Baixe o artigo em PDF e leia em seu Smartphone – 03-18

O ESPÍRITO DA AVENTURA

Sempre nos extasia as aventuras que lemos e ainda as que assistimos em filmes, que mostram heróis ou até homens aparentemente comuns, em suas ilíadas e odisseias, na busca de tesouros perdidos, em lutas por causas nobres, na defesa de necessitados, na busca de lugares exóticos, na busca de si mesmos, e outras milhares de aventuras.

Embora, mesmo não nos vendo nas situações acima relatadas e nem nos imaginando concretamente envolvidos em uma aventura real, planejando viagens a lugares exóticos ou expedições custosas e perigosas, nos colocamos a sonhar e a imaginar estas aventuras, sentir a coragem dos envolvidos, a sua determinação, que os salvava de inúmeros perigos e também os permitia salvar a muitos, com os quais eles acabavam se envolvendo.

Este estranho encantamento, este prazer que arrebata nossos sonhos e pensamentos pode ser chamado de “O Espírito da Aventura”.

ALGUMAS AVENTURAS E AVENTUREIROS

Em 1947, pouco depois de terminada a segunda guerra mundial, um cientista norueguês, chamado Thor Heyerdahl e mais cinco companheiros, quatro compatriotas e um sueco, se lançaram às costas do Peru em direção ao poente, em uma jangada constituída por nove toras de árvore balsa, amarradas com cordas e impulsionada apenas por uma grande vela quadrada.

Nessa frágil embarcação, construída por eles mesmos à maneira dos incas pré-colombianos, sem o auxílio de nenhuma máquina ou tecnologia atual e desprovida de qualquer recurso tecnológico de propulsão, eles enfrentaram a imensidão do oceano pacífico e durante 101 dias navegaram cerca de 8.000 km até encalharem em uma das ilhas do arquipélago Tuamotu, na Polinésia Francesa.

O que impulsionou estes homens a tal façanha, que ficou conhecida em todo o mundo como a “Expedição Kon Tiki”, o nome do rei-deus branco Inca, que segundo as tradições teria levado seus homens a migrarem para oeste, no sentido do rastro do Deus Sol?

A simples curiosidade científica de provar uma teoria explicaria o fato de esses homens terem enfrentado perigos sem conta, arriscando inúmeras vezes suas vidas ante o desconhecido?

Mais próximo de nós, no tempo e no espaço, outro navegador aventureiro, o brasileiro Amir Klink, praticamente reeditou essa façanha navegando sozinho em um barco a remo, por 100 dias desde as costas da África até o Brasil, navegando à mercê das correntes do Oceano Atlântico.

São milhares os exemplos que podem ser citados de homens que deixaram a comodidade de suas vidas, a segurança de seus lares, o afeto de suas famílias, para se aventurarem em busca de algo nem sempre muito bem definido, de alguma coisa que parecia lhes faltar.

Homens como Sir Richard Francis Burton, que deixou a corte londrina para aventurar-se pelas selvas e pelos desertos de continentes pouco conhecidos e habitados, como a África e a América do Sul, em meados do século XIX, quando redescobriu para o Ocidente as nascentes do Rio Nilo, traduziu as histórias das Mil e Uma Noites e fez uma viagem de canoa desde a cidade de Sabará, em Minas Gerais, até o Oceano Atlântico, pelos rios das Velhas e São Francisco, entre tantas outras aventuras. Ou ainda Sir Charles Darwin, filho de uma família aristocrática da Inglaterra, que deixou o seu País e familiares e a comodidade da vida aristocrática londrina e, durante cinco anos, fez um périplo pelo globo terrestre, como naturalista da equipe do navio Beagle, ou ainda outro naturalista inglês, contemporâneo de Darwin, mas nem tão abastado, Sir Alfred Russel Wallace, que passou quatro anos, retirado na Floresta Amazônica Brasileira, vivendo solitário entre os índios, recolhendo espécimes raros para a ciência natural e que, com Darwin, delineou o que viria a ser a teoria da evolução das espécies.

