O Zodíaco de Glastonbury e o retorno do rei Artur

Em 1925 Katherine Maltwood descobriu um conjunto de figuras colossais ao sul de Glastonbury. Seus contornos foram definidos por rios, colinas, trilhas, valas e aterros, que representam os doze signos do zodíaco e personagens da saga do rei Artur.

O Zodíaco de Glastonbury consiste em um grande círculo de efígies de 16km de diâmetro, dentro de um perímetro de 48km, modelado em relevo por colinas e marcada por cursos d’água. As figuras são essencialmente naturais, embora o esboço geral tenha sido concluído pelo homem ao longo do tempo por meio de estradas, valas e calçadas, também por montes e aterros. Neste esquema estão os doze signos do Zodíaco na ordem correta dentro de um círculo.

Todos estão virados para o Oeste, orientando-se para o centro; os signos do inverno estão no Norte, os de verão no Sul, e ao transportar em escala o planisfério sobre o mapa, as estrelas do zodíaco correspondem aos signos marcados na superfície da Terra. As figuras se apresentam em proporção, e os dois Peixes são equivalentes em dimensões, como também o são os Gêmeos. As únicas figuras humanas formam um triângulo equilátero dentro do círculo. Sagitário, o deus do Sol, é a maior figura, com 8km de comprimento; Virgem tem pouco mais de seis quilômetros e Gêmeos é ainda menor.

Quando descobriu este zodíaco, a escultora canadense Katherine Maltwood estava desenhando a capa para o livro Alta História do Santo Graal, que marcou a rota seguida pelos cavaleiros em sua busca. Este High History of the Holy Grail, místico manuscrito franco-normando, havia sido recém-traduzido por Sebastian Evans. O original foi escrito na abadia de Glastonbury e descreveu claramente os terrenos a sua volta.

Introduzida ao tema dos buscadores do Santo Graal ou Graal do mito do Rei Artur, Maltwood conclui que ali estava realmente a verdadeira Távola Redonda, com Artur, Guinevere, Merlin e os principais Cavaleiros, como herdeiros de magia mítica das figuras do zodíaco. Estas terras pertenciam ao rei de Camelot, Leodegrance, o pai de Guinevere, que as dará para sua filha como um dote quando ela se casar com Artur. Camelot é o Castelo de Cadbury, que no zodíaco é apresentado na figura de Virgem; Leodegrance é Leão e Guinevere é a Virgem.

O que se segue é uma breve descrição dos fatos que ali se apresentaram.

Sagitário

Artur é Sagitário, cuja gigantesca sombra se alonga por mais de oito quilômetros sobre o vale com tão importante associação com seu nome. Este híbrido celestial e terrestre não é um centauro, mas um cavaleiro atravessado sobre o pescoço de seu cavalo pelo monstro Leviatã, o que o esconde e não o visualizamos direito. Os primeiros centauros gregos e caldeus foram provavelmente cópias ruins desta figura. Comerciantes de metal o levaram destas ilhas no início da Idade do Bronze. Como o Sol retorna todos os dias, Artur deve também retornar. Sempre morrendo, sempre retornando. Quem ganha em última análise, esta batalha entre a Luz e as Trevas? Supõe-se que, após esta inteligente e difícil tarefa, a Luz o fará no final dos tempos, depois de triunfar em sucessivos ciclos menores.

Artur é o Sol, Guinevere ou Virgem é a Mãe-Terra, e Gêmeos é seu filho. Esta é a forma da Trinidade das antigas crenças, com o aspecto masculino metade terreno e metade divino. Mas também se apresentará a Trinidade dos Cristãos com a pomba do Espírito Santo em interessante representação.

Gêmeos

Em A Alta História Gêmeos é representado pelo filho de Arthur, Lohot, cujo nome tem o significado de Sol menor ou “Sol mais baixo”. Este Sol, como seu pai Artur, deve morrer, decapitado pelo invejoso Sir Kay enquanto descansa sobre o corpo de um gigante por ele abatido. Aqui encontraremos a Galahad, o Cavalheiro similar a Cristo. É interessante lembrar que, na Trindade druida a terceira pessoa é Esus, o Lenhador (Belinus, Taranis y Esus); e assim foi por centenas de anos antes que Jesus, o Carpinteiro, caminhasse sobre a Terra. Os Druidas também mencionaram este princípio como Yesse, A Essência, como os galeses fazem hoje; e a forma romanizada deste nome é Esus ou Jesus.

