Baixe o artigo em PDF e leia em seu Smartphone – 02-18

A ÓPERA MISTÉRICA DE WAGNER

A obra de Wagner representa a encarnação da ópera neorromântica, cujo caminho já haviam preparado Weber, Marschner, Spontini e Mayerbeer, entre outros. Mas não devemos nos esquecer de que suas óperas logo se tornaram uma obra de arte de um tipo diferente. Embora Wagner sempre tivesse se considerado um seguidor de Weber e Beethoven, foi um músico de uma categoria distinta de seus predecessores e contemporâneos.

Ele foi um revolucionário que conscientemente se colocou diante do mundo, bem como um político estatal das artes que queria conquistar, e de fato conquistou, no século XIX. Ele colocou a música a serviço do teatro para que os ouvintes de suas obras sofressem uma transmutação alquímica, em que o espectador saísse de forma diferente de quando entrou porque havia se conectado com outras realidades, transmissoras dos mais antigos Mistérios.

 

Wagner, idealista e dramaturgo

 

Wilhelm Richard Wagner nasceu em um país de teatros, em Leipzig, cidade independente do estado da Saxônia, Alemanha, em 22 de Maio de 1813, dentro de uma família de organistas e sacristãos já idosos, elevada a cargos burocráticos médios e atraída por uma vida de celebridade.

Os anos que vão de 1848 a 1852 representam para Wagner uma longa temporada de indigestão espiritual e intelectual. Seu cérebro, demasiado receptivo, absorve mais impressões, de todos os tipos, do que realmente consegue assimilar. Arte e vida, ópera e política o atraíam muito, embora o aturdissem e o confundissem ao mesmo tempo. Novas ideias sobre música e teatro começam a amadurecer em sua mente, mas ele ainda não tem um conceito claro de sua direção.

Todas as suas esperanças desaparecem diante do início da guerra e os rifles prussianos; em 9 de maio, ele precisa fugir. De seu exílio suíço e parisiense ele lança dois tratados: Arte e revolução e A obra de arte do futuro, em que explica suas aspirações idealistas de uma nova Humanidade e uma nova Arte.

Wagner proclama que a arte deve ser a pura expressão da alegria de uma comunidade livre por si só. Deve ser acessível a todos, deixando de lado a necessidade de manter-se por meios comerciais. Ele também elabora a teoria de que a comunidade como um todo cria a grande Arte. A arte pública dos gregos, que atingiu seu auge nas tragédias, era a expressão da mais profunda e nobre consciência do povo… Todas as pessoas eram testemunhas da tragédia grega; mas em nossos orgulhosos teatros só os ricos podem ver as obras. Entre os gregos, a representação de uma tragédia era uma festa religiosa; nos estados modernos é apenas uma diversão. Os gregos eram educados para formar uma totalidade artística entre seu corpo e seu espírito; a nós apenas ensinam a obter lucros na indústria. Para o público grego a arte era realmente Arte; para nós é um ofício artístico. Wagner argumenta que, com os gregos, a obra de arte perfeita – ou seja, o teatro – era a soma e a substância de tudo o que a natureza grega poderia expressar. Com a subsequente decadência da tragédia, a arte estava perdendo cada vez mais seu objetivo de ser a expressão da consciência pública; o teatro foi dividido em suas partes componentes: retórica, escultura, pintura, ópera etc. Então cada parte seguiu seu caminho e sua própria evolução, de maneira autossuficiente, embora também de maneira solitária e egoísta. Perdemos a grande “obra de arte unificada”; somente as artes desmembradas existem atualmente. Se a obra de arte grega compreendesse o espírito de uma bela nação, a obra de arte do futuro deveria compreender o espírito de uma humanidade livre que nada teria a ver com as barreiras das raças. Cada uma das artes separadas anseia por se reunir com as outras: a dança anseia por tornar-se um som para se encontrar novamente e se reconhecer nela; o som, por sua vez, recebe a medula de sua estrutura do ritmo da dança… Mas a carne mais viva do som é a voz humana; a palavra se torna, por assim dizer, o ritmo muscular e ósseo da voz humana. Deste modo, a emoção que transbordou de dança para som, encontra sua definição e sua certeza na palavra graças à qual é capaz de se revelar claramente. A união desses três elementos constitui “a obra de arte unificada”, cuja forma perfeita é o teatro.

