Os poetas, os filósofos e todo o ser humano, cuja alma está viva, sempre falaram do amor. No amor se tem visto o mais nobre e grande sentido que se possa dar à vida. Mas o que é o amor? Qual é a sua essência? Todos nós experimentamos amor, mas o que é exatamente?

As formas por meio das quais os seres humanos experimentam o Amor ao longo da vida são múltiplas. Nós sentimos amor por aqueles que são mais novos e mais frágeis do que nós e a quem pudemos dar o melhor de nós mesmos. Nós sentimos amor por aqueles que são mais velhos e que deram o melhor de si mesmos. Nós sentimos amor pelos que são nossos iguais, os amigos de alma e os parceiros com os quais crescemos. Devemos amar a nós mesmos. E também amamos o grande e o eterno, amamos a Natureza que nos envolve, o Mistério do qual fazemos parte, e as respostas do ser humano para ele mesmo: as ciências, as artes, a mística e a filosofia.

Para responder às perguntas mencionadas sobre o amor iremos recorrer a Platão. No diálogo do Banquete ele pôs nos lábios da sacerdotisa Diotima um belo mito que nos aproxima à essência do amor:

Quando Afrodite (Deusa Grega da Beleza) nasceu, os deuses celebraram isso com uma grande festa. Entre eles se encontrava Poros (símbolo da abundância). Depois do jantar, Penia (símbolo da pobreza) se apresentou pedindo algumas migalhas, sem ousar passar da porta. Naquele momento Poros, embriagado de néctar, saiu da sala e entrou no jardim de Zeus, onde o sono não tardou a fechar suas pálpebras cansadas. Penia então, instigada pela sua pobreza, teve a idéia de ter um filho de Poros; deitou-se ao seu lado e foi mãe de Eros (o Amor). Por isso Eros é o companheiro e servidor de Afrodite, visto que foi concebido no mesmo dia em que ela nasceu e também porque ama a beleza, sendo Afrodite bela. Como filho de Poros (a abundância), teve como herança ser encantador, valente, perseverante, engenhoso e generoso. Como filho de Penia (a pobreza), sempre está procurando algo para suprir o que lhe falta, pois o amor também é expressão de carência.

O mito nos ensina que o amor é uma força intermediária entre o mundo de seu pai, o mundo do eterno, do perfeito, dos arquétipos onde não só reside, para Platão, o Belo, mas também o Bom, e a Sabedoria, e o mundo de sua mãe, do que é passageiro, mutável, carente, imperfeito no qual nos movemos. O amor é então um laço que une o grande e o pequeno, o perfeito e o imperfeito, o diferente, de um modo geral. A própria essência do amor é a de ser intermediária, ponte entre os diferentes, o que está simbolizado no mito pela sua dupla origem.

Amor é União

De um ponto de vista mais geral, sempre que dois elementos estão unidos, não é incorreto dizer que existe amor entre eles, que se buscam, que se complementam. Por isso pensadores como Dante explicaram que o amor é que move o Sol e as estrelas. Por isso no Egito seu símbolo era o da Deusa Ísis, a Deusa do Amor e da Vida, o laço, a força, a ligação que mantém unida todas as coisas e todos os seres.

A relação que Platão faz entre o amor e Poros, a abundância, não nos surpreende, porque todos nós sabemos que o amor é generoso, valente, que para ele não existem limites. Mas, por outro lado pode nos surpreender o parentesco do amor com Penia, a pobreza. Mas é muito certeira essa explicação porque realmente amamos, procuramos, o que não temos, o que não possuímos. Sentir amor é ser consciente de nossas carências, do que nos falta. Amar é procurar a própria completude. Deixar de querer crescer é banir o amor de nossas vidas.

Mas há um terceiro elemento no mito que é fundamental. Eros sempre acompanha Afrodite, a Deusa da Beleza e da Harmonia. O amor sempre procura o Belo, o Bom, o Justo, o sublime, e por isso a conseqüência imediata do amor é a transformação, o crescimento, porque é uma força, um vetor que aponta para cima, para as estrelas.

