalham e se encontram, como se observa na tumba de Sennedjen, no vale dos artesãos.

Também são numerosas as cenas da pesagem do coração. A alma, uma vez que deixa seu corpo, é conduzida ao juízo de Osíris. O deus preside o juízo, no qual, se coloca o coração do morto num prato da balança e a pluma de Maat no outro; o peso está de acordo com a sua vida na Terra. Ao lado de Osíris está Set, que devora tudo o que for inútil, e o que fica é conduzido ao Amenti.

Os livros de Hermes Trimegisto, o “Corpus Hermético”, nos fala sobre como as almas reencarnam, que umas nascem mulher e outras homens e as causas disso.

Mas, o mito que melhor representa a condição humana no seu estado atual, talvez seja o mito de Osíris, no qual ele próprio representa a humanidade. Esse mito nos fala do longo processo e das provas pelas quais se deve passar.

O deus é morto pelo seu irmão Set, que o despedaça e reparte seus membros pelo mundo. Mas Ísis, sua mulher, a grande maga, senhora do conhecimento, reúne esse pedaços e devolve a vida ao seu falecido esposo. Apenas não encontra uma parte, seu membro viril. No seu retorno à vida é osirificado. O deus, neste aspecto, encarna a vontade espiritual e no aspecto humano, o futuro da humanidade. Ele é o “nascido duas vezes”. Ísis representa o conhecimento na parte profunda da vida.

Roma

Em Roma, a reencarnação também foi uma realidade aceita e integrada, pois já desde os tempos antigos se reconhecia a imortalidade da alma humana e suas provas sucessivas na vida. Roma soube manter os cultos do conhecimento mistérico, em que homens e mulheres da época se educaram, até a chegada dos bárbaros.

Mas, provavelmente, quem melhor o descreva seja Virgílio na “Eneida”. Enéas desce aos infernos e superando algumas provas reconhece seu pai, e relata a condição imortal da alma humana.

Plotino, nas suas “Enéadas”, nos fala sobre a condição imortal da alma humana e sobre como ela se purifica pouco a pouco, até chegar à sua pura divindade.

Outro personagem um tanto misterioso é Apolônio de Tiana. Grande filósofo, mago e taumaturgo, recordava-se das suas vidas anteriores. Para Apolônio isso não era uma teoria, mas a mais pura realidade, como demonstrou na sua alongada vida.

Apolônio, em uma carta à Valério sobre a perda do seu filho, disse: “Ninguém morre, apenas na aparência, da mesma maneira que ninguém nasce, isso só ocorre aparentemente”. A passagem da essência à substância, é o nascimento; assim como a morte é a substância à essência. Na realidade, ninguém nasce e ninguém morre.

Filostrato relata que havia um jovem cético gritando para que Apolônio aparecesse para ele, zombando sobre a imortalidade da alma. Apolônio aparece, e lhe fala em verso:

A Alma é imortal,

mas não é sua propriedade,

pertence à providência.

Quando o corpo está esgotado,

semelhante a um corcel veloz

que vence a carreira,

a alma se lança e se precipita

no meio dos espaços etéreos,

cheia de desprezo pela triste

e rude escravidão que sofreu.

Cristianismo

A doutrina da reencarnação foi aceita nos primeiros séculos como algo completamente natural, sustentada por gnósticos cristãos como Simão o Mago, e os Padres da Igreja como Orígenes. Não em vão, os padres da Igreja se educaram nos mistérios antigos confundindo os ensinamentos à moda de sua seita. Até que no concílio de Constantinopla, um grupo de bispos no século VI (543) decretaram herético tal ensinamento, proibindo falar dele.

Na Bíblia se fazem alusões à essa doutrina, em Mateus 27, 12-13; Marcos 6, 14-16; João IX 122 etc. Hoje existem bons estudos de investigação histórica que demonstram o fato de que o cristianismo primitivo sustentou esse ensinamento.