Em essência, Wagner tinha um conceito decadente de história, e seu esforço estava voltado para uma regeneração social e histórica que promovesse o retorno a um momento de máxima realização, mas com procedimentos contemporâneos ao alcance. Daí a aura religiosa, iniciática e cerimonial da obra wagneriana, que tantas antipatias e rejeições mais ou menos racionalizadas provocaram, desde o agnóstico Nietzsche até os nossos dias.

 

Obra filosófica e mística

 

Nos mitos das obras de Wagner estão incluídos os mais valiosos tesouros da filosofia tradicional. Não em vão, a vocação original do futuro criador do drama lírico foi literária, e não musical.

Wagner recebeu uma forte influência das filosofias orientais, especialmente budista e bramânica, que começavam a ser conhecidas na Europa. Este fato foi reforçado após sua descoberta da filosofia da Schopenhauer, igualmente imbuída de conceitos orientais. Impulsionado pelo fascínio que o budismo exercia sobre ele, irá até esboçar um drama de inspiração e tema budistas. No entanto, o projeto não passou de um simples e breve esboço.

 

O teatro de Bayreuth

 

O sonho de Wagner de erguer um teatro para representar suas obras foi viabilizado pelo rei Ludwig II da Baviera, admirador e patrocinador do músico, que financiou a construção do teatro e de Wahnfried, a vila que foi o primeiro e único lar que Wagner pôde chamar de seu. Em Wahnfried, cuja tradução seria “Paz da ilusão”, ele encontrou descanso para sua longa peregrinação e suas loucas ilusões. Lá ele tem o seu próprio teatro e o inaugura, contra todas as probabilidades, em 1876, com a estreia mundial de sua tetralogia Der Ring des Nibelungen, diante do Imperador Guilherme II.

O enorme sucesso artístico e a ressonância mundial alcançados coincidiram, no entanto, com um resultado financeiro quase catastrófico, razão pela qual a tetralogia não voltou a ser encenada em Bayreuth até o ano de 1896. Seis anos mais tarde, as portas do teatro se abriram para a representação do último trabalho de Wagner, Parsifal. No legado testamentário do autor, a exclusividade desta ópera foi confiada ao teatro de Bayreuth por um período de 30 anos. Isso criou uma moda cultural, a peregrinação a Bayreuth para ouvir Parsifal, que não era representada em outros lugares. Parsifal foi composta e oficializada como o último códice sagrado da nova revelação. Por essa razão, Wagner quis assegurar que fosse representada apenas em sua Festspielhaus mas, contra sua vontade, as leis convencionais da propriedade a tornaram domínio público a partir de 1914.

Quanto aos detalhes do edifício do teatro de Bayreuth, o palco é muito maior do que a parte dedicada ao público. A razão está na grande quantidade de objetos cênicos necessários para criar os efeitos maravilhosos e sobrenaturais do teatro wagneriano. A orquestra ocupa um plano mais baixo do que o público, com o duplo objetivo de não distrair a concentração do público nos eventos cênicos e ao mesmo tempo tornar o som da orquestra mais envolvente e timbricamente pouco brilhante, de modo que não cubra a voz dos cantores. Os cenários tinham que ser adornados com as cores frescas da natureza, com as luzes quentes do éter. Nas primeiras apresentações e no final da ópera aparecia, no palco, o próprio Wagner, agradecendo a todos os entusiastas que tornaram possível o cumprimento do trabalho árduo e colossal.

Wagner reivindicou a condição sagrada da Arte, resgatando os ensinamentos mal compreendidos da lenda e do mito e colocando-os a serviço de seus dramas musicais, que são uma introdução aos Mistérios Iniciáticos menores, semelhantes aos representados na Antiguidade. De suas grandes obras (Rienzi, Tannhäuser, Lohengrin, Tristão e Isolda, a tetralogia do Anel do Nibelungo, Parsifal), podemos aprender lições sobre o dilúvio de civilizações perdidas como Atlântida, o problema do destino humano, Magia, Evolução, a Iniciação… Enfim, todo o gigantesco Arquivo da Ciência Tradicional. Richard Wagner foi, sem dúvida, um grande arquiteto da mais pura Arte, consagrada no Templo de Bayreuth.

 

Antonia de la Torre

Autor

Hinaldo Breguez