“Quando ouvimos falar de filosofia, ordem moral, respeito pelas opiniões religiosas, pensamos que uma civilização com essa tônica seria científica e tecnicamente inábil. No entanto, asseguramos que filosofia, arte, pesquisa científica, não são incompatíveis, mas complementares e necessárias umas as outras.” Jorge Ángel Livraga Rizzi

 

 

Na atualidade, para a maioria das pessoas uma Escola de Filosofia é algo quase carente de significado. É evidente que uma Escola de Filosofia é diferente de uma Faculdade de Filosofia, nem melhor nem pior, simplesmente diferente. Por isso, faz muitos anos, que a Nova Acrópole agregou a maneira clássica com o objetivo de poder contribuir para uma melhor compreensão desta ideia.

No entanto, tampouco fica claro o que significa uma Escola de Filosofia à maneira clássica. É um termo que se compreende como distante e alheio aos nossos tempos. É como falar de uma oficina para consertar quadrigas ou um estaleiro que se dedicava a fabricar trirremes.

Por não existir uma compreensão clara do que realmente é uma Escola de Filosofia, em uma tentativa bem ou mal intencionada, busca-se alguma relação que a possa explicar e, para tal, recorre-se a formas já conhecidas e como, evidentemente, uma Escola de Filosofia é algo diferente das formas habituais, escava-se o baú das recordações e temos:

Formas políticas, uma Escola de Filosofia é uma organização, tem uma estrutura que lhe permite cumprir com suas funções, então, de acordo com os preconceitos de cada um, é vista como próxima aos comunistas ou aos nazistas.

Formas religiosas, uma Escola de Filosofia tem certa dose de mística e de busca espiritual, então há de ser uma seita religiosa e aqui sim, o imaginário é abundante, já que na atualidade, as seitas religiosas se transformaram em um grande negócio.

Formas parasitas, o excessivo egoísmo mesclado com o materialismo e certa dose de desespero levou a utilizar qualquer forma de organização como as já mencionadas ou outras diferentes para obter, com alguma desculpa, benefícios pessoais, promovidos por uma cultura que considera a ambição como virtude. Então, uma Escola de Filosofia que realiza atividades culturais e educativas constantemente, sem fins lucrativos, parece suspeita, deve esconder algo. Além disso, como o imaginário pode estar alimentado de sensacionalismo e crônicas vermelhas, aparecem as mais curiosas e enfermas fantasias.

 

Ao longo da história vemos muitas Escolas de Filosofia que foram protagonistas da sociedade na qual viveram. Se for uma constante a existência de Escolas de Filosofia e de fato são anteriores a colégios e universidade, então quer dizer que fazem parte da sociedade e nela desempenham um papel.

Neste trabalho queremos aproximar-nos da natureza de uma Escola de Filosofia, com o objetivo de esclarecer o que é e qual é seu papel no mundo atual. Para isso, começaremos por uma pequena recontagem histórica na qual, considerando os limites deste trabalho, não pretendemos de nenhuma maneira esgotar a recontagem das Escolas de Filosofia, mas simplesmente selecionar algumas que nos sirvam de amostra para esta pesquisa.

 

A Academia de Platão

A Academia de Platão é a Escola de Filosofia por antonomásia, prova disso é que se tomou seu nome para a Academia da Língua, Academia de Ciências, Academia de História. No dicionário da Real Academia Espanhola, se define Academia como: “sociedade científica, literária ou artística estabelecida com autoridade pública”.[1]

No Tesouro da Língua castelhana ou espanhola, publicado em 1611, Sebastián de Covarrubias fala sobre a etimologia de Academia:

 “Foi um lugar de recreação e uma floresta que se distanciava de Atenas mil passos; dito assim de Academo, herói; e por ter nascido Platão neste lugar, e ensinado nele com grande concorrência de ouvintes, seus discípulos se chamaram acadêmicos, e hoje em dia a escola ou casa onde se juntam alguns bons engenhosos a conferir, toma este nome e lhes dá aos concorrentes. Mas para os latinos significa a escola universal, que chamamos de universidade”.

