Comumente se confunde sensação com percepção. E talvez numa teoria simplista isso não faça muita diferença, mas quando se trata da vocação é de muita importância deixar bem claro que percepção é uma coisa, e sensação outra. É por esse motivo que começarei este artigo estabelecendo claramente as diferenças.
Sensação é a função exercida pelos sentidos físicos, é um arranjo natural produzido pelo cérebro, enquanto que a percepção é uma das funções exercidas pelas faculdades cognitivas, arranjada culturalmente pela mente consciente do ser humano.
Isso propõe uma série de diferenças que podemos descrever como uma trave de quatro colunas:
SENTIDO ÓRGÃO SENSAÇÃO PERCEPÇÃO
VISÃO Olhos Olhar Ver
AUDIÇÃO Ouvidos Ouvir Escutar
TATO Pele Tocar Sentir
OLFATO Nariz Cheirar Selecionar
PALADAR Palato Degustar Qualificar
Em geral, todos olhamos, ouvimos, tocamos, cheiramos e degustamos de forma natural, porém nem todos vemos, escutamos, sentimos, selecionamos e qualificamos, já que isso não é uma questão natural mas um desenvolvimento da consciência e evolução da mente humana. A percepção é proporcional ao conhecimento que faz parte da cultura e da evolução da humanidade.
Enquanto a sensação é um movimento de fora para dentro, a percepção é de dentro para fora. Ou seja, a sensação é informação que provém do mundo e dos seus objetos, e a percepção é in formação que vem da consciência cognitiva e dos seus objetos mentais.
Isso nos leva ao encontro de teorias de grandes filósofos que comparavam a sensação e a percepção com um espelho. Se a sensação se movimenta através dos sentidos, de fora para dentro, e a percepção de dentro para fora, ambas se encontram em algum ponto interior, onde coincidem. Nesse ponto existe uma espécie de espelho que reflete a compreensão de tudo, ou seja, de todas as coisas e também de nós mesmos. Esse espelho corresponde a nossa mente concreta com a qual nos desenvolvemos no mundo concreto.
Da mesma maneira que um espelho sujo distorce as imagens que nele se refletem, quando a mente está “embaçada” o conhecimento do que nos rodeia e de nós mesmos é confuso e incorreto. Pois bem, com relação à vocação, é de vital importância que nosso espelho interior esteja limpo e claro, para que reflita de forma adequada nossa verdadeira forma interior, isto é, quem somos, para que viemos ao mundo e para que estamos sendo convocados.
No Universo, tudo passa por arranjos, inclusive o conhecimento. E o arranjo do conhecimento se estrutura na relação de equilíbrio, sintonia e sincronismo entre as sensações e as percepções humanas. É fundamental então estruturar as sensações e as percepções por meio de arranjos cognitivos cujo fundamento principal é a intervenção da consciência em todos os assuntos, desde os mais transcendentes e importantes até os mais quotidianos e “domésticos”. Os suportes da consciência humana são a ética e a moral, já que a consciência sabe estabelecer a harmonia entre o homem e o Universo. Por isso, em termos vocacionais, a ética e a moral não são opções, mas o caminho traçado pelo destino de cada indivíduo. O conceito de vocação não é mais que o chamado a servir, do destino ao ser humano, ou seja, a convocação de cada cidadão para aportar à sua sociedade aquilo que de mais inteligente e melhor sabe e pode fazer pelos demais.
Por fim, a percepção é também um dos mais importantes sinalizadores da vocação, já que ela é um espelho que reflete de forma muito clara os interesses humanos que em geral não estão expressos na mente, mas sim na consciência. Definitivamente, a vocação é uma questão de verdadeiro interesse humano. A percepção possui um perfil específico motivacional e se comporta de maneira vocacional e, quando é feita uma leitura correta com relação a ela, se encontra um excelente sinalizador para a vocação.
As Termópilas
Um desses momentos da história que marcaram de maneira definitiva e indiscutível o futuro da humanidade.
O nome do lugar significa “portas quentes”, remetendo às águas termais que ainda hoje se encontram nessa zona. Segundo certa tradição, quando Hércules estava perto da morte, sentindo na pele o ardor que lhe causava a túnica do centauro Nesso, atirou-se num rio próximo a Tranquis (perto das Termópilas) para extinguir o fogo que o consumia. Morreu afogado, mas as águas do rio conservaram seu calor.
Por uma estranha coincidência, os espartanos, que se consideravam descendentes de Heracles, ou heráclidas, também pereceram ali, tal como o herói; e é significativo o nome do seu rei: Leônidas, pois o leão — símbolo da realeza — foi o animal vencido por Heracles em um de seus doze trabalhos.
