No relato bíblico todo mundo utilizava uma mesma língua e mesmas palavras. Quando os homens se deslocaram até o Oriente, encontraram um vale no país de Sinear e ali se estabeleceram. Disseram uns aos outros:

“Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até aos céus, e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam, e disse: eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isso é apenas o começo: agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos, e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte o Senhor o dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali os dispersou por toda a superfície dela.”

Gênesis, XI, 1-9

A lenda da confusão das línguas

A lenda da confusão das línguas tem uma origem etimológica. O relator bíblico, que escreveu possivelmente em tempos de cativeiro dos israelitas na Babilônia, interpreta a palavra Babel no mesmo sentido de “confusão”; nesse caso, confusão de línguas. Do mesmo modo, os gregos, que não compreendiam a linguagem dos estrangeiros e nem dos persas, adotaram mais tarde o costume de designá-los com o nome pejorativo de “bárbaros”. A repetição da sílaba “ba” simboliza a desorganização aparente dos dialetos não-gregos, quaisquer que fossem, com respeito à rigorosa organização da língua de Homero. Mesmo em nossos dias, a linguagem abundante e confusa das crianças se denomina “balbucio”.

Mas a lenda do castigo divino da diversificação das línguas é parte da nostalgia de uma época de ouro, onde todos falavam uma linguagem comum que assegurava a paz e compreensão.

Este sonho se revela em um relato cristão da glossolalia e de Pentecostes, onde São Paulo atribui aos primeiros cristãos a faculdade de expressar-se em uma língua distinta da que falavam comumente sob o efeito de um transe místico, e os Atos dos Apóstolos evocam o milagre da vinda do Espírito Santo em forma de línguas de fogo, que dão aos discípulos de Cristo o dom de expressar-se em línguas de outro modo desconhecidas por eles.

Babilônia: a cidade das oito torres

Quando Heródoto visitou a Babilônia, em 460 a.C., ficou impressionado com as imponentes ruínas do zigurate, com suas oito torres, construídas originalmente uma sobre a outra, que dominava a cidade.

Ele conta que: “[…] ao redor, ao longo das rampas de subida, havia lugares para descansar, enquanto que a última torre tinha em sua sede um magnífico templo, com uma sala na qual havia um enorme leito ricamente decorado […], mais abaixo, outro templo custodiava uma estátua de Zeus e diversos móveis, todos de ouro”.

Mas, lamentavelmente, dessa magnífica obra não restou nada. O zigurate da Babilônia foi destruído por Xerxes em 478 a.C., e se reduziu a um imenso amontoado de ruínas que Alexandre Magno, depois da sua conquista da Babilônia em 331 a.C., ordenou que o limpassem para que pudessem reconstruí-lo muito mais belo e esplêndido que antes. Mas isso nunca foi possível, e a bíblica, a “Torre de Babel”, identificou-se com o bem conservado zigurate de Agar-Guf (a velha Dur-Kurigalzu, fundada pelo rei cassita Kurigalzu, por volta de 1390 a.C.) e com outros locais próximos. Somente graças a uma extensa e minuciosa exploração arqueológica foi possível localizar a Babilônia na grande extensão das ruínas que se encontra perto do curso do Eufrates, a aproximadamente 60 quilômetros de Bagdá.

Em 1913, o arqueólogo alemão Robert Koldewey descobriu finalmente a localização da torre. Essa construção se chama “Etemenanki”, que significa “a mansão do alto entre o Céu e a Terra”.

Uma inscrição que data do tempo de Nabopolasar diz assim: “Marduk (o grande deus da Babilônia) me ordenou colocar solidamente as bases no mundo subterrâneo e fazer que sua cúspide chegue até o Céu”. O “Etemenanki” assegurava o vínculo entre o mundo dos deuses e o mundo dos homens.

Estava instalado em uma área chamada Esagila e é provável que a primeira fundação do zigurate fosse da época da I Dinastia da Babilônia, pouco depois de 1900 a.C., enquanto que o edifício mais recente foi construído no século VII a.C. e terminado pelo grande construtor da cidade, Nabucodonosor II, a quem se deve a construção do santuário elevado sobre uma plataforma da torre.

Não tendo restado nada deste maravilhoso edifício, as tentativas de reconstrução se basearam nas descrições feitas pelos autores clássicos e nas escassas observações que foram possíveis ser feitas sobre o terreno. Portanto, somente podem ser descritas com certeza algumas de suas características, tais como a medida da base, de 91 metros de lado, e que apresentava uma grande escada central; e a escada, perpendicular ao muro e apontando para o lado que se encontrava o templo de Marduk, que levava diretamente do nível do solo para o segundo andar. É provável que os andares fossem no total apenas sete e que o que Heródoto considerava o oitavo fosse o santuário levantado no topo do edifício.

A semelhança do observado no zigurate de Ur é possível, coincidindo com o descrito por Heródoto, que em cada andar houvesse árvores ou plantas para que fosse mais agradável ou descanso nos lugares definidos para isso.

No topo, onde estava o santuário, foi localizado o salão ricamente decorado onde acontecia o ato final das cerimônias de celebração da Festa de Ano Novo, quando era realizada a consumação do matrimônio sagrado, cujo objetivo era garantir a prosperidade e a fertilidade da população e do território no começo do novo ano agrícola.

Segundo outras descrições, a decoração deste último andar foi feita de tijolos de esmalte azul brilhante, a saber, ornamentada da cor do céu.

Por último, e retornando ao relato bíblico de cuja possível interpretação podemos inferir como o orgulho do homem foi castigado por Deus, podemos atualizar o relato e situá-lo no mundo atual, onde a ambição material, o egoísmo e fundamentalmente o esquecimento de nossas origens mergulhou-nos na solidão e isolamento.

O reencontro com nossa própria essência e a unidade espiritual pode liberar-nos da Torre de Babel na qual nos encontramos e acabar com a falta de entendimento entre os seres humanos.

Isabel Suita

Autor

Editor Revista Esfinge