Como Cristo, paira sofrendo entre dois ladrões, porque Gêmeos é regido por Mercúrio, o deus dos ladrões. Ele é o ladrão bom em muitos mitos, que rouba um pouco de paz e esperança da Mansão dos Deuses para favorecer a Humanidade.

Ambos os gêmeos aparecem neste Zodíaco: No mito de Artur, Percival é o gêmeo mortal. Percival comete, como nós, vários erros, mas ainda assim, seguindo ao idealizado Galahad, finalmente chega a si mesmo, conquista-se, e é capaz de alcançar a visão perfeita: ver o Cálice. Mais tarde, no mito grego, Castor é o Gêmeo mortal salvado por Pólux, seu irmão imortal.

O Sabujo ou Cão de Caça

Esta figura, tal como Cérbero, cuida dos “Mistérios”. Este cão é também um buscador do Santo Graal, é o animal que peregrina cruzando a floresta arturiana. De todas as características deste cão delineadas no terreno, uma é a que atrai a atenção: o rio Tono, sua língua. Há uma tradição na região: a de oferecer pequenos bolos de cevada, fumo e batata frita, ao rio Tono. A lenda diz que Alfredo o Grande iniciou esta tradição. Nos perguntamos se Alfredo não buscava talvez ser admitido nos Mistérios, e as apetitosas tortas eram uma forma ritualista de ganhar o Cão Cérbero.

Áries

Áries, o Carneiro, é o primeiro signo do Zodíaco. Na terminologia arturiana representa a Gawain, o primeiro dos cavaleiros (assinalado pelo próprio Artur como o primeiro, aquele que deve iniciar esta busca e impulsioná-la). Atrevido, aventureiro, sempre em namoricos, arrebatado em suas ações, salta sem olhar, e depois se arrepende: na natureza, são os ventos de março e as chuvas de arrependimento de abril. Personifica a primavera, mas o caminho é difícil e deixa em seu rastro unicamente a adversidade e a terra queimada. Gawain permite que a procissão da busca passe adiante dele sem prestar-lhe atenção alguma e por isso ele é expulso do Castelo, para fazer sua própria e necessária experiência. Logo retorna humildemente, buscando o conhecimento.

Touro

O bom mês de Maio, Touro é representado por Sir Hector, o jovem pai adotivo de Arthur, que constrói um abrigo para o infante Rei Sol. É a figura do protetor. Touro é o construtor, o que fornece; José, o carpinteiro está inclinando-se como o boi na Criança de Gêmeos. Em A Alta História, Touro é o Rei Gurgalain do Castelo de Touro, o que faz uma última ceia com seu filho. E os Mistérios cristãos mantêm está tradição.

Câncer, a barca

É Câncer ou é a Nave de Argos (Argo Navis) que vemos nesta parte do céu? Não há caranguejo algum, mas um barco embalando uma criança que poeticamente simboliza o signo maternal e aquoso de Câncer. A Lua rege Câncer, e esta Barca (em forma de meia-lua) é a lua crescente de Maria, a barca de Ísis, o cálice (Caldeirão) de Ceidwen: lua, ventre e o túmulo de uma só vez. Canais, valas, pequenas represas de água lhe dão forma. E a lenda do rei Artur afirma que é o barco de Salomão, feito por Salomão (o Sol) e sua travessa esposa (a Lua); que atravessa todas as idades, mantendo a sabedoria até que chegue o homem digno de seu alcance. Quem não merece é um usurpador e morre ao embarcar.

O puro Galahad está no comando, então tudo estará bem: ele e Percival obtêm a visão do Graal e, em seguida, saem para terras que estão além dos reinos mortais.

Leão

Ao recordar a menção de Leão como Leodegrance devemos reconhecer que este é um personagem menor na lenda arturiana. As características principais de Leão se darão através da figura de Lancelot, o guerreiro vigoroso, somente perseguido por si mesmo (por suas próprias dúvidas internas), ou seja, só teme a si mesmo. Virgem-Guinevere, mais como perseguidora que como virtuosa, se desvanece em seus braços: há análises, não finais ou conclusivas, mas sim concomitantes, que nos mostram Lancelot como a imagem da figura paterna para Guinevere. Apenas o mais magnífico de todos os cavaleiros pode se relacionar com Leão, mas eles são apenas o orgulho e a ganância daqueles que traem Leão sendo negado a visão do Graal por causa de seu amor terreno por Guinevere. Isto acabará por fechar o ciclo da Távola Redonda.