Seitas hebreu-cristãs e muçulmanas não erradicaram este conhecimento da alma humana, que constitui um patrimônio natural e não uma crença.

Atualmente, tal doutrina é negada dentro da hierarquia. No entanto, um grande número de cristãos crentes a consideram como algo real, acreditam ainda que isso vá contra a sua Igreja, como demonstram as pesquisas modernas.

Apesar de considerar a reencarnação como algo pagão, muitos dentre os cristãos consideram a alma encarnada prisioneira de um corpo, que viveu em estados mais sutis. Cabe destacar Calderón de la Barca, ordenado sacerdote em 1651 e nomeado capelão dos Reis, quando nos fala do sonho no qual estamos imersos, na sua obra “A Vida é Sonho”.

Índia

Na Índia, desde a mais remota Antigüidade, aparecem textos sagrados que tratam da doutrina da reencarnação das almas, mas eles a consideram fruto da sua própria imperfeição. Por isso, a ciência das diversas escolas existentes de filosofia é a de liberar pouco a pouco a alma das suas ataduras passionais e terrestres para sair da roda das reencarnações.

No coração do Mahabarata, no capítulo do Bhagavad-Gita, narra-se como a alma humana pode superar todas as provas da matéria.

No Bhagavad-Gita, narra-se a luta de Kuravas e Pandavas. Os Kuravas, (a parte inferior do ser, as paixões) são muitos, constituem um numeroso exército, mas têm que lutar contra seus parentes, os Pandavas, (a parte divina da alma) pela supremacia da cidade de Hastinapura. O príncipe Pandava Arjuna, ajudado por seu mestre Khrisna (a divindade), decide junto com os demais príncipes enfrentar o numeroso exército Kuru. Khrisna narra nesta epopéia o conhecimento interior, e a luta que Arjuna terá que travar, se quer conquistar a si mesmo.

Mas, a luta é inevitável. Apenas depende de Arjuna o fato de se enfrentar e sair vitorioso, conquistando o céu e a terra, ou postergar o inevitável, com as conseqüências negativas de tal decisão.

Khrisna fala da reencarnação como o longo caminho da alma para o conhecimento de si mesmo: “Assim como a alma que reside no corpo material passa pelas fases de infância, juventude, amadurecimento e velhice, assim também, no seu devido tempo, passa a outro corpo e em sucessivas encarnações voltará a desempenhar uma nova missão sobre a terra. Isso é sabido por quem conhece a doutrina interna e não se preocupa pelo que ocorre neste mundo transitório”.

Também nos Yogas do Rama-Yana, no Yoga Vâsishtha, comenta-se sobre a reencarnação, na natureza ilusória da vida: “Apenas vive realmente aquele que se esforça por conquistar o autoconhecimento, que é a única coisa valiosa que podemos alcançar nesta vida e o que põe fim ao cruel ciclo das reencarnações”.

A doutrina da reencarnação é sustentada por todas as escolas, tanto as ortodoxas – como os Vedas e os livros sagrados – como as heterodoxas – como o budismo ou o jainismo. Ainda que a nível popular, estes antigos ensinamentos degeneraram em superstição, como a crença de que a alma pode reencarnar em estados já superados, como em animais. Os sábios, diferentemente, mantêm esta doutrina na sua prístina pureza.

Culturas pré-colombianas

As culturas pré-colombianas acreditavam que os homens eram filhos dos deuses e que a alma humana era imortal, condenada a reencarnar. No entanto, a condição divina da alma tende a se elevar aos deuses, como demonstram os textos ainda conservados.

Tanto as culturas clássicas como os povos anteriores a elas, acreditavam na condição divina da alma e na longa peregrinação pela Terra. O pesquisador Dick Edgar comenta sobre os Cashibo, (antiga tribo do Peru) que demonstravam nas suas crenças a conexão entre o céu e a terra: “Entre o centro do céu e o da terra existe uma escada, Catapuekao, que conecta ambas as portas cósmicas. Por ela sobe o espírito do xamã quando necessita falar com Deus, e por ela sobe também o espírito dos mortos. No extremo dessa escada, há uma gigantesca cruz. Ao pé da escada há outra cruz onde se reúnem os mortos antes de subir ao firmamento. Cantam antes de começar a viagem ao outro mundo. Essas cruzes celeste e terrestre dividem os planos cósmicos em quatro partes iguais”.