O local era uma estreita passagem entre as montanhas e o mar, tinha uma longitude de 2,5 Km e em alguns pontos sua largura se reduzia a apenas 15 metros. Constituía a porta de acesso do Norte para a Grécia, e no ano 480 a.C. o rei persa Xerxes conduzia por ali um numeroso exército.
Dez anos antes, Dario o Grande, Rei de Reis, Senhor da Pérsia, tinha sido derrotado pelos atenienses em Maratona. Dario estava resoluto em vingar semelhante humilhação, mas uma revolta no Egito o impediu de se dirigir diretamente à Grécia, e no ano de 485 a.C. morreu em Susa.
Xerxes, seu sucessor, não tinha a princípio intenções de atacar a Grécia, no entanto rapidamente mudaria de opinião. Seus conselheiros o fizeram ver a possibilidade de enriquecer com os espólios da fértil Europa, onde, salvo as pequenas cidades gregas, não havia ninguém capaz de oferecer uma resistência organizada ao imenso poder do Grande Rei.
Segundo Heródoto, o exército persa era composto por mais de dois milhões de homens e, para seu abastecimento, dependia da frota persa, portanto ambas as forças — naval e terrestre — deviam avançar coordenadamente, seguindo a costa.
Ao lado de Xerxes, se encontrava o espartano Demarato, a quem perguntou se alguma cidade grega se atreveria a lhe fazer frente. Demarato respondeu:
Não posso falar pelos demais gregos, mas conheço meu povo: mesmo que estivessem sozinhos, lutariam contra ti; mesmo se fossem somente mil contra todo o teu exército, podes ter certeza que esses mil lutariam.
Como é possível? — perguntou novamente Xerxes — Mil contra todo meu exército… e mesmo que houvesse mais deles… Como iriam lutar, se pelo que dizes são homens livres e não obedecem a um só homem como fazem minhas tropas?
As tropas gregas nas Termópilas eram formadas por cerca de sete mil homens de diferentes cidades, sob o comando do rei Leônidas, que era acompanhado por trezentos espartanos da sua guarda real. Ao se despedir da sua esposa, a rainha Gorgo, esta lhe perguntou:
Que farei se não voltares?
Se eu morrer, casa com alguém digno de mim e tem filhos fortes para que sirvam a Esparta — respondeu Leônidas.
Os persas acamparam nas proximidades da entrada do desfiladeiro, e Xerxes enviou um batedor em missão de espionagem para observar os gregos. Quando o batedor retornou, Xerxes ficou atônito ao escutar seu relato. Os espartanos faziam exercícios atléticos, limpavam e afiavam suas armas, e alguns estavam se penteando e arrumando seu cabelo.
Demarato explicou a Xerxes que isso significava apenas uma coisa: que os espartanos iam lutar, pois esse era o ritual que seguiam antes de entrar em batalha, e que se vencesse a esses e aos que tinham permanecido em Esparta, dominaria o mundo, pois iria enfrentar os melhores e mais ferozes guerreiros da Grécia. Xerxes ainda lhe perguntou que tática um número tão pequeno de homens utilizaria para tentar detê-lo.
Demarato explicou a Xerxes que um hoplita espartano é tão bom como qualquer outro, mas unido a outros espartanos seu valor é dez vezes maior.
Para Xerxes era inconcebível que um exército tão pequeno e com tão escassas chances de vitória se atrevesse a enfrentá-lo. Assim, aguardou três dias e três noites com a crença de que finalmente os gregos se convenceriam da futilidade de qualquer resistência e partiriam. Depois de três dias de espera, vendo que os gregos não tinham a intenção de fugir, Xerxes enviou um mensageiro oficial para falar com Leônidas.
Uma vez diante dele, o oficial transmitiu a mensagem de Xerxes: informou o espartano sobre a força do exército persa, informou-o de que no dia seguinte atacariam sem trégua; por último convidou o rei a se render e disse que o Grande Rei, na sua generosidade, pouparia suas vidas se entregassem suas armas.
Que reposta devo levar ao rei? — perguntou o mensageiro — Leônidas respondeu laconicamente:
Que venham buscá-las.
Essa noite, junto às fogueiras do acampamento grego, um desanimado hoplita de Tarquis comentou que no dia seguinte, quando os persas atacassem, suas flechas ocultariam a luz do sol. Um espartano chamado Dienekes respondeu secamente:
Tanto melhor: combateremos à sombra.
