Outubro é o oitavo mês do calendário romano e conserva seu nome como para setembro, novembro e dezembro, os de sétimo, nono e décimo. É o mês do outono por excelência no hemisfério norte e se caracteriza pelo vinho e pela colheita de uvas. É um mês de transição e, embora Amades o defina como o mais triste e pobre em costumes de todo o ano e ainda diga que durante o seu decorrer não haja nenhuma festa marcada nem dia excepcional ou notável, apresenta todas as etapas transicionais que, para um humanista, são de grande interesse. E este interesse aumenta se se acrescenta que é a etapa da vindima e do vinho.

O vinho e o pão, a água e o azeite são os alimentos elementais básicos da humanidade pelo menos desde o Neolítico. Ou seja, desde os tempos que o caçador e colheitador dos primeiros tempos se converteu em agricultor e pastor e trocou seu errante nomadismo pela estadia em povoados. Ou dito de outra maneira, quando o depredador que se limitava a aproveitar o que a natureza oferecia começou a produzir seus próprios alimentos e a diminuir o que era natural para introduzir artificialidades. Tanto é assim que as religiões os sacralizam e tanto servem para comunhões e batismos quanto para se converter no sangue e na carne de Cristo na Eucaristia ou em qualquer outro costume do mundo oriental. Os peregrinos de Santiago dizem que com pão e vinho se anda o caminho, e o bordão com a abóbora que continha porções do reconfortante líquido seriam seus símbolos. E logo se aplicou o dito a todos os caminhos. Por conseguinte, pão e vinho apareceram entre os símbolos de forma especialmente destacada e formando parte de máximas, refrões e frases feitas.

O vinho seria sinal de vida e força, mas também, no seu exagero, de vício e mal. E se lhe opôs à limpeza e pureza da água. Uma fonte que emana constantemente ornando o Passeio Arqueológico de Tarragona diz Bibe e fonte salute e vives, embora não saibamos se este futuro alude de forma demasiado otimista esse ambíguo líquido que brota dos torneiras tarraconenses. Não sabemos se se acrescentava algum letreeiro às fontes de vinho tinto, rosé ou água que se alçavam nos pátios da Aljafería, em Zaragoza, com motivos de festas reais ou as que as pessoas de Cariñena montavam às margens do caminho real quando Carlos I passava por ele para viajar à Zaragoza desde a corte com objetivo de que todos pudessem beber ao seu livre-arbítrio, imaginamos que até a embriaguez.

E peço perdão aos leitores por uma digressão sobre esta situação e a infinidade de nomes eruditos e populares com os quais se relaciona. A embriaguez tem tantos e variados nomes populares como tem o cerdo ou a mulher da vida, com perdão. O que é sinal, como dizia um mestre, da sua singular importância ou, pelo menos, da sua constante presença na vida dos homens.

Voltando às máximas, um antro de bebidas de Tréveris, no século II, aconselhava “bibe dum vivas” dentro dos aforismos dos bebedores, sorrindo diante dos conselhos da água límpida e pertence a uma centena de bebedores que originariam frases engenhosas como a descrita numa taça para vinho do Museu de Maguncia, do século IV, onde o ceramista escreveu: vivat qui me plenet, com desejo de ver tão cheio o recipiente como sonhavam outros em vê-lo vazio pela sua mudança. Beber até morrer ou enquanto estejas vivo é conselho sobre excessos, e os “sem graça” da nossa terra e de outras muitas comentaram: a água… para as rãs. O costume de adornar os copos destinados a conter o vinho ou a água com inscrições e máximas e até com curiosas e úteis indicações vem de um antigo viajante. Ele era de Cádiz e queria chegar a Vicarello, na Itália e gravou nos copos os nomes das cidades do percurso e a distância em milhas entre elas, deixando-nos um pintoresco guia da estrada que seguiria na sua peregrinação lançando os copos às águas, como oferenda de gratidão, em homenagem às divindades protetoras e curativas que, sem dúvida, curaram seus males e provocaram seu ex-voto. Porque o mundo antigo selecionou os deuses e seres superiores como protetores do vinho e da água, quando não buscou personagens míticos para relacioná-los à invenção do vinho. E se foi Noé no Antigo Testamento, entre os gregos e romanos foram deuses ou heróis ordenadores do caos que inventaram o vinho desde Teseu ao multifacético Dionísio.