Virgem

Signo de terra, o solo virgem. Ela representa todas as mulheres em uma só, o único elemento feminino no círculo. Virgem na primavera, deusa da colheita no verão, no inverno bruxa estridente. Rios, as águas de nascente, túmulos, festividades locais relacionados com a colheita, a velha “Mother Cary” (a Ceres destas ilhas), estão todos elementos relacionados com a representação deste signo sobre a terra. A deusa Ceres andou pela terra em busca de sua filha perdida; mas deveria olhar para dentro da terra para encontrá-la (e encontrá-la sempre jovem, eternamente pronta para ser oferecida, para manifestar-se). Morgan-le-Fay, a irmã virginal de Percival, a Dama do Lago, que (como Guinevere) amava Lancelot du Lac, são todos aspectos de seu significado complexo. Ela é Eva. A mãe de tudo, mãe também de todos os males e doenças.

Libra, a Pomba

A representação da pomba ou gaivota que aqui encontramos é o Espírito Santo da Trinidade cristã, mas foi desenhado pela natureza muito antes de que fosse pintada a pomba da Anunciação voando até Virgem sobre um raio de sol: o moribundo Sagitário lança um último raio de luz para a Terra, apurando-o com sua força interior. Da mesma maneira, a espada do moribundo Artur se projeta dentro do lago (e nas tabernas, contudo, hoje se conta que o moribundo Robin Hood disparou sua última flecha para o bosque).

Na lenda arturiana esta ave é a que voa antes da Procissão do Graal, iluminando-o com uma luz que não é própria desta terra. Nesta misteriosa procissão de personagens, em que dois jovens portam uma lança estendida até o alto e adiante, cujo extremo goteja sangue sagrado que cai dentro do Copo-Cálice levado por donzelas; se dão dois níveis simbólicos distintos: o material e o espiritual. Isto em realidade se dá em todos acontecimentos dentro do Universo. A pomba marca aqui o simbolismo mais elevado e cósmico, o espiritual: o domínio dos instintos e a capacidade de atuação seguindo a própria intuição era essencial para o cavaleiro que aspirava a visão do Graal. As catarses que o cavalheiro buscava eram do espírito, não da matéria.

Os antigos bardos cantavam: “Pomba dos deuses, envia-me um raio de inspiração”. Isto significava que o Sol fornece não só o material, a vida física, mas também a semeia luz, ideias; esclarece e ilumina a mente e entende que esta é a principal tarefa do homem, sua interpretação é a sua razão de ser.

A Pomba de Libra começa o último trimestre do ano, o estágio de maturidade e desenvolvimento. A sua forma assemelha-se a uma balança com dois pratos (como o barco de câncer tem a forma de um caranguejo). E no zodíaco de Glastonbury ambos os símbolos estão associados com o deslocamento e ocultamento que está em comum: Libra seria o masculino, e Câncer seria o feminino (Yang e Yin). Tanto o zodíaco como a lenda do Graal falam de uma evolução que trabalha incansavelmente para produzir formas de vida mais altas e mais complexas, tanto mentalmente quanto fisicamente.

Escorpião

É o tipo de revolucionário, regido pelo planeta vermelho Marte, tão crítico de si mesmo como dos outros, você deve “encontrar” a verdade a qualquer custo: Mordred, sobrinho ciumento, filho de Arthur e sua irmã Morgana-le-Fay. Ela é a mãe, irmã e esposa, e – ainda mais – bruxa feiticeira (como Virgem). Morgana-le-Fay também irá traçar a queda do pai (Artur) e a ascensão da criança (Mordred).

Mordred trabalhando secretamente para dividir a Távola Redonda: explorando o amor de Lancelot por Guinevere, prepara a batalha final de Camlann, e suas intenções incluem sequestrar Guinevere e reinar, com ela, no trono de Artur. Mas matando Artur, mata a sim mesmo. Lancelot, Guinevere e Mordred destroem a maravilhosa história. E o Sol se pôs no céu banhando-o de vermelho: é o desafio que tem de ser aceito e que se deve superar a fim de vencer para chegar a um novo dia da História.

Antes da batalha de Camlann, Artur teve um sonho; quem lembra verá que este se ajusta ao que é a posição de Sagitário no Zodíaco de Glastonbury: Artur é ameaçado pelo Escorpião, tirado de sua montaria pelo monstro Leviatã.