Leônidas concentrou suas tropas na parte mais estreita do desfiladeiro. Decidiu não mesclar os contingentes das diversas cidades, pois sabia que os homens preferem morrer ao lado de seus amigos, e que além do mais é sempre mais difícil para um homem fugir e abandonar sua posição na falange quando aquele que vai abandonar, e cujo flanco deixará desprotegido, é um amigo. Situou os espartanos à frente das tropas gregas, enquanto os aliados esperavam ser chamados.
Os persas começaram a avançar e penetraram no desfiladeiro. Quietos, formados em falange, os espartanos entoaram um péan (hino em honra ao deus Apolo). Com grande estardalhaço, os persas arremeteram contra eles; quando já estavam bem perto, a falange se pôs em marcha. O choque foi terrível, os persas se lançaram às centenas sobre a muralha humana formada pelos espartanos, em cujas lanças se espetavam. Sentado no seu trono, Xerxes se inquietava diante do que presenciava; os espartanos estavam despedaçando suas tropas; e quando Leônidas ordenou aos demais aliados gregos que se engajassem no combate, a matança não diminuiu.
Ao cair da tarde, os persas se retiraram deixando grande quantidade de mortos no campo. Sem pausa, para não dar descanso aos defensores, o general persa Hidarnes enviou a guarda real, os chamados Imortais, convencido que essas tropas de elite aniquilariam facilmente os já cansados gregos. Os imortais eram o que havia de melhor no exército persa, escolhidos entre o que havia de melhor na nobreza.
Eram um total de dez mil homens e seu nome vinha do fato de que cada vez que um deles caía, era rapidamente substituído, nunca deixando de ser dez mil.
Os Imortais atacaram bravamente, avançaram sobre os corpos de seus camaradas caídos, mas eram abatidos às dúzias, trespassados pelas lanças dos espartanos, que haviam retornado à vanguarda grega. O valor e o ímpeto mostrados pelos imortais foram dignos de ser lembrados. Os espartanos sofreram algumas baixas, mas a falange não se desfez. Os persas tentaram encontrar alguma brecha para romper as linhas gregas, mas não encontraram nenhuma.
Assim foi-se o dia e veio a noite. Os persas, desanimados, se retiraram e os exaustos defensores tiveram algumas horas de repouso. Ao amanhecer, a batalha recrudesceu. Sabendo que os gregos eram pouco numerosos, os persas atacaram com a esperança de que, feridos e exaustos após a luta do dia anterior, seria fácil derrotar os defensores. Enganaram-se. Os gregos, como haviam feito antes, se agruparam segundo sua procedência e, revezando-se na primeira linha, exterminaram os persas que, fustigados pelo chicote de seus oficiais, se dirigiam como cordeiros ao matadouro.
Com o crepúsculo, a batalha cessou. Xerxes se debatia inquieto, nem ele nem seus generais sabiam como vencer a resistência dos gregos. Para piorar as coisas, sua frota havia travado batalha com a dos gregos nas proximidades do cabo Artemision, sem conseguir vencê-la, de tal modo que não havia maneira de ir além das Termópilas pelo mar.
O exército persa não podia esperar indefinidamente naquela região pobre e estéril, pois em breve os víveres começariam a faltar e, ainda pior, a moral estava baixíssima. Então, como em toda história épica, fez sua aparição a traição. Efialtes, um pastor natural da região, solicitou audiência ao rei Xerxes. Uma vez na presença do Grande Rei, com a garantia de uma suculenta recompensa, informou-o de que existia uma passagem que, rodeando o monte Kalidromos, pelo sul, desembocava do outro lado do desfiladeiro. Imediatamente, Xerxes ordenou a Hidarnes que colocasse os dez mil Imortais em ordem de marcha e que, sem perda de tempo, partisse guiado por Efialtes.
Quando amanhecia, os vigias deram aviso das manobras envolvendo os persas, Leônidas ordenou que todas as tropas abandonassem o local de imediato. Assim, se salvariam e poderiam voltar a lutar mais adiante. No entanto, ele decidiu permanecer com os trezentos espartanos. Segundo Heródoto, os setecentos hoplitas téspios se negaram a obedecer a ordem de retirada e abandonar os espartanos. Assim pois, esse punhado de homens, que constituía todo o exército de Téspias, escreveu a página mais gloriosa de toda a história da sua pequena cidade.