Foi no regresso de sua primeira viagem à Sicília em 387 a. C. que Platão fundou a escola de Atenas. A escola estava situada nos jardins consagrados ao herói Academo, e por isso recebeu o nome de “Academia”. A Academia era um centro de estudo e formação em temas filosóficos e científicos.

Em um artigo escrito pelo Prof.Dr.Mario Sapag-Hagar, Presidente da Comissão Superior de Avaliação da Universidade do Chile (1991-1998), que trata sobre a busca da verdade e da excelência acadêmica, elucida:

“Quando Platão regressou a Atenas no ano de 387 a.C, estabeleceu uma escola de filosofia em um jardim, a pouco mais de 1km de distância da cidade, com oliveiras, estátuas e templos, denominada Academos, em homenagem a seu primitivo proprietário, o legendário herói do Ático. Esta Academia de Platão perduraria durante novecentos anos como centro da vida intelectual grega e chegaria a se constituir como a precursora do pensamento universitário de hoje, ao que transmitiria sua virtude, suas ferramentas, sua força e sua missão. Missão de transmitir o saber por meio da docência, de criar conhecimento e formas novas mediante a pesquisa científica e artística e, por último, de transmitir a cultura, ou seja, como afirma Ortega, aquele sistema de ideias vivas que cada tempo possui e desde as quais o tempo vive”.

Aqui temos suma primeira definição do papel da Academia como Escola de Filosofia. É por um lado um centro da vida intelectual grega e também precursora do pensamento universitário de hoje ao que transmitiria sua virtude, suas ferramentas, sua força e sua missão. Esta missão o articulista resume em três aspectos que queremos destacar:

  1. Transmitir o saber por meio da docência; é uma entidade educativa que ensina e transmite o saber;
  2. Criar conhecimento e formas novas mediante a pesquisa científica e artística; é uma instituição na qual se desenvolve a criatividade por meio da pesquisa em todas suas facetas;
  3. Transmitir a cultura, colaborar com ideias que permitam resolver as conjunturas e problemáticas de cada época.

A Academia não só cumpriu sua função na época de Platão, como perdurou até o ano de 529 de nossa era, quando o imperador Justiniano de Bizâncio mandou fechar as Escolas de Filosofia. Durou então pouco mais de 900 anos, no quais contribuiu de forma constante com a educação, a cultura e semeou ideias. A Academia teve épocas e perspectivas diferentes desde o sucessor de Platão, Espeusipo, o filho de sua irmã, Potone. Alguns falam de quatro períodos e outro de cinco, mas durante os nove séculos que durou até o fechamento imposto por força, continuou cumprindo seu papel. Durante sua existência e assim que foi fechada, serviu de inspiração a outras Escolas de Filosofia.

O Liceu de Aristóteles

Aristóteles, filho de Nicômaco, o médico de Filipe II, esteve encarregado por este para a educação de seu filho, Alexandre. Aristóteles estudou 20 anos na Academia de Platão. Com a morte de Filipe, Aristóteles regressa a Atenas, onde Platão já havia falecido e funda sua própria Escola de Filosofia em 336, antes de nossa era, num bosque consagrado a Apolo Lycius e às Musas de Atenas, e ali recebe o nome de Liceu.

Aristóteles conduziu a escola pessoalmente até o ano 323, ano em que, com a morte de Alexandre Magno, a situação política se tornou instável e Aristóteles, por sua origem macedônica, era visto por alguns com maus olhos. Pressentindo que corria perigo de vida, deixou Atenas e se instalou na ilha de Eubeia, onde morreu no ano seguinte.