Do outro lado do mundo, na Rússia Siberiana, outro explorador, o Capitão Vladmir Arseniev, no início do século XX (1902 a 1907), foi o responsável pelo desbravamento de toda uma vasta região na Sibéria Oriental, desde o ártico até a fronteira com a China e o mar do Japão. Suas aventuras reais e não fictícias ficaram imortalizadas pelo filme “Derzu Uzala” do cineasta japonês Akyra Kurosawa.

Estes são pequenos exemplos, em sua maioria desconhecidos por grande parte da humanidade, mas que podem ser ajuntados aos grandes feitos dos grandes personagens da nossa história. Da mesma maneira, Alexandre Magno, Júlio César, os Imperadores Romanos Marco Aurélio e Juliano, o Imperador Carlos Magno, Napoleão, entre outros, sentiram esse impulso irresistível em suas veias e em suas almas.

AS MOTIVAÇÕES APARENTES E OCULTAS

Mas o que seria esse impulso? O que faria com que o homem se atirasse ao desconhecido, sem temor ou, melhor dizendo, apesar dele? Quais seriam os motivos dessa luta, desse enfrentamento?

Poder-se-ia alegar serem motivos pessoais, individuais e consequentemente egoístas, e sem negar que tais motivos existam, nos perguntamos se seriam apenas estes os motores dessas atitudes?

Seria apenas dinheiro e fama a mover estes homens ao custo de suas próprias vidas? Ou os casos já mencionados não demonstraram haver acima desses motivos materiais um impulso interno, um impulso da alma, uma necessidade de se conhecerem melhor, de conhecerem sua própria essência?…

Henry David Thoreau, filósofo americano do século XIX, disse a respeito de sua experiência solitária às margens do Lago Walden que: “…fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da Vida e ver se podia aprender o que Ela tinha a me ensinar, em vez de descobrir, à hora da morte, que não havia vivido…”.

O DIVINO IMPULSO DA AVENTURA

Poderíamos chamar esse “algo” que é maior que as comodidades da personalidade, que está além dos desejos pessoais, da aquisição de recursos ou de conhecimentos, de “Espírito de Aventura”.

Esse impulso é algo da alma, uma necessidade de se atirar além do “óbvio”, do “normal”, do medíocre.

Mas essas experiências podem parecer desordenadas e até incompreensíveis para aqueles que não partilham desse espírito, mas empolgantes e apaixonantes para aqueles que também sentem esse chamado interno.

Empolgantes mesmo para aqueles que se sentem completamente incapazes de vivê-los ou de reproduzi-los, com tamanha intensidade.

Pois todos nós podemos ter, mesmo que em pequeno grau, uma aventura em nossas vidas. E é necessário que isso aconteça; é importante a experiência do risco.

QUAL É A VERDADEIRA AVENTURA?

O Filósofo, o verdadeiro Filósofo, o que busca a verdade sobre si mesmo é um desses seres que sentem em si, muito forte, esse espírito de Aventura, que percebem e procuram direcionar esse apelo.

E, percebido isso, orienta-o de acordo a um Ideal superior, inegoísta, e empenha seus esforços no sentido de alcançá-lo não para seu bem próprio, mas por dever, o dever de quem se reconhece capaz de atingir este objetivo dentre milhares de outros seres e da obrigação que isso representa para a humanidade como um todo.

O filósofo verdadeiro se entrega apaixonadamente a esta aventura da busca do Ideal, identificando-se com outros personagens que não apenas os aventureiros e os exploradores de nossa história, mas com os seres místicos e mitológicos de todas as tradições.

Como os heróis, o filósofo parte em busca da conquista de seu maior bem, a conquista de sua Alma Imortal.

No exemplo da vida dos heróis encontra-se, simbolicamente, mas muito claro para aquele que se dispõe sinceramente a refletir sobre ele, a história desta busca em seus detalhes, com todos os passos muito bem explicados, com os desafios, os percalços e as dificuldades da caminhada até o êxito final do Herói.

O verdadeiro filósofo se desprende de seus desejos, de suas ambições pessoais, para encarar a vida como ela é, uma aventura iniciática que, se bem sucedida, o levará para outras aventuras, ainda maiores e ainda mais inimagináveis.

