Uma máxima de ouro da física afirma: tudo que cabe em nossa imaginação pode ser verdade. A Física quântica pressupõe uma verdadeira viagem libertadora. Graças à abstração matemática começaram a estudar movimentos de quantidades impossíveis de visualizar, o mundo das subpartículas atômicas, e a extrair leis matemáticas que com o passar do tempo, e graças a tecnologia da Física experimental, demonstraram ser corretas. Há aqui, como diriam os cientistas do gabarito de Albert Einstein ou Paul Dirac, que nossa mente é capaz de extrair leis adaptadas a realidade sem necessidade de procedimentos empíricos, por um processo de indução. Eles supõem a existência de uma ordem, uma proporção, uma harmonia reduzida a números na Natureza e no homem que permite que nossos pensamentos e raciocínios projetem essa ordem através da linguagem universal das matemáticas.
A mente do matemático se conecta com a dita realidade, mas as Leis da Natureza, reduzidas a entidades matemáticas, têm uma existência independente da nossa ou em outras palavras, a tradução desse mundo matemático (as notas, como diria Galileu, com que Deus compôs a sinfonia universal) levada em consideração pelos cientistas através dos sistemas da lógica, se mostram em ocasiões, contraditórias. Isto se observa nos frequentes paradoxos que ocorrem ao tentar explicar com uma linguagem macroscópica o mundo do microscópico. Em Matemática se conhece como o princípio da incompletude de Gödel e na Física como o princípio da incerteza de Heisenberg (*).
A mecânica quântica se impôs como resultado de um bom número de experimentos que demonstraram a ineficácia da mecânica clássica. Por exemplo, para a física clássica, os elétrons (com carga negativa) giram ao redor do núcleo (com carga positiva), contudo, a física clássica descreve o elétron irradiando energia em forma de ondas eletromagnéticas. Deste modo os elétrons terminariam esgotando sua energia e cairiam em espiral no núcleo, colapsando o átomo. A realidade não se comporta assim. A matéria não se autodestrói. Outra das aparentes contradições foi o comportamento dual da luz, às vezes como onda, por exemplo quando fazemos incidir um feixe de luz através de uma fresta produzindo-se fenômenos de difração, e as vezes como corpúsculo, como no caso do fenômeno fotoelétrico, onde a luz se comporta como um jato de partículas. Daqui se deduziu que todo objeto tem uma onda associada, e, portanto que todo objeto físico é uma vibração de energia no espaço-tempo.
Foi no primeiro quarto do século XX, a idade de ouro da mecânica quântica, quando se assentaram as bases da chamada interpretação de Copenhague. Ali confluíram defensores da causalidade como Einstein, para quem o átomo era um microcosmos perfeitamente ordenado, e Heisenberg, com seu princípio da incerteza, que mostra que não podemos observar algo sem afetá-lo. Um fóton que temos feito interagir com um observável(**) para localizar sua posição ou desvio, e a informação que o fóton nos devolve é incompleta. Isto estabelece íntima conexão entre o observador e o observável, de forma que o sistema de estudo não é um ente isolado. Não podemos conhecer o presente em todos os seus detalhes. O observador, ao realizar as medições interage com o sistema, modificando-o. O investigador forma parte do experimento. Quem investiga a quem? Ao interpretar, tomamos partido.
Para unificar a causalidade com a incerteza, Schröndiger propôs estudar o comportamento da partícula como uma onda estacionária, associando a ela uma função matemática que definia a probabilidade de que dita partícula tivesse uma determinada velocidade ou posição em uma região do espaço chamada orbital (***).
Infinitas realidades simultâneas
Existem variáveis ocultas na natureza do experimento com as quais não contamos e nos impedem de descobrir a realidade? A física atômica nos fala de infinitas possibilidades simultâneas. Uma partícula que se desloca de um ponto a outro poderia fazê-lo seguindo diferentes trajetórias, uma senoide, uma espiral ou uma linha reta. Até aqui seguimos um comportamento lógico conhecido pela física macroscópica, mas segundo os últimos descobrimentos da física quântica, a partícula poderia deslocar-se não seguindo um caminho único, senão todos de uma vez, varrendo todo o espaço e abrindo o simples conceito da probabilidade de infinitas realidades simultaneamente.
Em troca, para físicos como Bohm o azar é um paradoxo ridículo e a indeterminação quântica é um sinal de nossa ignorância quando interpretamos as funções quânticas, ainda que as operações matemáticas sejam corretas. O problema surge quando fazemos a maquete da realidade, ao interpretar com as leis do macrocosmo ou microcosmo. Poincaré, o grande matemático francês, dizia que uma causa pequena que escapa ao nosso controle produz um efeito que afirmamos dever-se ao azar. Os Atractores(***) de Lorenz predizem que o voo de uma borboleta pode desencadear furacões, referindo-se a grande quantidade de variáveis que intervém em um fenômeno desconhecido e que escapam de nossos meios limitados.
Todo sucesso subatômico está marcado pela aniquilação de partículas iniciais e a criação de outras novas. Isso se considera hoje em dia graças a esses aceleradores de partículas de centenas de metros de diâmetro que operam mediante campos eletromagnéticos projetando as partículas a velocidades próximas a da luz e fazendo-as colidir.
Nosso Universo é de matéria. A antimatéria existe quando se localiza nos aceleradores de partículas, mas sua duração é instantânea, quase virtual. Existem Universos de antimatéria? A probabilidade é a mesma que a da existência dos Universos de matéria, mas nossa vida parece confinada pela matéria. Hoje se especula sobre esses primeiros momentos do Universo, como dois irmãos gêmeos, matéria-antimatéria seguiram dois caminhos distintos para nunca voltarem a se encontrar, pois seu choque produz a aniquilação. Nosso microcosmo é dual. A antiga doutrina do yin-yang não nos recorda isto?