Havia no Liceu um sentido enciclopédico e Aristóteles gostava de recopilar o saber herdado do passado, assim conseguiu ter uma grande biblioteca, mapas e uma variada coleção de objetos para suas lições de história natural. Para isso, contou com a ajuda de Alexandre, que ordenou que levassem a seu antigo mestre o maior número de animais e plantas raras que se encontravam nos territórios estrangeiros que ele fosse conquistando.

O sucessor de Aristóteles na direção do Liceu foi Teofrasto, quem ocupou o cargo até sua própria morte, no ano de 287 A.C. Personagens que se destacaram foram Eudemo de Rodes, que escreveu a petição de Aristóteles, uma História da Matemática, como parte de um plano de recopilação. Diceraco de Messina, que se destacou em geografia, Mênon em Medicina e Fânias de Ereso na poesia.

Logo, Teofrasto tornou-se encarregado do Liceu; Estratão de Lâmpsaco até sua morte em 269 a.C. Membro do Liceu foi Demétrio de Faleras, que foi ao Egito e, com o apoio de Ptolomeu I, fundou o Museu e a Biblioteca de Alexandria.

Entre os anos 269 e 225 a. C., o Liceu esteve sob o comando de Lícon de Laodiceia. O número de alunos – que anos atrás havia alcançado o marco de dois mil – teve uma queda notável. Critolau sucedeu Lícon e exerceu a direção entre 225 e 143 a. C.

Durante a segunda metade do século II a.C. o Liceu foi saqueado diversas vezes. Em 84 a.C. foi destruído. Finalmente, deixou de existir em 529 da era cristã, junto com a Academia, quando o imperador Justiniano de Bizâncio, com a finalidade de dar prioridade aos estudos cristãos sobre os pagãos, deu a ordem para fechar todas as escolas filosóficas de Atenas. Muitos estudiosos atenienses, impossibilitados de continuar com suas tarefas na cidade, partiram, levando consigo valiosíssimas obras para outras cidades do oriente próximo, como Gaza, Damasco e Antióquia, entre outras.

Francisco Ávila, referindo-se à história das universidades, diz: “O Liceu de Aristóteles, denominado assim por estar localizado perto do templo de Apolo Lycius, foi o mais amplo santuário de conhecimento da época. A sistematização do conhecimento, assim como a investigação de novos conhecimentos com a ajuda da observação e da lógica, constituiu o objetivo mais claro do Liceu”.

O Estoicismo

Esta escola foi fundada por Zenão de Cítio, nascido no Chipre em 333 a.C. que, em sua chegada a Atenas em 311, e depois de entrar em contato com a filosofia socrática, cínica e megárica, veio a fundar a escola. Como ministrava suas aulas na Stóa poikilé, vai receber o nome de Escola Estoica ou Escola do Pórtico.

Zenão more no ano de 261 a.C e Cleantes o sucede e depois Crisipo, que vai sistematizar o ensino de Zenão. Em conjunto, os três vão formar o que hoje chamamos de Estoicismo Antigo.

Depois de Crisipo, Diógenes da Babilônia e Antípatro de Tarso dirigiram a escola, dando início à época denominada Estoicismo Médio, tendo como figuras principais Panécio de Rodes (185 – 109 a.C) e Posidônio de Apameia.

Esta humilde escola, em sua aparência externa, a tal ponto que no começo ministravam suas aulas num portal, chegará a Roma com Posidônio e suas ideias terão grandes influências no Império Romano, no que conhecemos como a terceira época, chamada de Estoicismo Imperial. Suas principais figuras serão Sêneca (4 a.C – 65 d.C.), Epiteto (50-130 d. C.) e o imperador Marco Aurélio (121-180 d. C.).

A vida sóbria e a capacidade de enfrentar as vicissitudes com integridade dos membros desta Escola passaram à posteridade e, quando alguém é capaz de viver conforme esse exemplo, chamamos de estoico.

A Escola de Alexandria

Chamada também de Escola Eclética porque buscou resgatar o legado das numerosas Escolas de Filosofia gregas, mas também a sabedoria proveniente do Egito e do oriente médio.