O mesmo investigador nos conta que outra tribo anterior às culturas clássicas, os Tehueches ou Patagões, viam a alma como viajante do tempo, passando da vida à morte sem cessar: “Acreditavam na transmigração da alma e que as almas dos que morrem passam aos que nascem na família desta forma: aquele que morre velho transmigra a alma sem detenção e, por isso, não se chora nem se lamenta, porque dizem que aquela alma melhorará de posto. Mas aquele que morre jovem e robusto, fica detido sob a terra, sem destino, até que cumpra o que falta para ser velho”.

Nas culturas clássicas, o conhecimento da alma é uma ciência e existe um desenvolvimento da consciência e a evolução das almas. Entre os astecas existiam escolas chamadas Calmecac, e os jovens ingressavam nelas para superar uma série de provas, conhecendo desta maneira e de forma direta, sua condição divina.

O conhecimento sobre a reencarnação estava tão integrado, que surpreende ver como eles viam a vida, segundo comenta Séjorné na tradução de poemas náhuatl: “Por mais que eu chore, por mais que eu me aflija. Por mais que meu coração não queira, não terei de ir à região do Mistério? Aqui na Terra dizem nossos corações: Oh! Amigos meus, que bom se fôssemos imortais. Oh! Amigos, onde é a Terra em que não se morre? Será que irei até lá? Será que minha mãe vive lá? Meu pai vive lá? Na região do mistério”.

Vimos para nascer, vimos para viver na Terra. Por um breve tempo é a glória daquele por quem tudo vive. Vimos para nascer, vimos para viver na Terra.

Apenas viemos para dormir. Apenas viemos para sonhar. “Não é verdade, não é verdade que viemos para viver na Terra”.

Conta-se que quando uma mulher vai dar à luz, outras mulheres se encarregam de recitar umas palavras, dizendo: “Alegra-te, terás um ser especial, um ser constituído por pedra preciosa e plumas de Quetzalcoatl.” (Referindo-se à alma e ao corpo).

A imagem simbólica mais poética talvez seja a descrição onde os astecas representavam a morte e o nascimento. Faziam-na através da representação de uma árvore, na qual, por seu interior desciam as almas que nasciam e subiam as que morriam. Nas copas existiam alguns anjos que tomavam como pais os que morriam e nas raízes existiam outros pais para os que nasciam.

“Saibam todos que nosso senhor fez misericórdia, porque colocou nesta senhora, jovem e recém casada, uma pedra preciosa e pluma nobre, posto que a jovem já está grávida”.

As parteiras dirigiam alguns versos aos recém-nascidos:

“Filho meu, muito amado e muito terno, saiba e entenda que não é aqui a tua casa. Esta casa onde nascestes é apenas um ninho, é uma pousada onde chegastes, é a tua saída para este mundo; aqui brotas e aqui morres, tua própria Terra é outra”.

Oh, Pedra preciosa! Oh! Pluma nobre. Fostes formada num lugar onde estão o grande Deus e a grande Deusa. “Chegastes de longe a este mundo, miserável e exausta”.

A religião Nahuatl indica dois nascimentos: o nascimento natural, próprio de todo ser e o espiritual, o nascimento da vida interior. Segundo o mito, Quetzalcoatl “o que conhece o segredo de todos os encantos”, ao final, o inicia nos mistérios da vida interior que o libera da solidão desamparada da existência pré-individual.

Estes são duas vezes nascidos: nascer fisicamente e nascer por vontade da alma ao mundo interior.