Se aprofundar mais nos diagramas de Feynman se observa que toda antipartícula parece ser uma partícula que viaja para trás no tempo. Há aqui a adição de um novo paradoxo. Que os fenômenos evoluem no tempo do passado ao futuro se deve talvez a meios que só nos permitem ver uma estreita faixa da realidade. Mas a nível subatômico perde significado o conceito de fluxo direto do tempo. Um processo que nós observamos cotidianamente até o futuro poderia ter sua causa no futuro e vir até o passado. A dança das partículas poderia ser um desfile ilusório do movimento através do tempo, do passado ao futuro e do futuro ao passado. O Universo parece ser uma constante criação-aniquilação, onde o tempo como “dimensão-relógio” que estamos habituados deixa de existir e se converte em uma dimensão flexível, elástica, plástica, maleável.
O vazio é forma, a forma é vazio (Princípio taoísta)
De acordo com as teorias das partículas elementais, o vazio não existe, é um grande fervedouro de partículas elementais (não manifestadas). Por exemplo, os elétrons criam continuamente fótons que eles mesmos reabsorvem para voltar a seu estado fundamental. O mecanismo é perfeito; o elétron que passa de um estado mais energético a outro mais baixo fornece energia a um de seus fótons virtuais, que é liberado. Esse fóton já é real e cooperará para excitar qualquer outro elétron. Este tipo de processo proporciona as ligações que mantêm unida toda a matéria.
Suponhamos dois fótons que partem de uma mesma fonte em sentidos opostos. Desconhecemos a direção espacial de sua orientação (propriedades das partículas conhecidas como spin), mas experimentalmente comprovamos que o que faremos sobre um fóton afetará instantaneamente ao outro. Destes experimentos surge uma visão no local do mundo, um Universo intimamente relacionado, um conceito universalista do mundo, uma transmissão de informação entre os fótons mais rápidas que os limites impostos em nosso mundo (a velocidade da luz). Conhecido como teorema de Bell, conclui que as partes separadas do mundo estão conectadas de maneira direta e íntima.(*****)
Fisicamente se diria que as funções da onda que representam os objetos separados permanecem em correlação desde sempre. Se o Universo está em evolução, todo ele está correlacionado desde o princípio. É a eterna questão, a busca da unidade na diversidade, o velho sonho dos alquimistas. Hoje se busca essa unificação na construção de uma teoria matemática que considere as quatro forças fundamentais da Natureza (nuclear forte, nuclear fraca, eletromagnetismo e gravidade) como um todo, como uma única força. O problema aparece ao tentar unificar a mecânica quântica (que associa as três forças: fraca, forte e eletromagnética) com a gravidade. Movem-se em dimensões diferentes, umas no microscópico e a outra no macroscópico. Ainda que aparentemente a gravitação seja a força que une os mundos, é a mais frágil de todas. O que ocorre é um problema de relatividades e a grandes distâncias é a que mais se aprecia por ser a que manipula corpos de grande envergadura, como os astros.
Teoria dos mundos paralelos
Hoje, através de novas teorias, como a das supercordas, se unificam as partículas constituintes do átomo como são os quarks, com as partículas que constituíram a força da gravidade, como são as cordas. Ambas permaneciam unidas nos primeiros tempos da formação do Universo, conhecido hoje como Big Bang, e se assemelhavam em sua estrutura mais íntima a uma espécie de pontos vibratórios. Seus escorços e giros, dizem os matemáticos, têm dado a nosso Universo 10 dimensões, as três do espaço, a dimensão do tempo e seis ainda não vistas.
Há outras interpretações da Mecânica quântica que postulam a existência de outros mundos, separados de nossa realidade pelo espaço-tempo, paralelos ao nosso tempo, mas desconhecidos por nós. Este ponto de vista considera que ao realizar um ato qualquer selecionamos uma das possíveis alternativas e rompemos com todas as outras, que continuam latentes em sua viagem pelo espaço. Nossa microrrealidade é uma alternativa ligada ao observador, mas existem outras.
Isto traz consigo reminiscências de antigas doutrinas filosóficas que nos ensinam que a forma de manifestação da verdade é múltipla e variada, e tudo se vê em função da cor do cristal com que se olha.
Dizer que a existência de Universos paralelos é ilógica porque não podemos observá-los é como rebater que a Terra não gira sobre si mesma porque não notamos a rotação. Se fazemos uso da relatividade geral, todos os sistemas de coordenadas estão igualmente justificados, isto é, não há privilégios na maneira em que se nos apresenta a realidade. Todo o possível ocorre em algum ramo das realidades. Para chegar a outras possíveis realidades devemos nos deslocar para trás no tempo e para adiante em um novo ramo.
(*) Princípio da incerteza de Heisenberg é num enunciado da mecânica quântica, onde existem restrições à precisão com que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares de observáveis em nível subatômico.
(**) Na mecânica quântica, desenvolvida por Heisenberg, uma propriedade leva o nome de observável.
(***) O orbital é uma região do espaço onde existe uma alta probabilidade de encontrar a partícula ou de definir sua velocidade.
(****) O Atractor de Lorenz foi introduzido por Edward Lorenz e consiste em rolos de convecção que ocorrem nas equações da atmosfera, cuja forma é conhecida por se assemelhar a uma borboleta.
(*****) Entrelaçamento quântico.
José Escorihuela