O fundador da Escola será o sábio Amônio Saccas e terá como discípulo o grande filósofo Plotino. Outras figuras fundamentais serão Porfírio, que vai reunir os ensinamentos de Plotino nas seis Enéadas, Proclo y Jâmblico e, mais adiante a filósofa, cientista e mártir Hipátia, torpemente assassinada por uma multidão fanática de seguidores do arcebispo de Alexandria, Cirilo.

Os membros desta Escola eram chamados de Filaleteus, amantes da verdade.

A Escola de Alexandria cumpriu um papel de resgate da tradição cultural e, por meio dela, de inspiração a filósofos, artistas e cientistas.

A Academia de Florença

Como último exemplo, nos referiremos à Escola de Florença. Em meio a esse fenômeno de eclosão histórica que foi o Renascimento e com seu motor e inspiração, vamos encontrar esta Escola de Filosofia.

Graças ao mecenas Cosme de Médici, Ficino vai fundar a Academia de Florença, que começou como um centro de traduções, dedicando-se especialmente a traduzir o Corpus Hermeticum – reunido por M. Pselo no século XI, que compreende: Poimandres Asklepios, Oráculos Caldeus e Hinos Órficos, as obras de Platão e o neoplatonismo, com a tradução e comentários dos Diálogos de Platão como O Banquete, Fedro, Parmênides, Apologia de Sócrates, República, As Leis; assim como os textos neoplatônicos, herméticos e cristãos, de Proclo, Porfírio, Jâmblico e Plotino, de São Paulo e de Dionísio Areopagita, Hérmias, Sinésio, Alcínoo ou M. Pselo.

Uma vez mais, uma Escola de Filosofia começa a resgatar o legado da tradição cultural, pois seus precursores queriam que houvesse uma reabertura da Academia de Platão em Florença, reabertura essa que foi sob os auspícios do filósofo de Bizâncio, Jorge Gemisto Pletão.

A academia de Florença é um diálogo de ideias que serão o alicerce para os artistas, cientistas e filósofos, que vão impulsionar o Renascimento.

 

Outras Escolas

Como falamos no princípio, tomamos como exemplo apenas poucas Escolas de Filosofia, mas a tradição ocidental é bem mais ampla do que vimos e não tratamos de nenhuma das muitas Escolas de Filosofia no oriente, como as Darshanas, que vão contribuir para gerar toda a cultura védica ou a Escola de Confúcio, que dura até nossos dias como fundamento cultural e civilizatório da China, Japão e Coreia.

Contudo, de todos estes exemplos, podemos extrair algumas conclusões sobre o tema que nos interessa: o Papel de uma Escola de Filosofia.

Escolas de Filosofia como educadoras

Como vimos, um dos papéis fundamentais das Escolas de Filosofia ao longo da história é a Educação.

Naquele tempo, em que as Escolas de Filosofia não ocupavam seu papel na sociedade e perderam a vigência, a educação se transformou num processo de transferência de conhecimentos, ou seja, em instrução.

Além das metodologias e conteúdos, como ponto de partida, a Educação sob uma perspectiva filosófica tem dois objetivos fundamentais: “O primeiro, receber essa Ideia que é o Homem e ajudá-lo em seu passo pela vida com uma adaptação gradual aos marcos biológicos e logo prepará-lo para deixar o mundo sem ignorância nem temor. O outro, sujeitar suas subestruturas pessoais à Vontade e Inteligência, de maneira a despertar o seu Eu e convertê-lo em um cidadão consciente, feliz e útil” Jorge Ángel Livraga.

O primeiro objetivo da Educação se sustenta em uma perspectiva antropológica que considera o ser humano em toda sua magnitude, não como um robô, o qual uma pessoa pode programar conforme as necessidades de produção ou consumo, mas como uma Ideia, que pode ser desenvolvida graças à Educação. Como esta concepção considera o ser humano no seu conjunto, há educação em todas as idades porque seu objetivo é a adaptação gradual aos marcos biológicos e então prepará-los para deixar o mundo sem ignorância nem temor.