Época atual

Numa época mais próxima encontramos também pensadores, poetas e inclusive cientistas que nos falam da reencarnação. Foram realizados muitos estudos sobre a reencarnação e muitos especialistas nos demonstraram com seus trabalhos que os renascimentos formam parte dos ciclos da natureza. Foram escritos livros sobre a reencarnação, que nos contam experiências de pessoas que se recordaram de outras vidas. Ou pessoas que através de regressões hipnóticas, puderam tomar consciência de anteriores existências em outras cidades, países, com outros nomes; em alguns casos, inclusive, falavam de pessoas que teriam vivido em um tempo e lugar determinados, comprovando-se posteriormente, sua certeza. Também se contam casos que durante a hipnose as pessoas eram capazes de dizer palavras em outro idioma totalmente desconhecido pelo paciente. Mas, tampouco é necessário seguirmos a hipnose, também são muitas as pessoas que realmente viveram a morte, que após um grave acidente tiveram uma “morte clínica” e todos coincidem em dizer que saem do seu corpo e vêem perfeitamente tudo o que os rodeia, inclusive os pensamentos dos que estão presentes. Podem se mover rapidamente de um lugar ao outro, não nos falam de medo, mas sim de prazer e paz. Após ver rapidamente toda sua vida, como se fosse num filme, alguns falam de luzes, outros de música. Mas sua hora ainda não chegou e para essas almas é dada a possibilidade de voltar à vida física, e todas coincidem em dizer que voltam por amor. Assim, voltam a habitar o corpo que tinham deixado, voltam à sensação da dor que havia desaparecido por completo.

Assim como passamos do dia para a noite, também os seres da natureza passam da “vida” à “morte” e vice-versa. Mas, atualmente, o tema da reencarnação é ainda tabu e temos muito arraigadas as idéias do inferno, do céu, do purgatório. Mas podemos pensar, são meras divagações as opiniões dos grandes sábios do passado como Pitágoras, Platão, Plotino, Cícero, Virgílio, Ovídio, ou nas grandes culturas como a dos germanos, astecas, maias, egípcios, hindus, gregos ou movimentos espirituais como gnósticos, maniqueus, antigos cristãos, órficos, ou renascentistas como Campanella, Paracelso ou Giordano Bruno, inclusive modernos pensadores como Voltaire, Goethe, Balzac, Schopenhauer, Herder, Fichte, Kant ? Todos eles nos falaram da reencarnação, da natureza da alma humana. Poder escutar os sábios que, com seus mitos, seus poemas e seus belos escritos nos falaram desse renascer da alma humana, e ter uma mente mais aberta, nos dá a possibilidade de nos aproximarmos de nós mesmos.

O poeta Amado Nervo, em uma de suas poesias chamada “A Eutanásia”, diz:

“Entramos na vida chorando; entramos furiosos e gritando; dir-se-ia que o país de onde viemos é tão prazeroso e luminoso que por contraste aqui apenas há escuridão, dor e tristeza…”

Em seu escrito “A tragédia dos berços”, em que nos relata o que um “amigo seu” lhe fala da tragédia da vida e a liberação da morte:

“Chamas de fortuna o nascimento?

Ah! O berço é apenas

um ataúde ao revés

e o féretro é um berço.

A diferença consiste

em que o berço, meu senhor,

é um ataúde risonho,

e o féretro, um berço triste”

O poeta, através da boca de um amigo teósofo, fala sobre a reencarnação de uma alma, e com grande beleza nos leva a imaginar uma alma que desencarna, de um homem sábio, nobre e bom. Compara essa alma com uma bela mariposa que, um pouco aturdida, mas cheia de sensação de liberdade, move-se com a rapidez do pensamento, já livre das ataduras do seu corpo e se eleva aos planos superiores. Conta-nos como essa alma se livra dos sofrimentos da vida.

“Mas ainda lhe faltam algumas perfeições não adquiridas no encadeamento de suas existências; tem que esgotar seu karma, polir ainda algumas facetas do seu diamante.” “Certamente, certamente te digo que ninguém pode ver o reino de Deus se não voltando a nascer” (São João, 3,3)”.

