As chaves que os contos contêm nos aproximam ao mundo dos Símbolos Universais. Estes são valores que sempre existiram ao longo do tempo, superando barreiras de espaço; e apesar de passarmos por cima deles no dia a dia, eles permanecem imutáveis.

Era uma vez um nublado dia na ilha de Fionia (Dinamarca). Nasce Hans Christian Andersen em 2 de Abril de 1805.

Seu pai era sapateiro e sua mãe uma humilde dona de casa, embora dissessem que procediam de uma aristocrática família desaparecida há muito tempo. Contaram a Hans que seu berço de madeira havia sido construído com as madeiras nobres do ataúde de algum antepassado ilustre.

A sua vida não era um conto de fadas e embora tenha crescido num difícil ambiente de pobreza e de trabalho duro, os dias eram recompensados, entre o cheiro de couro e o som das ferramentas da pequena oficina familiar, quando escutava de seu pai contos, lendas e histórias antigas que lhe cativaram.

Seu pai foi sua primeira influência no mundo dramático e literário; desde seu nascimento, sussurrava ao pequeno Hans um mundo imaginário onde havia esperança, valores e ideais que enobreciam o homem e o transportavam a poder realizar seus próprios sonhos.

Deste modo, ia moldando seu mundo; construiu um pequeno teatro com as sobras da talhas de tamancos que seu pai fazia, e os animais fantásticos que talhava seu avô lhe serviam de inspiração.

Pouco depois, seu pai decide ir à guerra com o exército napoleônico, falecendo em 1816. De modo que Hans, que contava então com onze anos, se viu com a responsabilidade de manter seu lar. Embora sua mãe tenha voltado a se casar, ele foi à Copenhague para trabalhar num fábrica.

O jovem artista tinha tímidos contatos com o mundo do teatro, compunha alguns roteiros, poemas e inclusive algumas canções que rivalizavam com as outras canções obscenas que cantavam seus companheiros de trabalho, o que lhe garantiu que fosse vítima de suas gozações e violentas brincadeiras. Pouco depois, sua mãe lhe obrigou a deixar a fábrica.

Assim foi que passou a mendigar pelas ruas de Copenhague, subsistindo duramente. Mas, apesar de tudo, nunca renunciava seu amor pela arte e continuava criando pequenas obras teatrais.

Um dia, apareceu, como por magia, J. Collin, diretor do Teatro Real, e lhe doou uma bolsa que lhe permitiu fazer em 1822 alguns estudos regulares.

Hans passou mais vinte anos criando poemas e roteiros com escasso êxito, embora tenha lhe servido para poder se manter e inclusive fazer algumas viagens. No entanto, continuava no anonimato. Suas primeiras obras, como “O Improvisador” (1835), não passavam de mais uma obra entre a vida intelectual dinamarquesa. Inspirado por suas lembranças de infância, decidiu escrever breves histórias.

Com estes contos, carregados de melancólica ironia, logo cativou os leitores. O Isqueiro Mágico, A Princesa e a Ervilha, voltavam à sua mente como se seu próprio pai os tivesse sussurrando no ouvido.

Em 1843 escreveu seu famoso “Contos para crianças”, que foi acolhido pela literatura escandinava a tal ponto, que lhe davam o mesmo valor que suas próprias lendas e contos míticos, o que lhe fez também ser admirado pelo resto do mundo.

Até 1843, Hans compôs um total de cento e setenta e oito contos, todos eles inspirados no estudo e conhecimento profundos da Mitologia escandinava.

Isso demonstra sua maestria, ao poder fundir num mesmo relato várias interpretações; não eram apenas contos dedicados à doce mentalidade infantil, mas também são canais pelos quais flui a simbologia antiga. Cada personagem de seus contos (Polegarzinho, A sereia, O novo traje do Imperador, O escaravelho, O sapo, O Soldadinho de Chumbo, Os cisnes selvagens, A Pequena Vendedora de Fósforos, O último sonho do velho carvalho), representa uma reflexão filosófica, uma idéia, que basicamente se resume em alcançar uma meta idealista. O herói ou a heroína vive uma infinidade de aventuras ou provas até chegar à sublimação e à vitória final, podendo ser esta um tesouro, uma princesa ou príncipe prometido ou um lugar.

As chaves que os contos contêm nos aproximam ao mundo dos Símbolos Universais. Estes são valores que sempre existiram ao longo do tempo, superando barreiras de espaço; e apesar de passarmos por cima deles no dia a dia, eles permanecem imutáveis.

Podemos ler um conto e desfrutar do seu simples e divertido conteúdo, mas dentro deste se mantêm “escondidos” diferentes níveis de interpretação (histórico, mítico, psicológico, etc.) ordenados num mesmo relato. Para perceber estes planos de interpretação, temos que ir mais além de uma leitura “horizontal” do texto, para descobrir outra “vertical”.

