A representação da Mãe Escura e da Lua Negra passou psicologicamente a assumir as características do incontrolável, o desconhecido e portanto o que contém e mantém a maior parte de nossos temores e de nossos impedimentos. No nível social representam muitas vezes aspectos da Natureza e dos seres que se consideram contrários à ordem dominante e que atentam contra esta ordem.

O abismo onde se oculta a Mãe Escura representa nos seres humanos o inconsciente, com todas suas facetas e possibilidades. Os conteúdos que foram rechaçados e deslocados da consciência por serem incompatíveis com a própria imagem, com o que se espera de si mesmo e com o que os demais esperam. Assim como aspectos pessoais que se consideram desfavoráveis ou não valorizados, considerados ou desejados por outros. Porém também estão aqui as qualidades nunca desenvolvidas e as potencialidades desconhecidas que não puderam expressar-se ou manifestar-se. Jung chamou a esta parte da personalidade a sombra, que se em um certo nível pode coincidir com o inconsciente freudiano, o ultrapassa amplamente, já que é tanto caudal de energia como o que chamamos “bom” e “mau” em nós mesmos.

No nível social, este abismo onde se oculta a Deusa Escura significa o desterro da consciência social. O que indica que a Deusa pode ter um significado coletivo e também em outro sentido representar o inferno, o mundo subterrâneo, o berço dos mares. Onde quer que ela seja situada, segue de algum modo existindo e esperando uma nova oportunidade de manifestação.

Como já foi assinalado, muitas deusas foram representadas em suas duas facetas: luminosa e sombria. Como as duas cópias idênticas de Artemisa de Éfeso, uma em branco e outra em negro, acolhendo toda a Natureza. Temos imagens negras de Demeter ( que em sua versão escura deixou o mundo árido quando perdeu a sua filha, por sua vez Rainha dos mortos). Kali, mãe terrível, tempo (kala) que tudo devora, e que de certo modo pode considerar-se como um aspecto de Parvati, a contraparte de Shiva, é negra. Todas são expressões do poder do aspecto feminino da criação e o aspecto destruição, morte e regeneração da Natureza.

Há imagens negras de Ísis, que também tem uma contraparte em sua irmã Néftis, o rosto eternamente escuro da Lua. Há também Ereshkigal, Hécate, Lilith, que são negras, claramente infernais. A primeira é também irmã e contraparte de Inanna, vive no Kur, o imenso desconhecido. Está perpetuamente só, ansiosa e insaciável, sente-se abandonada e cheia de fúria.

Ereshkigal foi deusa da fertilidade na terra e esposa do Grande Touro do céu, assim como Hécate foi também, antes de Hesíodo, uma deusa terrena. Hécate resume a concepção humana dos terrores das trevas, dos desvarios do irracional, os pesadelos, os terrores noturnos. Porém também abarca a consciência amplificada, a visão profética e o conhecimento profundo dos acontecimentos. Psicologicamente se move entre o impulsivo e o intuitivo. É a faceta impulsiva de Lilith, a rebeldia indomável, que fez com que fosse socialmente indesejável para a tradição patriarcal judaica. Foi representada como possuidora de uma sexualidade desenfreada, por isso na tradição judaico-cristã foi julgada inimiga do matrimônio e dos filhos, na Idade Média foi considerada como um súcubo, demônio feminino que se dirigia à noite ao leito dos homens.

Praticamente todas as tradições conheceram e cultuaram as deusas escuras. Todas, incluindo os exemplos apresentados, mostram diferentes níveis de leitura, ainda que algumas de suas peculiaridades mais destacadas sejam as que as caracterizaram para a posteridade. O certo é que nas deusas escuras palpitou sempre um fator de renovação e de transformação.

Autor

Revista Esfinge