O Amor é uma união com ansiedade do céu. O fruto do verdadeiro amor é o crescimento. Por isso o querido Julián Marías, discípulo de Ortega e Gasset, define o amor como transformação. O amor não é propriamente transformação, ele é união com sentido ascendente, mas a transformação é seu produto inevitável, portanto é muito bela a identificação do amor com seu fruto, com sua flor.

Quando pensamos que uma relação é de amor, perguntemo-nos: existe verdadeira dação generosa? Existe recepção? Existe crescimento, transformação? Se for assim, estamos ante um verdadeiro laço de amor, senão só estamos ante a sua sombra.

O amor pelos mais novos

Amar uma criança ou alguém com necessidades é fundamentalmente educá-lo. Educar não é introduzir uma infinidade de dados na cabeça da criança, é educire, tirar dela suas qualidades latentes, é ajudá-la em seu próprio processo de transformação e crescimento. Educar é basicamente ensinar a frear o egoísmo para que as virtudes possam ter seu espaço vital. Uma criança a quem não é ensinada superar o seu egoísmo lhe custará muito a aprender a amar porque não saberá olhar além do seu próprio umbigo. A uma criança que não é ensinado a disciplina de conter-se a si mesmo e superar sua preguiça lhe faltará força para conquistar qualquer meta que requeira esforço contínuo, que seja uma ciência ou uma arte. Quem não domina a si mesmo não pode dominar nada externo a si mesmo.

Há uma falsa idéia relativa ao amor de que este sempre tem que ser algo “doce” que, quando existe amor, nunca há momentos de tensão. Não, o amor é uma grande força que une, mas que tem uma direcionalidade clara: crescer e transformar-se. O crescimento não só precisa de calor, mas de retidão quando ainda não é suficientemente forte. É como uma pequena planta trepadeira que precisa do calor e da luz do sol, mas também precisa de alguns tutores para poder ir elevando-se até desenvolver sua própria força vertical. As pessoas que pedem em troca pelo que deram, não amam, negociam. O pai que não sonha ver seus filhos “voarem”, mas que sempre quer que dependam dele, tampouco ama, é realmente um egoísta. Os filhos são companheiros em uma fase da vida, portanto não devemos projetar neles nosso sentido existencial, ou seja, não devemos evitar nossas próprias lutas e conquistas individuais, tendo eles como desculpa.

O amor pelos mais velhos

Quem recebe amor, corresponde naturalmente com amor. Isso é o que sentimos pelos nossos pais e também por todas aquelas pessoas que nos ajudam a descobrir nossos próprios sonhos da alma, nosso próprio destino. Assim amamos, ou nos lembramos com carinho (outra expressão do amor) daquele professor da escola que nos fez despertar amor à física, à poesia, à história ou à matemática. Aquele que não se preocupou em dedicar seu tempo fora do horário, que nos fez descobrir que aquelas idéias nos entusiasmavam e abriram assim outro campo de amor para ser cultivado em nosso coração.

O amor é um elemento vital para qualquer ser humano. Uma vida carente de amor é uma vida carente de crescimento e, então, deixa de ser vida. Mas existem muitas formas de dar e de construir. Personagens como Leonardo da Vinci, Botticelli, Michelangelo, Gaudí e Newton não tiveram filhos, biologicamente falando, mas suas obras e seus discípulos foram a forma em que seu amor floresceu por se aproximarem da beleza eterna ou das leis da natureza. Se a “lei” do amor aos mais novos se baseia em fortalecê-los de forma que um dia possam estender suas próprias asas e voar, a “lei” do amor aos mais velhos, a todos aqueles seres humanos que contribuíram para o nosso despertar, que nos servem de guia, que nos fazem crescer, é de aproveitarmos ao máximo seus exemplos, suas obras, e de transmitirmos, por sua vez, o ouro que temos recebido deles.

Se o primeiro amor do qual falamos, o que se experimenta dando, é filho de Poros, da abundância, o segundo tipo de amor que se experimenta recebendo desses que são mais velhos faz parte desse Eros, filho de Penia, da pobreza: aquele que ama o que ainda não possui.