Jung defendia que estas imagens-símbolo, não sendo algo objetivo ou material, pertenciam mais a imagens contidas na alma humana, em algum lugar do inconsciente, que permanece no esquecimento cotidianamente.

Os contos são então um canal de expressão destes arquétipos que necessitavam “encarnar” ou se fazerem presentes. Chegar a compreendê-los radica na capacidade de cada um de elucidar as mensagens secretas que contêm esses relatos.

Talvez nisso resida sua magia, aquela que cativou Hans. Seu significado é parcialmente acessível, permanecendo sempre uma parte escondida como um tesouro encantado para nossa consciência.

Hans visitou numerosos países do Oriente e Ocidente, sem que sua criação diminuísse, até que faleceu em 1875. Legou aos grandes e pequenos a beleza de um mundo de imaginação criativa e mensagens que transluzem esperança e ideais para aquele que, como uma criança, se aventure a viajar pelo reino antigo da magia e do simbolismo.

Jorge Marqués

Esoterismo e Religião

Seus discípulos se aproximaram dele e lhe perguntaram: Por que lhes fala com parábolas? Ele lhes respondeu: A vocês foi concedido o conhecimento dos mistérios do reino dos céus e a eles não. Evangelho C. XIII, Versículo X-XVIII.

Infelizmente essas duas palavras estão tão altamente manipuladas que os conceitos originais, os verdadeiros, foram contaminados com poluição mental e emocional de cada momento histórico. E o que nos cabe viver não foge a esta alienação, mas sim que, por estar os entendimentos e as vocações espirituais deformadas pelo peso do materialismo, as imagens correntes estão se tornam confusas e freqüentemente estéreis, quando não malignas.

Assim vulgarmente se aceita que o esoterismo é um conjunto desorganizado de práticas mórbidas, ajudadas por drogas e manobras estupidisantes de loucos e tiranos, alheios a toda norma ética e estética.

No melhor dos casos se pensa que o esoterista é um recompilador de todas as superstições e falsas crenças que se tem acumulado no decorrer dos séculos. E que por esoterismo se deve entender tudo aquilo que, com grave risco da saúde da alma e do corpo, afasta os humanos do bem e da justiça, precipitando-os em crenças absurdas e criminosas.

Em suma, um diluído de tudo o que é cultura e civilização.

Um câncer escondido e obscuro que carcome os indivíduos e a coletividade. E logo, a antítese de tudo autenticamente religioso.

No melhor dos casos recorreu à religião em suas distintas formas e matizes.

Ninguém que se considere de “vanguarda” aceita a religião como outra coisa que não seja o “ópio dos povos”, opondo-se constantemente com a ciência, e adaptando-se como camaleão aos descobrimentos e constatações da razão e da experiência.

Vêem-na como um consolo para os covardes, que temem as características evidentes da morte e da vida. E aos autenticamente religiosos, como simples frustrados e impotentes que buscam mentiras que lhes compensem as inevitáveis dores da existência.

Nossa sociedade de consumo aceita como normal que cinemas e supermercados estejam abertos até altas horas da noite, assim como bares e bordéis, enquanto que igrejas, sinagogas e mesquitas abrem suas portas umas poucas horas por dia.

Em contrapartida, os religiosos vêem nos esoteristas inimigos mortais e vice-versa. Assim torna o jogo fácil para os ateus e materialistas, quem numa e noutra posição, infiltrados, intercambiam suas cargas de demolição na fé em Deus, na alma imortal e em tudo aquilo que, por estar em abundância, supera seus mitos que colocam o homem na cúspide da evolução animal, ou seja, no mais animal de todos.

Para desgraça de uns e de outros, tanto os que se dizem esoteristas como os que se intitulam religiosos, têm fornecido exemplos pouco construtivos.

Os primeiros, conformando todo o tipo de seitas envilecidas que achatam a condição humana, e somando em seu haver histórico exercícios necromantes, bruxarias e feitiços que levaram a loucura e a morte inúmeros credos, de reis a mendigos.

Os segundos, fazendo festejando um fanatismo irracional e excludente que constitui o maior “racismo espiritual”. Seu passado está tristemente iluminado pelas fogueiras de todas as inquisições, e no sagrado nome de Deus se tem cometido mais crimes e infâmias do que nossos jornais são capazes de publicar. Os elementos de tortura empregados contra os ímpios, e suas perseguições, superam as fantasias das novelas de terror.

Porém podemos nos perguntar, não ignorando as falhas próprias de todos os mortais: Isto é esoterismo? Isto é religião?