NOSSOS MAIORES EXEMPLOS

Conhecemos também a história de grandes homens e grandes mulheres, que souberam responder a um chamado interno de suas almas, na busca por esta grande aventura real. São pessoas aparentemente comuns, com problemas próprios da natureza humana, encarnados neste mundo dual e materialista, mas que se diferenciaram pelo fato de haverem deixado florescer este Espírito de Aventura, que jaz mais ou menos adormecido em todos os seres humanos.

São aqueles que não duvidaram, ou que não deixaram a dúvida sucumbir seu anseio interno de crescimento e, mais ainda, aqueles que entenderam que as verdadeiras motivações, aquelas que tangem a Realidade do Mundo Ideal, não são passageiras e egoístas, mas identificadas com um mundo mágico e referencial.

Mais próximo de nós temos grandes exemplos, como o de HPB, como era conhecida a filósofa Helena Petrovna Blavatsky, que nasceu no século XIX, na antiga União Soviética, mas que trabalhou abnegadamente pelo bem de toda a humanidade, de sua época e do futuro.

Uma grande mulher que no momento de decisão abriu mão de sua vida pessoal e se entregou ao trabalho de seus Mestres, sem a menor hesitação ou mostra de fraqueza, e foi assim provada durante toda a sua encarnação. O que movia esta mulher fenomenal? O que a fazia continuar com ou sem apoio de seus contemporâneos, com ou sem recursos, às vezes até mesmo para a sua manutenção física?

Quando lemos sobre sua vida e vemos que ela continuou seu trabalho já sem saúde, muitas vezes desenganada pelos médicos que a atendiam, traída por aqueles a quem ela estendeu a mão e com quem dividiu o pouco que tinha, podemos compreender, se também temos um pouco, o que é o Verdadeiro Espírito da Aventura.

HPB viajou pelos quatro cantos do mundo conhecido e desconhecido de sua época, enfrentou situações extremas, inclusive em batalhas, enfrentou a má vontade das pessoas ignorantes e extremamente arraigadas às suas crenças e pseudo conhecimentos, justamente para procurar o Verdadeiro Conhecimento, que era patrimônio da humanidade, e que havia sido perdido pela própria ignorância dos homens.

O legado que nos deixou foi tão grande que até hoje, mais de 100 anos após sua morte, ainda não compreendemos quase nada do que foi compilado e escrito por ela em sua Doutrina Secreta.

Outro grande homem, já do século XX, o filósofo Jorge Angel Livraga, nos legou a herança deste espírito de vontade inabalável e de confiança absoluta nos mesmos Mestres de amor à humanidade, dando continuidade à imensa obra que Blavatsky empreendeu por todos nós.

O que moveu este verdadeiro filósofo por anos e anos de trabalho intenso e incansável, para construir uma oportunidade para o nosso século, de continuidade na busca desse conhecimento, foi o mesmo espírito de Helena Petrovna Blavatsky. O que fez com que ele dedicasse os melhores anos, ou quase toda a sua vida a reunir e ensinar aos homens e mulheres a essência desse conhecimento, foi o mesmo espírito aventureiro que move a todos os idealistas.

CONCLUSÃO

Existe um Espírito que move o ser humano a alcançar a sua verdadeira grandeza, a buscá-la apesar de todos os riscos e de todos os motivos contrários.

Este “Espírito de Aventura” que está latente em cada ser humano pode ser despertado e desenvolvido, como os Poderes Latentes dos quais nos falaram todos os grandes mestres da humanidade.

Eles nos legaram verdadeiras Escolas de Filosofia à Maneira Clássica que não apenas formam os filósofos, senão que permitem ou dão condições para que esses poderes que estão adormecidos dentro do ser humano despertem, se desenvolvam e se revigorem para enfrentar as aventuras que a vida nos propõe, as verdadeiras aventuras de se dedicar a um Ideal humanitário que levará o homem a ser este herói dos mitos, que triunfará e conquistará sua alma eterna.

Como dizem os poetas: “A aventura pode ser louca, mas o aventureiro deve ser lúcido”.

Muito poucos foram os que os compreenderam, mas os que se sentem seus discípulos agradecem esta imensa oportunidade de viver a Verdadeira Aventura Humana, a aventura de se arriscar e viver cotidianamente por um Grande Ideal.

Autor

Revista Esfinge