“Não consigo me desprender da imagem do desconhecido, o vejo por todas as partes e me roga impaciente que realize o trabalho”

W. A. Mozart

Provavelmente quando os leitores leiam o título deste artigo pensarão que há um erro, pois o requiem de Mozart é a missa fúnebre mais conhecida, a mais vendida, a que todos temos em nossas estantes e utilizamos em momentos íntimos ou meditativos.

Sim, com certeza, é uma música extraordinária e sua história é mais extraordinária ainda, pois se pode perceber a capacidade de transmissão que tinha Mozart e também fala dos discípulos que o gênio de Salzburgo deixou.

Esta obra superou todas as listas de vendas quando o filme Amadeus estreou. Deste modo, milhões de pessoas a conheceram; estranho paradoxo, pois desde que foi concluída em 1791, ninguém a escutou e poucos souberam da sua existência até meados do século XX. Caprichos do destino…

No filme, esta partitura aparece como o foco dos últimos dias de Mozart. Incumbida por um estranho e obscuro personagem, com ela o compositor teria se preparado piedosamente para a morte segundo a liturgia católica. Aí vemos o genial Mozart fazendo esforços inauditos para ditar à Salieri a orquestração das últimas partes. É sua obra póstuma, uma submissa súplica de misericórdia ante Deus após uma vida de libertinagem e povoada de excessos. É o que diz o roteiro do filme, mas será essa a verdade?

Sem dúvida alguma Mozart teve que ser uma pessoa alegre, às vezes desmedida, mas também foi um filantropo, um idealista que buscava o bem da humanidade e, além do mais, um incansável operário da música. Sua correspondência, seus amigos e seus biógrafos assim o testemunham. Suas relações com a igreja católica, ao longo da sua vida, não foram digamos… muito fluidas. No entanto, sua vinculação com a maçonaria da época e sua militância ativa, sobretudo na última parte da sua vida, foi notável. Sabemos que escreveu música para a loja maçônica a qual pertencia, que dirigiu suas obras nas reuniões secretas e que incitou outros compositores a formar parte desse movimento filantrópico.

Nos últimos anos Mozart escreveu muitas obras com caracetrísticas esotéricas, mas foi no último ano que dedicou quase todos os seus esforços a este tipo de obra. A Flauta Mágica, o concerto para clarinete e orquestra e a cantata maçônica em Dó Maior chamada “Elogio à Amizade” entre outras, estiveram escritas ou foram acabadas nesse ano. E é precisamente nesta cantata maçônica na qual faz seus irmãos cantarem sobre o Amor, o trabalho e a Fraternidade Universal, para terminar com a palavra Luz. Uma autêntica despedida filosófica, invocando a concórdia entre os homens.

Dito isso, como se inserir o requiem neste ano, o ano da sua morte? Na realidade, esta obra tem pouco de Mozart. Ou seja, o manuscrito demonstra que apenas uma pequena parte foi escrita por ele (até o compasso 8 da lacrimosa); o resto, com possíveis indicações do Mestre, pertencem a Sussmayr e a Eybler, ambos discípulos seus.

Ademais, o encargo de uma missa fúnebre não deve ter obtido muito interesse por parte de Mozart. Primeiro porque sua mística estava focalizada para outro horizonte. De fato, entre o momento do encargo e o da finalização do requiem, Mozart deixou terminadas muitas obras maçônicas, postergando continuamente a finalização do requiem. Em segundo lugar, porque receber um encargo de um desconhecido induzia a pensar que alguém poderia estrear a obra como sua, coisa muito habitual na época e que neste caso realmente ocorreu. O conde Walsegg, uma vez que Mozart já havia falecido, estreou a missa de requiem como sua. Foi ele quem encarregou a obra através do seu mordomo, e graças a umas cartas deste último, encontradas no início do século XX, sabemos quem realizou o encargo. Se a isso somamos o pouco que há na obra de próprio punho de Mozart, começa-se a pensar que para alguém foi interessante fomentar a imagem de um Mozart arrependido e religioso que chega aos nossos dias.

Com tudo isso, não pretendo induzir que pensem que o requiem seja uma obra menor, muito pelo contrário, é uma música maravilhosa que, ademais, faz refletir sobre um aspecto pouco conhecido de Mozart: seus próprios discípulos. Discípulos que devem ter sido muito bons músicos, mas que, ante uma luz tão cega como a de Mozart, ficaram na sombra. Nomes que continuam sendo desconhecidos, mas cuja música está em quase todas as nossas casas. E é esta, a meu ver, a extraordinária mensagem desta obra.

Sebastián Pérez

Autor

Revista Esfinge