“Deve nascer novamente”.

“Uma voz interior, voz mais espantosa que todos os infernos, diz à alma: “Desce à Terra uma vez mais! Desce à Terra, ou melhor, envolve-te outra vez na miséria, ata-te ainda com as horríveis ligaduras da carne, volta a ser escravo da necessidade, a arrastar um pobre corpo dolorido, a afundar-te na prisão dos ossos, músculos, nervos, tecidos, tão espessa e sombria, que até esquecerás que fostes livre dela alguma vez, que alguma vez tivestes asas”

“É preciso renascer…”

“Há aqui uma hora de angústia mais temível que a da morte. Na realidade, a morte não é senão a liberação dos laços carnais, a entrada em uma vida mais livre, mais intensa. A encarnação, ao contrário, é a perda desta vida de liberdade, uma diminuição de si mesmo, o passo dos claros espaços à escura prisão, a descida ao abismo de sangue, de lodo, de corrupção, no qual o ser será submetido a necessidades tirânicas inumeráveis.”

Assim o poeta descreve a triste condição da alma humana aprisionada num corpo de matéria, como um pássaro dentro de sua jaula, e a liberação da alma após a morte.

Então, se reconhecemos a possibilidade de que após a morte venha outra vida e após outra morte, outra vida e outra morte, e assim, até que cheguemos a esgotar nosso karma, como nos diz Amado Nervo, deveríamos pensar o que fazemos com nossa vida.

Estamos dedicando nossa existência a alimentar um pouco nosso espírito e nossos ideais, ou apenas alimentando nosso corpo físico e nossos caprichos?

Não depende de nós voltarmos a nascer fisicamente, isso é produto da natureza; mas, depende de nós despertarmos nossa parte mais nobre, mais verdadeira, poder nos melhorar dia a dia. Realmente este também seria um verdadeiro renascimento, dar à nossa alma o que ela merece, ou seja, aproximá-la um pouco mais do divino.

Porque, como nos diziam os antigos filósofos, isso é o que a nossa alma busca, “unir-se à parte divina”.

A Vida é sonho

Sonha o rei que é rei, e vive

com este engano mandando,

dispondo e governando;

e este aplauso que recebe

escreve no vento;

e em cinzas lhe converte

a morte; forte infortúnio!

E há quem tente reinar,

vendo que tem de despertar

no sonho da morte?

Sonha o rico na riqueza

Que mais cuidados lhe oferece;

Sonha o pobre, que padece

Sua miséria e sua pobreza;

Sonha aquele que começa a prosperar,

Sonha aquele que se fatiga e deseja,

Sonha aquele que irrita e ofende

E no mundo, enfim,

Todos sonham o que são,

Ainda que ninguém entenda.

Eu sonho que estou aqui

Destas prisões carregado,

E sonhei que em outro estado

Mais lisonjeiro me vi.

Que é a vida? Um frenesi.

Que é a vida? Uma ilusão,

uma sombra, uma ficção,

e o maior bem é pequeno;

que toda a vida é sonho,

e os sonhos, sonhos são.

Desde o fundo da História – O pente de marfim

A beleza das pequenas coisas, dos objetos simples, de cada dia, os que se utilizam com freqüência. Tudo ao nosso redor deve ser belo. Como eu o sou, um pequeno pente de marfim, com o qual uma dama etrusca fez com que sua criada penteasse seus cabelos, e que a acompanhe na sua tumba para que seguisse bela ao Além. Fabricaram-me em Vetulônia, e sou muito caro: não há marfim na Itália. Talharam-se com delicadeza: o relevo de duas esfinges afrontadas, e sobre mim dois felinos que hoje estão quebrados. São delicados os dentes do pente que desembaraçavam os cachos. Encontraram-me na necrópole de Marsiliana d’Albegna, e hoje descanso diante de olhares no Museu Arqueológico de Florença.

Mª Ángeles Fernández

Autor

Revista Esfinge