São a mesma coisa? Que têm em comum? E se não são, o que as diferencia?

Sob a luz da filosofia, que tão somente busca a verdade e que não possui donos, podemos responder a estas perguntas.

As opiniões negativas que a maioria das pessoas têm sobre esoterismo e religião surgem em função da ignorância, e no fato de nunca se ter pensado seriamente no tema.

Assim como não rechaçamos a ciência por haver engendrado as bombas atômicas, tampouco podemos rechaçar o esoterismo baseados no que se sabe e se crê saber sobre as seitas; nem a religião, fundamentados nos pecados humanos – que conhecemos ou cremos conhecer – de suas confrarias.

O homem, desde seu mais remoto passado, se diferenciou dos animais, nem tanto por sua inteligência ou bondade, mas pela possibilidade de perceber, de alguma maneira, a presença de Deus e a dos seres invisíveis, porém sensíveis aos nossos sentidos mais sutis, em circunstâncias especiais. O homem, da idade da pedra, seja primitivo ou o remanescente de desaparecidas civilizações, fabricou primeiramente instrumentos de trabalho, junto a altares e pinturas de intencionalidade metafísica, mágica, ainda que sem por isso deixarem de ser utilitárias, já que propiciava a boa caça e a proteção das forças naturais, que eles intuíam como expressões de espíritos da natureza.

Homens sábios ou seres com aparência humana – e que não temos que supor, vindos numa nave espacial – lhes ensinaram, segundo todas as tradições, a agricultura e a pecuária, lhes deram conhecimentos astronômicos e astrológicos, técnicas e expressões faladas e escritas, símbolos e normas higiênicas, medicinais e formas de atravessar rios, abismos e montanhas.

Estes conhecimentos, somados a muitos outros, foram transmitidos verbalmente, considerando-os secretos, pois sua má utilização poderia trazer mais mal que bem. Isto somente pode ser feito entre uns poucos homens que haviam superado ou controlado seus instintos de forma segura. Herdeiros da “Magna Ciência”, a Magia, foram os primeiros esoteristas.

Houve outros homens que, estimulados pelas necessidades do momento e pelos diferentes lugares, que inicialmente seu nomadismo os levou, recolheram os reflexos destes ensinamentos secretos, tendo que ir adaptando-os constantemente ao tempo e ao espaço. Estes foram os religiosos. Em contato direto com o povo, tinham que pintar, para os que viviam próximos aos pólos, um inferno gelado e um paraíso quente; e para os das zonas tórridas e temperadas, um inferno quente e um paraíso fresco e ameno, montado sobre brancas nuvens.

No princípio, estes religiosos, possuidores ainda de elementos verdadeiros e secretos, em íntimo contato com os esotéricos, deram a seus povos um consolo simples, ao alcance de sua capacidade de compreensão, tendo consciência de que se dirigiam a eles com exemplos mais ou menos simples, contos e parábolas, em busca de um maior entendimento e uma maior vivência das virtudes imprescindíveis para o progresso espiritual e material. Em pouco tempo, como no mito da Torre de Babel, os religiosos começaram a não se reconhecerem e a se combaterem ferozmente. Então a piedade de Deus fez com que, periodicamente, encarnasse entre eles algum Messias, Avatar, Salvador, ou como queira chamar-lhes, para conduzi-los de volta à verdade, promovendo reformas que geralmente receberam de momento somente o repúdio dos religiosos estagnados e de seus povos.

Os esoteristas mantiveram, graças ao segredo e as muitas garantias que exigiram dos “iniciados”, um mesmo ensinamento e conduta através dos milênios. Estes eram e são iguais na Ásia e Europa, na África e na América.

Os religiosos se adaptaram para benefício dos povos e sem faltar com as verdades básicas, assim, o ensinamento foi pacifista em Buda, militante com Cristo e bélico com Maomé.

Esoterismo e religião não são a mesma coisa nem se opõe, e sim se completam, como faz o eixo do carro que gira sobre si mesmo, e a ampla roda que recolhe, em grandes voltas, os poeirentos caminhos. A aro da roda às vezes fica coberta de areia e outras de água. O eixo permanece sempre no mesmo lugar em relação ao solo. A roda sem eixo seria um artefato perdido, e eixo sem roda, uma abstração inútil.

Todos os grandes mestres religiosos tiveram seus discípulos diretos aos quais transmitiram as verdades que possuíam, e outros mais afastados do conhecimento das coisas sagradas, ainda que não estivessem de seus corações, que os seguiram levados por fenômenos impactantes e por narrações claras, fáceis de entender e por sua vez suficientemente atrativas para serem lembradas.