O segundo objetivo concebe o ser humano como uma Potencialidade, que pode se fazer ativa na medida em que a Educação o promova. Não se trata apenas de informar, mas de permitir a realização do ser humano por meio do desenvolvimento dessas Virtudes potenciais, de modo a respeitar seu Eu e convertê-lo num cidadão consciente, feliz e útil.

A Educação concebida como extração de potencialidades latentes, sempre foi um dos papéis fundamentais das Escolas de Filosofia. Por isso, contribuíram sempre, de forma eficaz, à formação de cientistas, artistas, artesãos e políticos.

 

 

As Escolas de Filosofia e a difusão cultural

Atualmente, entendemos a cultura como ornamento ou algo que uma pessoa pode cultivar, se é que lhe sobra tempo, ou seja, não se vê o sentido da cultura.

Plantas e animais necessitam de capacidades biológicas para evoluir e enfrentar os desafios expostos pela sobrevivência. O ser humano, não evolui nem enfrenta seus desafios com seus recursos biológicos, bem mais escassos se comparados aos dos animais. A ferramenta evolutiva do ser humano é a cultura, pois com ela enfrenta os desafios, com ela evolui.

Nós, os seres humanos, não vivemos na natureza agreste. Uma característica própria da cultura humana é a intervenção do ambiente natural para criar um ambiente cultural, no qual as coisas não só têm valor material, mas também simbólico e, inclusive, espiritual.

O tempo e espaço no qual vivemos é um tempo e espaço cultural e disso encontramos exemplos em todas as culturas que orientam o espaço e colocam ritmo no tempo, de acordo com os padrões culturais.

A cultura é a que permite enfrentar os desafios, a plasmação concreta da cultura é o que chamamos de civilização. Assim como as plantas e animais requerem uma diversidade biológica para enfrentar seus desafios, o ser humano requer uma diversidade cultural para enfrentar os seus.

Este resgate da tradição e da diversidade foi um entre os papéis fundamentais das Escolas de Filosofia.

A maior dificuldade para poder resgatar a diversidade cultural é não aproximá-la aos preconceitos de raça, de nacionalidade, de crença, de condição social. Quando se faz um resgate cultural através de perspectivas que a priori consideram que seu ponto de vista é válido e os demais estão errados, já não se resgata nada, salvo os mesmos preconceitos com os quais se começou.

Uma Escola de Filosofia que ama e busca a verdade, compreendendo e respeitando as diferenças, mas buscando o humano acima de tudo, está em condições de fazer esse resgate e, por isso, este é outro papel próprio de uma Escola de Filosofia na sociedade.

 

As Escolas de Filosofia e a semeadura de ideias

Um dos grandes êxitos na história da cultura foi a agricultura, que permitiu passar de uma vida nômade a criar assentamentos estáveis, nos quais se fortalece o intercâmbio cultural. O ponto de partida da agricultura são as sementes, e de sua semeadura cuidado e colheita, depende a subsistência física da sociedade.

No âmbito da cultura, as sementes são as ideias.

Desde a semeadura até o cuidado para fazer com que elas cresçam, depende da colheita cultural. Se não temos ideias, é como ter um campo fértil, mas não contar com as sementes.

A preservação das sementes está clara e se investem grandes quantidades de dinheiro e recursos de todos os tipos nisso porque são um tesouro muito mais valioso do que parece se vistas do alto.

No entanto, não ocorre o mesmo com as ideias. Quando um jovem divide ideias diferentes com sua família, em vez de estudá-las, analisá-las e ver se há nelas algo de valor que vale a pena resgatar, geralmente combatem a ideia do jovem, acusam a pessoa de rara ou excêntrica. O pior é que isso está acontecendo nas mesmas instituições que se dedicam à Educação. Se os alunos discordam ou põem em dúvida as ideias que os professores lhes ensinam, em vez de dar abertura a eles, os perseguem. Poucos são os jovens que têm a coragem de expor suas próprias ideias ou de buscar ideias novas, pois a maioria prefere não parecer um problema e repetir de forma mecânica o que dizem os textos e os professores.