Capricórnio

A representação sobre o terreno dos Chifres de Capricórnio é conhecida localmente como o Caixão Dourado. Dizem que este, como dezembro, representa a gelada tumba do ano: o signo de Saturno é Merlin o Druida, o velho Pai do tempo, símbolo da anterior “Idade de Ouro”. Merlin idealizou a Távola Redonda, criou a concepção de Artur, e o recebeu “em sua morte” em sua tumba de dezembro. Mas no Zodíaco a morte não és ó fim: seu chifre único, o que o torna um unicórnio será novamente projetado O-Rei-Sol-que-é-Semente, renovado e brilhante. Recordemos como o Adivinho ensina a Viviane suas fórmulas, e assim lhe dá a possibilidade de encerrá-lo para sempre em um velho carvalho: ele é a cabra, o unicórnio, o cervo branco e será perseguido por todos os príncipes das lendas.

Aquário

Percival, enriquecido por todas as experiências zodiacais na busca do Santo Graal, o perfeito cavalheiro capaz de alcançar a visão de si mesmo, como Galahad era, assim Percival se torna. Seu escudo apresenta um falcão: Aquário é aqui é uma águia retorcida ou Phoenix, símbolo da ressurreição. Aquário é o ponto mais alto do Zodíaco: este sinal “que-poliu-a-si-mesmo” pode escapar da roda do renascimento. Ao fazer isso eles vão renascer em outro nível porque o círculo se torna uma espiral. É a espiral que nos coloca ex aura: a partir do ar, uma expressão que se traduz por “elevar-se acima do padrão.” Se Ganímedes representando Aquarius na mitologia grega, certamente se elevou acima do padrão para voar ao Olimpo a partir do topo do Monte Ida nas asas de uma águia. Assim, o Dédalo alado escapou do labirinto de encarnações terrenas.

Percival, “o que redescobriu o véu”, quando ele começou a se ver como ele realmente era, louco de horror e vagou pela floresta, coberto com cabelos longos como uma floresta selvagem. Mas, finalmente, “fora de perigo” e é levado para o Castelo do Graal (em direção a si mesmo) para o observador comum, mais morto do que vivo. Mas não é levado em direção ao seu antigo eu, mas seu verdadeiro Eu. Percival é “Iniciado”, torna-se consciente de seu passado egoísta e está determinado a redimir seus erros à luz do conhecimento de si mesmo.

Entrar na espiral não é fácil, mas em todas as voltas do Zodíaco prepara-nos um pouco mais. Para não entrar nela, desceremos novamente na água de Peixes onde toda a vida começa.

Peixes

Signo dual sob o Netuno místico simboliza ambos os estados: aqueles que navegam na barca de Salomão (como Galahad e Percival) para maiores esferas de ação, e aqueles que não passam no teste de Aquarius e devem continuar (para voltar). Ninguém cai como caem os piscianos, mas eles são os únicos que estiveram na Colina Tor: só cairá aquele que esteve em um nível superior. E esse passado de grandezas é o que lhes dá o título de fracassados.

É o signo da consciência desperta: o mundo visível nunca será tudo o que tem a possibilidade de ser. E abadia de Glastonbury, a mais misteriosa, o mais sobrenatural de todos os santuários em ruínas, foi construído justo entre a representação dos sinais de Aquário e Peixes: um monumento de dissolução e regeneração de cada vez. Como Ícaro, como Artur e sua Távola Redonda, chegou tão alto que a sua queda foi alta também. Quando se vê o túmulo vazio de Artur e o verde que o cobre, ele aparece como uma promessa para o homem.

Isso nos faz lembrar de outro túmulo vazio: alguns dizem que José de Arimateia chegou em Glastonbury para escapar da perseguição aos judeus, por seu envolvimento na história da Ressurreição. A genealogia celta de José de Arimateia o faz um ascendente de Artur e seus filhos-cavaleiros. E assim a busca do Graal é apresentado como um assunto de família e uma vez que todos nós seguimos buscando a nós mesmos e, em certo sentido, somos todos descendentes desta família, e a busca da consciência é o propósito da evolução.

Esta é a razão de ser do zodíaco. Este é o sentido da magia do mundo antigo: Gilgamesh, Jasão, Perseu, Ulisses, José de Arimateia, todos estes e muitos outros, são os que atravessaram o mundo na nave de Argos ou barca de Salomão.

Este templo das Estrelas de Glastonbury, que não se vê com os olhos, mas ajuda e orienta o espírito, fala essencialmente problemas da natureza humana. Daí a sua importância simbólica.

Departamento de investigação Hesperia

Autor

Revista Esfinge