Quando começamos a andar pela vida, todos nos sentimos inquietos ante este nosso mundo sem princípios e sem fins, como um trem correndo desgovernado sem saber de qual estação partiu, nem em qual deverá chegar; um trem sem condutores; um trem que não se detém, embora também não se saibae se irá pararrá sózinhosozinho ou se descarrilará em alguma curva do caminho.

Para além da metáfora, ou melhor, trazendo-o a realidade, nos encontramos dentro deste trem numa louca corrida, aonde vão todos. Se nos exigem mais, então nós também queremos mais.

Para sermos aceitos no trem, temos que ter coisas, muitas coisas, cada vez mais coisas, as coisas que valorizam os que viajam e que equivalem a poder, prestígio, riqueza. Hoje, ao ler velhos contos, acabamos rindo das artimanhas que realizavam os povos da antiguidade e nos divertimos ao comprovar a quantidade de objetos, hoje inúteis, que naquela época tinham um valor incalculável, tanto para fazer felizes a uns e infelizes a outros, para converter alguns em chefes e outros em subordinados. Variando o objeto, a situação continua sendo a mesma. Para poder sobressair tem que possuir cada vez mais coisas.

Portanto, todos querem mais.

Queremos reunir aquilo que nos engrandece frente aos demais, o que nos permite estar àa altura dos que pedem, dos que já tem o que os demais ainda têm que alcançar.

Tudo se torna pouco nesta competição, enquanto o trem segue sua trajetória indefinida. Nada é suficiente, pois assim que alcançamos um objetivo, devemos passar a uma nova etapa que está mais acima. O que parecia ser o ápice de nossas aspirações e o objetivo de nossos esforços se torna nada quando o alcançamos. Então, o que conseguimos perde o brilho uma vez que no trem existem pessoas que têm as mesmas coisas que nós, e muito mais. Assim, o passo seguinte é conquistar ainda mais para nos equipararmos àqueles que nos superam.

Se tivermos uma casa, logo ela se torna pequena, às vezes porque é pequena mesmo, mas na maioria das vezes, porque a enchemos de trastes desnecessários ou porque possui alguns metros quadrados a menos que a do vizinho. Se não podemos comprar uma casa maior, isto é, indubitavelmente, falta de “status”.

Se trabalharmos em algo discreto, seja onde for, e se o dinheiro que ganhamos no início era suficiente para cobrir nossas necessidades, não demora muito para descobrirmos que este dinheiro já não nos serve para nada. Além da margem de inflação que assola todos os países do mundo e que diminui o valor de nossas moedas, há outra realidade física e psicológica: quanto mais temos mais gastamos, e quanto mais gastamos, mais falta nos faz o dinheiro.

A vida nos oferece a oportunidade de encontrar uma pessoa digna de nosso amor.

Pois bem, as virtudes desta pessoa diminuem quando entramos no jogo das comparações e, salvo as exceções lógicas, nada mais em voga que cobiçar a mulher – ou o homem – do próximo… que deixará de ser desejável assim que se tenha obtido e comprovado que se pode obter algo mais notável ainda.

O tempo não nos é suficiente, nos sufoca a falta de tempo, queremos mais tempo. Lutamos desesperadamente para termos umas horas a mais ao dia; um dia livre a mais na semana, ou uma semana a mais nas férias anuais. Conseguido o troféu, chegamos a triste conclusão de que não sabemos como empregar esse tempo livre e o desperdiçamos em vão buscando “distrações” que nos entorpecem e nos faz esquecer que o temos.

Porque ocorre esta sede insaciável, esta corrida desenfreada e sem sentido aparente?

Mesmo que às vezes possa parecer que os humanos agem sem pensar, o certo é que obedecemos a determinadas leis da Natureza, mas por estarmos adormecidos pela ignorância ou desfocados por falta de evolução, respondemos a estas leis de forma instintiva, desvirtuada, mal canalizada.

De verdade, Queremos o que nos convém?

Sabemos que todos os seres vivos seguem uma Lei Natural de desenvolvimento que se manifesta com crescimento, expansão, abertura, elevação e várias outras características de acordo com os casos. Os homens não estão fora desta Lei. Pelo contrário, temos a capacidade de percebê-la, mas quando não a percebemos claramente agimos por impulso, nos desenvolvendo somente onde se encontra nosso campo habitual de ação.

Se descermos do trem em movimento, se pudermos retomar nossa verdadeira velocidade, nosso ritmo, encontraríamos nosso modelo de desenvolvimento. Desejaríamos mais, mas daquilo que nos faz maiores e melhores. Nossos esforços seriam dirigidos para potencializar o que determina nossa condição humana.

Bens materiais? Sim, o necessário para viver com comodidade. Prestígio? Sim, ante nossos próprios olhos e aos de quem amamos e dos que compartilham com nossas idéias fundamentais. Poder? Sim, o de nossa adormecida vontade.