Por outro lado, o mesmo acontece com a maioria dos professores que, em vez de gerar novas ideias, repete as comumente aceitas no âmbito através do qual se desenvolve, para não ser repudiado ou estigmatizado.

Com estes hábitos, perdemos a possibilidade de contar com uma bagagem maior de sementes e, pouco a pouco, vamos colhendo os mesmos resultados e vamos nos tornando todos mais “normais”.

É certo que a massificação, por meio de uma só cultura, cria um mercado mais dócil e fácil de manipular, mas esse não é o objetivo da vida humana. Produzir e consumir é parte da atividade de sobrevivência, mas de nenhuma maneira o objetivo ou sentido da vida.

Mas as Escolas de Filosofia, por sua própria natureza, buscam ideias e as semeiam por meio de sua atividade educativa e cultural, contribuindo para uma colheita mais variada e, portanto, mais natural.

Semear ideias é outro dos papéis fundamentais de uma Escola de Filosofia.

 

O cenário atual

No cenário atual, tanto o setor público quanto o privado obtêm resultados pobres em seus afazeres, no geral, e sem descartar as poucas exceções, ambos estão viciados em materialismo e economicismo.

Em vez de trabalhar com ideias, as chamadas ideologias políticas foram construídas sobre crenças que defendiam um grupo em detrimento de outro, que são o fundamento das distintas correntes políticas. Na atualidade até essas crenças, que eram o fundamento da prática política, foram substituídas por um clientelismo eleitoral e os partidos políticos que antes representavam essas correntes são hoje máquinas de propaganda em busca de perpetuar certos grupos no cenário político. Mas, curiosamente, este enfoque está conseguindo que cada vez menos pessoas estejam interessadas no que acontece no âmbito político na sociedade.

O espaço das ideias ficou vazio e foi ocupado pela técnica, em particular pela economia.

A economia é uma das atividades do ser humano e é importante considerá-la como tal, mas quando ela se transforma no objetivo da política, quando pensamos que todos os problemas da sociedade são resolvidos mediante o crescimento econômico, isso é uma alienação que recebe o nome de economicismo. Não existe nenhuma civilização na história que tenha surgido devido a sua prosperidade econômica, mas sim a prosperidade é o resultado de outros fatores. O economicismo é, como toda alienação, um grave erro estratégico.

Esta supervalorização da economia leva o setor público à busca de crescimento econômico sobre outros fatores. Como a economia é mais técnica que humanista, então é administrada com base em decisões, mas que afetam as pessoas. Hoje é comum escutar aquela história de “custo social” que é um eufemismo, para não mencionar que 40% da população mundial vive na pobreza e que ano a ano morrem quase a mesma quantidade de pessoas que na Segunda Guerra Mundial, mas de fome.

No setor privado também se usa o incremento econômico como única pauta de desenvolvimento, se a isso somamos o egoísmo e a ambição, encontramo-nos com o fato das relações humanas se transformarem em competência em vez da convivência.

Este enfoque que reduz a perspectiva da sociedade e o ser humano a apenas um aspecto, faz com que se perca a importância dos valores humanos e que sejam substituídos por medições quantitativas, com as quais a economia trabalha. Isto abre rapidamente o caminho da corrupção. Sun Tzu ensina em A Arte da Guerra que é necessário usar a ambição como tática, já que esta tem a virtude de confundir a mente do inimigo. Hoje se utiliza como o indutor que faz com que muitas pessoas possam ser facilmente exploradas pela ambição e isso se consegue facilmente por sua característica de semear confusão e, com a mente confundida, já custa a discernir que é o correto e o incorreto, às vezes nem sequer se percebe.

