Por Jorge Ángel Livraga

Mais objetivo do que todas as teorias teológicas e científicas é o fato de o Homem, desde suas origens muito remotas, considerar a si mesmo e seu ambiente material como algo efêmero, mutável e passageiro. A mutação dos seres e das coisas forneceu-lhe a evidência de que a morte acompanhava inexoravelmente todo nascimento, mas também que tudo isso deveria ter uma justificativa, um sentido, uma razão.

Ele viu que os rebanhos caminhavam em busca de água e comida; os riachos em busca do mar; o fogo subia inexoravelmente ao céu. E de todas essas coisas ele deduziu (ou vozes misteriosas ditaram em seu ouvido) que ele e todos os seres vivos também se dirigiam para algum lugar além das imediações. Milhões de anos antes de Aristóteles, nasceu a Metafísica.

Com os ensinamentos dos seus guias espirituais e a observação dos ciclos que se manifestavam na Natureza, o Homem tinha a certeza de que nada desapareceria total e definitivamente, que tudo voltaria e renasceria. Assim, passou a considerar seu corpo como sua moradia: uma habitação temporária que seria substituída por outra quando, por velhice ou destruição, não lhe servisse mais. Ele descobriu sua própria imortalidade e sua presença renovada no cenário mundial. Além disso, que o lugar dos vivos e dos mortos eram separados por uma parede muito fina, através da qual se podia ouvir e até ver.

Um Universo insubstancial, mas tremendamente real, abriu-se diante de seus sentidos e de sua inteligência. E junto aos utensílios de lavoura esculpiu amuletos e ergueu altares que, como degraus mágicos, lhe permitiam olhar para aquele Homem Interior que estava além do sofrimento e do prazer, num mundo onde os rebanhos de animais eram imensos e a caça não era permitida, onde as árvores nunca caíram… Atrás do céu planetário em mudança ele descobriu as estrelas. Os elementos duradouros tornaram-se evidentes para ele. Unindo uns a outros, concebeu as primeiras figuras geométricas, puras e estáveis; ele intuiu os Arquétipos, que não estavam sujeitos ao tempo e que dominavam o espaço.

Encontrou-se entre um mundo terrestre e um mundo celestial, subindo e descendo de um para o outro, atravessando a ponte invisível das reencarnações que, em quase todos os casos, associava ao arco-íris e suas sete cores.

Admirou as feras que podiam respirar debaixo d’água, as que voavam mais alto que as montanhas e as árvores que mantinham os selos pessoais de seus avós mortos em suas cascas. Meditou sobre a vontade rugida pelas pedras que caem do penhasco e sobre o surgimento silencioso de um milagre verde em cada semente enterrada, e associou este último à fecundação das mulheres e à esperança renovada dos filhos.

Quando tinha que dar uma forma definitiva à sua casa, colocava nela uma ou mais colunas que só precisava cortar na floresta, pois eram troncos de árvores. Os animais caçados lhe forneceram não apenas comida, mas peles e couros para mantê-lo aquecido e tornar a caminhada menos dolorosa. Das rochas e das montanhas extraiu o material para as pontas de suas armas, e os instrumentos com os quais poderia moldar as coisas de maneira útil. Com espinhas de peixe ele fez anzóis que lhe dariam novos peixes. As estrelas fixas permitiram que ele se orientasse à noite e ele pôde retornar alegremente ao seu grupo familiar. Aquecendo ao fogo certas pedras, destas emanou um líquido incandescente que, uma vez endurecido e depositado em recipientes de barro, permitiu ao Homem descobrir a metalurgia, centenas de milhares de anos antes do que acreditam os atuais especialistas – os da mesma “raça” daqueles que, em congressos científicos do século passado, afirmaram que a caverna de Altamira havia sido pintada por um francês.

Ele entendia que era algo mais do que seu corpo e, portanto, quando este morria, ele o destruía, seja por fogo ou enterro, amarrado em forma de múmia ou ritualmente desmembrado. Era a confirmação do conhecimento esotérico de sua própria sobrevivência e até de sua libertação do mais pesado e irritante de seus veículos. A lei dos ciclos o faria retornar à Terra; mas, entretanto, preferiu ignorar ou deixar esse conhecimento para os mais fortes espiritualmente: seus sacerdotes, magos e reis-iniciados. E assim, conforme os tempos, os respectivos aspectos “exotéricos” e “esotéricos” foram separados e unidos.

Mas todos concordaram em algo… Em algo tão óbvio que só os muito tolos, no momento mais tolo da história, poderiam negar: A PRESENÇA DE DEUS. Pois bem, aquilo que chamamos presença, era imanente em todas as coisas e em todos os seres. Na verdade, o Homem atingiu a sua verdadeira diferenciação do animal quando teve a certeza da existência de Deus, misteriosamente inserido na sua própria participação na Divindade-Natureza. Para nossos ancestrais não havia dicotomia ou contradição entre a Alma e o corpo. Tudo era um e ao mesmo tempo múltiplo, infinitamente rico em nuances, características e tamanhos.