Trata-se de encontrar a medida do que nos corresponde e nos dignifica. Trata-se de ser mais, antes de querer ter mais. Depois de tudo, são muitos os que vêm demonstrando que se pode ter muitas coisas, desperdiçá-las ou perdê-las em um dia.

Mas são poucos os que demonstram possuir a chave do ser interior, o controle de sua existência, de suas emoções, a compreensão para a dor, a força para as adversidades, a sabedoria para distinguir quem somos, donde viemos e para onde vamos.

Todos queremosTodos querem mais. Sim, mas devemos saber o quê é que queremos. Devemos potencializar essa energia maravilhosa que não teme as mãos vazias porque se pode enchê-las com somente nos propormos a fazê-lo.. É interessante descer do trem e andar a pé até que saibamos como ele funciona e como e quem pode conduzi-lo de verdade. Queremos mais. Queremos Saber para Poder.

É fundamental ter algumas idéias, embora claras e firmes, antes de nos enchermos com centenas de elucubrações mentais desconectadas que em nada nos ajudariam em nosso desenvolvimento interior.

E uma das idéias que devemos clarear é a diferença que há entre o que queremos, o que desejamos, e aquilo que possuímos na realidade.

Conhecemos o que já temos?

Um dos males mais freqüentes na juventude – mal que pode chegar a esterilizá-la e paralisá-la – é acreditar que já alcançou seu tão cobiçado despertar da consciência, com a qual detém seu autêntico avanço. Vê as coisas como quer que sejam; e vê a si mesmo como ele próprio gostaria de chegar a ser e considera que este sonho, esta visão errada é a realidade.

Portanto, porque se esforçar mais se já tem aquilo que aspira? A partir disso, se deterá sem se dar conta, anulará suas possibilidades de desenvolvimento espiritual e dedicará aos demais um olhar compassivo de desprezo, isso se não tentar converter-se em mestre de quem ainda não tenha chegado ao topo de seus quiméricos sonhos.

Mas o mal não se deterá aí. Aquele que se habitua a ver o que quer acima do que tem, também se engana com as pessoas com as quais se relaciona e julga erroneamente os acontecimentos da vida, tanto no campo pessoal como no geral. Não compreende a História ou a concebe de forma totalmente distinta da realidade; crê cegamente em todos os prognósticos otimistas ou enganosos desde que pintem as coisas de cor-de-rosa. Não entende as pessoas e veste os que o rodeiam com seus trajes preferidos de fantasia; assim, se enamora da pessoa que considera ideal ou confia sua amizade a quem imagina como o arquétipo da camaradagem; vê mestres em todas as esquinas e iluminados que lhe transmitem sabedoria através duma tela de televisão ou de uma revista de modas. Em seguida, quando chegam as decepções, não reconsidera sua posição, mas, pelo contrário, joga a culpa nos demais, naqueles que estragaram seu sonho ou o desviaram de seu mundo de fantasia para escolher outros caminhos.

Ver as coisas tais como são, ou seja, ver aquilo que temos em nossas mãos, não equivale a esmagar-se nesta realidade objetiva, nem negar toda ação de desprendimento. Ao contrário, não há outra forma de iniciar uma caminhada se não temos um ponto de partida, e indubitavelmente um de chegada, ainda que parcial, para logo continuar. O ponto de partida é o reconhecimento do que temos, do que temos conseguido até agora, do que somos, de como são as coisas e o ambiente no qual nos movemos: ali nos apoiamos, dali extraímos os meios para nos lançarmos para diante e para cima.

Ver as coisas como são é possuir sentido comum, é gozar deste espírito prático tão caro ao verdadeiro filósofo, por mais que logo possa voar nas alturas de seus mais elevados sonhos. Uma coisa é desejar o melhor para o futuro, um futuro que começa amanhã mesmo e outra coisa, é desconhecer como obter algo melhor do que temos.

Como melhorar algo se não sabemos em que estado se encontra? Com promover um avanço se não sabemos desde onde começamos a avançar?

Freqüentemente dizemos que para o filósofo, o futuro já é o presente, enquanto que os que permanecem insensíveis à Verdade, não vêm mais de seus olhos físicos. É verdade.

Mas isto não significa que sonhamos com o futuro “como” se já fosse realidade, desconhecendo ou desprezando o presente. Significa que, quando a consciência se expande, cabe muito do futuro dentro do presente, assim também como cabe muito desse passado que a gente geralmente esquecemos tristemente. Significa que dentro do momento em que vivemos, podemos fazer uma projeção temporal, fruto da experiência, e nos apoiando no passado é possível entrever o futuro.

É necessário ter dupla capacidade de ver as coisas como cada um queira que seja, sem que para isso deixe de vê-las como realmente são. É importante saber o que queremos e também o que temos para conseguir o que queremos.

Delia Steinberg Guzmán

Autor

Revista Esfinge