Leônidas sabia que se os persas atravessassem a passagem das Termópilas chegariam a Atenas rapidamente, o que obrigaria a frota grega a se retirar para tentar evacuar a cidade. Isso provavelmente teria levado a dois possíveis resultados: ou a frota grega seria destruída pela frota persa na retirada, ou Atenas seria destruída sem tempo para uma evacuação. Em ambos os casos, a Grécia estaria perdida.
Além disso, Leônidas conhecia e acreditava na profecia do oráculo de Delfos, segundo o qual Esparta seria devastada pelos persas a menos que um de seus reis morresse. Por outro lado, a lei de Licurgo não permitia fugir do campo de batalha ante nenhum inimigo, mas permanecer no posto para vencer ou morrer. Ou seja, para os espartanos, partir teria sido uma desonra.
Portanto, a permanência de Leônidas nas Termópilas permitiu à frota grega retirar-se ordenadamente. Leônidas enviara mensageiros para informar da sua decisão e solicitar a retirada o quanto antes, pois as Termópilas estavam prestes a cair.
Pouco antes da batalha final, enquanto comiam algo, Leônidas disse a seus homens: esta é nossa última refeição entre os vivos, preparem-se bem amigos porque esta noite jantaremos no Hades. E com a serenidade dos que já decidiram seu destino, os gregos formaram uma falange, todos juntos desta vez. Diante deles estava o exército de Xerxes e nas suas costas os dez mil imortais fechavam a passagem do outro lado do desfiladeiro.
O heroísmo que demonstraram os gregos foi magnífico e digno da maior admiração. Se tivessem decidido arremeter contra os imortais que recém lhes haviam fechado o passo de retirada, talvez tivessem conseguido abrir caminho e escapar. Mas em vez disso, arremeteram contra o grosso das forças do exército persa numa luta que, sabiam de antemão, estava perdida.
Leônidas caiu após ter aniquilado muitos persas com sua lança. Então se desencadeou uma brutal batalha pelo seu corpo, pois os espartanos não desejavam que o cadáver do seu rei caísse nas mãos do inimigo. Várias vezes os persas quase o tomaram, e tantas outras os espartanos os rechaçaram.
Quase todos os homens estavam gravemente feridos, suas lanças partidas, muitos escudos inutilizados, mas a luta não cessava e já não se dava nem se pedia trégua; os espartanos e os téspios que conservavam suas espadas as utilizavam, os que não, lutavam com as bordas de seus escudos e com suas lanças quebradas. Alguns inclusive usavam pedras ou as próprias mãos e dentes para ferir o inimigo.
Finalmente, diante das baixas que estavam sofrendo, os persas retrocederam. A seguir se adiantaram os arqueiros e uma chuva de flechas acabou com os poucos espartanos que ainda restavam.
As Termópilas haviam caído, mas os persas haviam sofrido um espantoso número de baixas: mais de vinte mil homens.
Xerxes perguntou a Demarato: ainda há mais espartanos com quem lutar? E este respondeu: sim, há mais 8.000 como estes, preparados para defender Esparta. Xerxes percebeu que não seria fácil continuar adiante.
O resto da história é conhecido. Depois de ser evacuada, Atenas foi saqueada e incendiada pelos persas. Mas em Salamina a frota persa foi derrotada pela grega. E pouco depois os gregos derrotaram os persas em Platéia. A Grécia havia vencido. Um século e meio mais tarde, Alexandre o Grande retribuiria a visita dos persas, mas não como o propósito de dominá-los, a sim para fundir suas culturas, o que finalmente conseguiu.
Hoje é fácil esquecer isso, mas a vitória das pequenas Pólis gregas diante do gigante persa mudou definitivamente nossa história. Foi uma autêntica luta de civilizações. Toda a Ásia atacou a um pequeno grupo de cidades onde os homens valorizavam a liberdade e a lei acima de tudo. Se a Grécia tivesse sido vencida, a Europa e sua cultura não existiriam, porque não teriam tido nem mesmo a chance de nascer.
Os espartanos que morreram nas Termópilas foram um exemplo para todos os gregos e seu exemplo perdurou. Se bem que a batalha física se tenha perdido, pois os persas atravessaram as Termópilas, moralmente Xerxes foi derrotado. O heroísmo espartano venceu seu numeroso exército, que finalmente sucumbiu.
Na colina onde caíram os últimos espartanos, identificada graças às pontas de flechas encontradas pelos arqueólogos, há uma pequena lápide, na qual se lê o epigrama que o poeta Simónides de Cós escreveu há 25 séculos em honra dos espartanos que caíram nas Termópilas: Viajante: vá até Esparta e diga aos espartanos que aqui descansamos por obedecer suas leis.
Miguel Ángel Antolínez