Diante destes pobres resultados do setor público e privado, está emergindo o terceiro setor. Este pode se constituir em uma oportunidade, na medida em que não se caia nos mesmos vícios, pois o problema não está no fato de que haja mais ou menos setor público ou privado. Ambos podem ser benéficos se forem conduzidos por pessoas educadas, com o intuito de desenvolver os valores humanos que façam do trabalho delas um exercício das virtudes e que sejam capazes de encontrar e conduzir boas ideias que contribuam com o bem comum.

Buscaram a solução dos problemas nos Sistemas, mas também são culpados dos fracassos e, por isso, hoje os sistemas e os partidos políticos vão perdendo credibilidade e, portanto, força. Em maio de 1989 o filósofo Jorge Ángel Livraga escrevia em um artigo:

“Pouco importa que um país seja governado por “direitas” ou “esquerdas”, que seu regime seja presidencial ou monárquico. O que é válido é se o homem, ou os homens responsáveis da administração de um país, são gente boa, honrada, justa, valorosa e íntegra.

O pior dos sistemas se está integrado e conduzido por homens bons, traz felicidade ao povo, riqueza, bonança e paz. O melhor de todos os sistemas, se seus governantes são pessoas carentes de moral, será um suplício para os governados. ”

A ciência e a tecnologia tiveram um desenvolvimento extraordinário, além do que havíamos imaginado e isto produziu um crescimento econômico no século XX como nunca havíamos visto na história, junto com a população que quintuplicou no século XX.

No século XIX e no começo do XX se pensava que o desenvolvimento tecnológico sempre era um benefício para a humanidade. Hoje em dia vemos problemáticas gigantescas no meio ambiente, cujas consequências poderiam ser catastróficas e no horizonte destacam se outros perigos, talvez piores nas novas técnicas como a biotecnologia. É evidente que a culpa não é da tecnologia que é uma ferramenta, assim como um martelo nas mãos de um carpinteiro é uma ferramenta útil e um perigo nas mãos de um desequilibrado. A tecnologia é uma ferramenta que será fonte de prosperidade e benefício para todos ou uma arma muito perigosa nas mãos de pessoas ou grupos, cuja mente esteja confundida pela ambição.

O problema não está na ciência ou na tecnologia, mas no uso que se faz delas. Ainda que não esteja na moda, necessitamos de homens e mulheres bons, honestos, valentes e generosos.

 

O papel de uma Escola de Filosofia no Cenário Atual

Desta breve análise do cenário que fizemos mostra de forma clara qual é o papel de uma Escola de Filosofia na atualidade, que é similar ao que assumiram outras Escolas de Filosofia ao longo da história. Inserir-se fortemente em sua sociedade numa ação comprometida que se expressa nos três aspectos já mencionados.

Educar, fazendo surgir as potencialidades latentes no ser humano por meio de uma formação que se sustenta nos ensinamentos dos grandes sábios e filósofos de todos os tempos e diversas culturas. Neste processo formar homens e mulheres honestos, valentes e generosos, que trabalhem sem ambição por um bem comum, não por prêmios, mas por dever moral e dignidade.

Difundir a cultura, tomando dos exemplos da história aquelas experiências úteis, adaptando-as às necessidades atuais. Por difusão cultural não se entende somente uma atividade intelectual, mas também contribuir para pensar em soluções para os problemas atuais da sociedade.

Semear ideias que tampouco é um processo intelectual, mas filosófico. É o que caracteriza toda Escola de Filosofia, apaixonar-se pelas ideias, viver para esse Ideal, trabalhar para levá-las à prática e assim obter como colheita, quando o Tempo o fizer possível, um mundo que seja Novo e Melhor.

[1] Além dessa definição do Dicionário da Real Academia Espanhola, No Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Academia indica a Escola de Filosofia fundada por Platão em 387 a. C. (Nota do revisor).

Autor

Revista Esfinge