Todos os verdadeiros esoteristas formaram núcleos de discípulos aos quais transmitiram os antigos ensinamentos, para que estes por sua vez promovessem as ciências as artes, a filosofia, a política e até mesmo as religiões.

Como todas as coisas manifestadas, uns e outros se desviaram e corromperam mais de uma vez , dando origem a confrontações, perseguições, seitas e inquisições.

Porém este mal inevitável não deve ser confundido com tudo de bom que foi conservado, tanto no esotérico ou mistérico, como no religioso. O erro não é dos mestres; o erro é dos homens e isso está magnificamente simbolizado na “última ceia” do Cristo, com Judas traidor atrelado a sua bolsa de moedas.

Confundir e pôr no mesmo saco religião e esoterismo é um grave erro. As religiões passam, e hoje milhares de turistas transitam pelos restos dos templos egípcios perguntando sobre as características e nomes de representações teológicas que há milhares de anos eram conhecidas até pelo mais simples dos camponeses. Mas o espírito interno que alentou os mistérios no Egito não foi perdido e ajudou a levantar muitas outras culturas e civilizações.

Sei que se algum fervoroso crente de qualquer religião ler estas páginas dirá a si mesmo: “minha religião é a verdadeira; as demais caíram porque eram falsas, a minha prevalecerá”… Este é um argumento que foi usado também por outros homens no passado, acreditaram na religião de Osíris, de Istar, de Quetzalcoatl, de Nailamp. Hoje os visitantes dos museus olham suas imagens e perguntam: quem são esses?

Isso não desvaloriza a religião como ponte entre os homens e a divindade; simplesmente é necessário diferenciar as etiquetas da garrafa e a garrafa de seu conteúdo.

Daí que a mescla tão em moda entre os mestres religiosos e os filósofos esoteristas seja artificial e uma amostra a mais da contaminação e confusão que impera. Pois há os que se perguntam: Acaso um Buda ou um Moisés não eram iniciados? Evidentemente, de alguma maneira sim, porém também, de alguma maneira, eram religiosos e místicos um Raimundo Lulio ou um Paracelso. Pois não há nada absolutamente separado nesse universo que tende à unidade, que seja Deus, acima de todas as formas. Mas no momento, e enquanto dure o tempo, a maçã continuará sendo maçã e a rosa, rosa. E ambas caibam harmonicamente no jardim cultivado pelas mãos de Deus.

Seria belíssimo se todos entendessem isso e que, sem negar sua forma de fé ou de acesso ao conhecimento das idéias sagradas, se preocupassem mais em vivê-las que em criticá-las, e deixassem, como nos recomendou o Cristo, de ver cisco no olho alheio e não em seu próprio olho.

Uma Experiência Pessoal

Há muitos anos, quando o autor deste trabalho estava em sua primeira juventude, e descobria, através da filosofia à maneira clássica, as fontes da vida e suas expressões, abriu a porta de sua casa para uns predicadores de uma forma religiosa que não vem ao caso mencionar. Mostraram-me um livro e me disseram, sentencialmente, que nele estava toda a verdade, e não somente isso, mas que unicamente neste livro se encontrava Deus. Estavam se baseando, evidentemente, num princípio de fé, de credo a prova de tiros de canhões. Citaram-me parábolas e ensinamentos. Escutei respeitosamente e lhes disse que o que me ofereciam não constituía, para mim, uma verdade, pois noutros livros e através de outros personagens históricos se havia dito mais ou menos a mesma coisa desde a proto-história. Ficaram escandalizados. Ameaçaram-me com o inferno eterno; e tanto insistiram que, com juvenil impaciência lhes perguntei se Deus era onipotente e onipresente. Responderam que sim. Então lhes perguntei se Deus estava nos assentos em que estávamos sentados. Alarmados com minha ousadia, negaram. E à luz da lógica mais elementar, lhes disse que se Deus não estava nuns assentos, estes o limitavam e, portanto, Deus não era onipotente, que eu concebia um Deus onipotente e onipresente, logo poderia estar tanto em um assento como em um livro, em uma oficina como em um altar. Ainda recordo o estupor pintado em seus rostos; talvez nunca tivessem pensado nessa problemática devido à força da repetição diária da mesma ladainha. Balbuciaram algumas palavras iradas, se levantaram e se vão. Hoje, que sou mais velho e um pouquinho mais sábio, os tivesse deixado com sua fé, pois jamais devemos despojar alguém de um apoio, por ridículo que seja, sem oferecer-lhes outro mais sólido para sustentar-se, ou melhor, ensinar-lhe a andar sem muletas. Porém há pessoas que podem andar sozinhas e outras que necessitam de bengalas. Isso, só aprendi mais tarde.

Fernando de las Casas

Autor

Revista Esfinge