Contarei sobre o significado de uma frase já esquecida entre nós, mas de uso habitual há aproximadamente meio século e que certamente a maior parte dos nossos leitores desconhece. Dizia-se, para indicar que se tinha chegado até o último extremo da resistência e indicar o propósito de não interrompê-la, “Até ver-te, meu Jesus ou apurar o cálice até as fezes” tal como figura nas Escrituras e se colocou na boca de Jesus nos seus sofrimentos no Monte das Oliveiras. Do episódio e frase do Testamento deriva seguramente a adaptação de princípios dos tempos modernos. No caso das “fezes” o termo era claro porque o vinho poderia sedimentar no seu fundo as impurezas conseqüentes da sua manipulação. Mas, o de “Jesus meu” é assunto numismático, quando nos “münzpokale” de ouro, prata ou outro metal, adornados com moedas, que usavam os bebedores, colocava-se no interior do seu fundo uma medalha com a imagem de Cristo e se bebia o conteúdo até que pela larga boca se vislumbrasse a imagem que indicava que o vinho terminava.

Claro que tudo estava em relação com os cantos de taberna, como o estudantil Gaudeamus igitur, iuvenes dum sumus, agora hino cantado e escutado com respeito, com permissão de Brahms, eliminadas estrofes pouco dignas da seriedade com que se executa como a de Vivant omnes feminae, fáceis, belas… numa curiosa transmutação das licenças báquicas às solenidades acadêmicas.

Deixemos, de momento, o vinho, ao que já dedicamos alguns artigos, e voltemos ao outubro que pode ser símbolo do outono no hemisfério norte. Temos suportado súbitos frios e ansiadas águas do céu que fecharam o verão deste ano e mostram a brusca transição outonal. No campo é ou era do tempo do lavrador, como em Aragón se denomina ao agricultor, com o arado como símbolo, e desde logo da vindima, tal como aparece em todos os lunários medievais e inclusive nos mosaicos romanos. É curioso anotar que os espaços quadrados ou com quatro ângulos requerem da iconografia temas com quatro possibilidades de expressão. Assim como nas quatro pechinas das nossas igrejas parece lógico que apareçam os quatro Evangelistas, nos mosaicos romanos se buscava uma estação para cada esquina de um quadro, e o outono é sempre uma imagem coroada de pâmpanos quando não a de um jovem com um cacho de uvas na mão, como no fabuloso mosaico de Centcelles, do século IV, tumba real do imperador Constante, cujo nome se perpetua no povoado vizinho de Constantí.

Outubro é, portanto, o mês de preparação da semeadura e, portanto, de arranque de todo um ciclo que terminará com a colheita. Partir-se-á de ritos propiciados para rechaçar espíritos malignos e atrair condições favoráveis. Muitos dos bailes agrícolas podem ter raízes pré-históricas; assim, os bailes dos dançarinos aragoneses com bastões, quando golpeam vigorosa e freneticamente o chão com eles, estão penetrando a terra para obrigá-la a engendrar e ser fecunda.

Outro elemento muito antigo é o da associação da Lua com as celebrações agrícolas da preparação da terra. A de outubro dominava as sete seguintes e profetizava como seriam. Aproveitemos para dizer, deixando o tema para outro momento, que as fases lunares provocaram a aparição do sete como número cabalístico. A disposição do tempo em semanas e até a criação do mundo pelo Ser Supremo em sete dias, embora o sétimo fosse de descanso. Brindemos aos nossos leitores até o próximo artigo.

Antonio Beltrán

Autor

Revista Esfinge