Assim como ao visualizarmos uma mão diremos que é “una”, e se considerarmos os dedos diremos que são “cinco”, a percepção do um e do múltiplo depende do critério com o qual é contemplado. O homem foi o receptáculo de uma instrução que lhe permitiu perceber a unidade e a multiplicidade, o destino e a liberdade, a obediência e a criação.

Hoje, no final deste conturbado século 20, que teve a virtude de nos ensinar que sabemos muito pouco e que muitas vezes erramos, as afirmações “positivas” do século 19, suas superstições “científicas” e seu ateísmo parece cômico para nós, para não mencionar simiesco. Talvez a única evidência, tanto para os instruídos quanto para os ignorantes, seja aquele “Algo” que chamamos de Deus e que deu às coisas uma vontade de perseverar, amor pelos seres e um planejamento prodigiosamente inteligente para os corpos e a vida, em todas as coisas.

O “acaso” jamais poderia pintar olhos de coruja nas asas de mariposas noturnas para afugentar seus inimigos, diagramar a válvula dupla de entrada e saída de um coração, ou programar a manutenção de “microclimas” em cavernas por meio de alterações na temperatura e ajuste das concentrações de certos gases em suspensão no ar. Esse “algo” garantiu que as bactérias anaeróbicas pudessem sobreviver sem ar e pela precessão dos equinócios. Forneceu as inteligências coletivas que governam os rebanhos (as “almas de grupo” dos esotéricos) e os escudos invisíveis que protegem a superfície do planeta da radioatividade cósmica. Dos raios perigosos extraiu o ozônio benéfico, e das ondas terríveis que batem nas falésias, os indispensáveis ​​íons negativos. Há tantas e tantas dessas manifestações…, mas atrás, à frente e nelas está A PRESENÇA DE DEUS.

Por que então existem tantos ateus?

Na verdade, não há tantos ateus quanto se acredita. Assim como não podemos supor que todos os habitantes de um país “oficialmente” católico vão à missa semanalmente e acreditem verdadeiramente no Céu e no Inferno, como os Evangelhos e o Apocalipse os pintam, ou na infalibilidade do Papa, também não devemos aceitar que é certo que todos os milhões de habitantes da URSS, por exemplo, são ateus.

Por outro lado, não ser um “praticante” estrito de uma determinada religião não significa não acreditar, sentir e compreender aquela presença que chamamos de Deus. É bom refletir sobre isso, porque há muitas pessoas que acreditam em Deus e rezam com seu trabalho, com a retidão moral de suas vidas, com sua honestidade e generosidade… E acreditam fervorosamente que existe um “além” e um “Algo” que justifica todos os seus esforços e a própria marcha da Galáxia.

Se existe apenas um Deus, por que existem tantas religiões?

A exigência de um “comunismo espiritual” é a mais perigosa. Assim como um único golpe move várias bolas de bilhar, sua única presença, sendo tão diversificada e afetando tantos seres diferentes, dá origem a várias formas religiosas que são muito diferentes na superfície ritualística, mas muito semelhantes – se não idênticas – em sua essência.

Além disso, tempos e lugares diferentes geraram diversos simbolismos teológicos. A presença de Deus não poderia se manifestar da mesma forma na Suméria há 5.000 anos atrás como na Índia há 2.500 anos, ou na Arábia há 1.300 anos. As diferenças geopolíticas, econômicas e sociais não permitiriam uma única expressão.

Por outro lado, depende de quem está recebendo uma determinada instrução. Diz-se que Gêngis Khan, no século XIII, surpreendeu seu conselheiro muçulmano quando, tendo perguntado se Alá estava em todas as coisas, não via razão para saudar Meca e o conselheiro não foi hábil, pois poderia ter explicado que quando os muçulmanos se dirigem à Meca, fazem-no não só por Deus, mas pelo acontecimento histórico-mítico relacionado com Maomé.

Acreditar que só existe uma religião verdadeira fez rios de sangue correrem no pior dos “racismos”: o espiritual. Todas elas são verdadeiras em um determinado lugar e em um determinado momento histórico. Aqueles que muitas vezes não são verdadeiros são os Homens, que sob as copas das religiões se aproveitam para forçar os outros a seguirem seus conceitos políticos, sociais e econômicos. Eles os exploram e os degradam, enganando-os.

As seitas “esotéricas” são a melhor religião?

Obviamente não. Primeiro, porque essas seitas são geralmente religiões simples “feitas à mão”, mais ou menos apoiadas por uma maior; e assim se fala de “Cristianismo Esotérico” ou “Hare Krishna”. Segundo, porque não têm nada de “esotérico”… São apenas conjuntos diferentes de alienações e pedaços de tradições mal compiladas.

Sem Filosofia, isto é, sem Amor à Verdade, não há mística que não esmague uns para exaltar outros e que não seja antinatural.

O estudo da História da Humanidade nos permite o ecletismo de ver a fé em Apolo-Hélios tão válida quanto em “Pai Nosso que está nos céus”. E respeitar filosoficamente o caminho que cada um acredita e sente ser o melhor, além do batismo que um recém-nascido pode ter recebido da boa vontade dos pais, ou simplesmente da moda e costume familiar.

A luz da Filosofia nos permite distinguir as muitas cores e formas, e descobrir nelas, assim como em todo o Universo, a PRESENÇA DE DEUS.

Autor

Revista Esfinge