O amor entre iguais

O amor entre iguais abarca a amizade, o amor ao cônjuge e a si mesmo. Amamos a um amigo de alma, amamos porque crescemos junto com ele, mas também fundamentalmente porque com ele podemos ser nós mesmos. Quando temos vários amigos, com cada um deles floresce um sentimento particular em nossa alma. Um amigo é quem nos conhece tal como somos e nos aceita desse modo. Um amigo sabe escutar sem nos julgar, sem querer nos mudar. Saber escutar é uma expressão fundamental do saber amar, e não se escutam só as palavras; quem sabe escutar sabe ver basicamente como estão os seres humanos com os quais se convive, sem necessidade de que haja palavras.

Em um verdadeiro amor não se quer mudar o ser amado, precisamente já é querido pela beleza que já vemos dentro de sua alma; amamos seu coração, sua felicidade, sua generosidade, sua força, seu valor, sua inteligência profunda,… o queremos por suas próprias características que são diferentes, afortunadamente, das nossas. Quando se quer mudar alguém não se ama de fato, se quer satisfazer o desejo egoísta de que essa pessoa orbite ao redor de nossa comodidade. O verdadeiro amor ama o que há de bom e belo em cada ser humano e quer que essas sementes cresçam: por isso Eros, o Amor, sempre acompanha Afrodite, a Deusa da Beleza e da Harmonia. Amar alguém é amar a beleza que esse alguém possui mais além de seus defeitos.

O amor no casamento

Quanto ao amor que nós chamamos de romântico, habitualmente ele confunde o estado de enamoramento com o verdadeiro amor. O enamoramento é um preâmbulo maravilhoso, mas nem sempre leva ao Amor com letra maiúscula, que é um sólido laço que se constrói ao longo de toda uma vida, quando se põe em jogo muito respeito, compreensão, fé e também inteligência. O verdadeiro amor se constrói quando se superam muitas dificuldades, quando as pessoas crescem juntas. É habitual aparecer como símbolo do amor um casal jovem de mãos dadas, mas seria muito mais real se fosse um par de idosos cujos corações se sentem plenos quando olham para trás e vêem tudo que construíram juntos. Os maiores amores são os que são conquistados com vontade e com inteligência, com verdadeiro desejo de compreender-se e amar-se, de crescer.

Não se pode viver bem como casal se primeiro não se é indivíduo, se primeiro não se aprendeu a viver por si só. É importante aprender a viver contando somente com nossas próprias forças, para poder viver bem com outro ser humano. É importante que o amor dê a mão à inteligência: escolhamos primeiro nossos sonhos e vejamos logo se podemos compartilhá-los. Um casal não pode se relacionar bem se ambos não olham, como meta de suas vidas, para a mesma estrela ou para estrelas muito próximas.

O amor por si mesmo

É ter fé em nós. É termos paciência e nos alegrarmos com nossos pequenos êxitos, porém ao mesmo tempo termos capacidade de nos autocorrigir para crescer.

É ver as próprias virtudes e desenvolvê-las, ver os próprios defeitos e combatê-los. Quem é demasiadamente autocomplacente deve se exigir mais. Quem é demasiadamente exigente deve se alegrar por suas conquistas, pelo que tem conseguido, e não se angustiar tanto pelo que lhe falta. Amar-se é apreciar-se na justa medida, aquele que se vê perfeito e crê que nunca se equivoca não pode crescer. Quem somente vê as suas limitações, imperfeições e erros acabará odiando-se, porque o amor busca o belo, o bom. Amar a si mesmo é aperfeiçoar-se constantemente.

Viver com amor

O desejo é passivo, é o que se converte em um centro que quer atrair para si o objeto ou o ser amado, sem aspirar a nenhum tipo de crescimento. O amor é ativo, expansivo, é a contínua transformação ascendente em si mesmo e no objeto ou no ser amado. Saber amar implica conhecimento, reflexão e muitíssima ação.

Amar começa por olhar para fora, para além de nosso pequeno e interessante mundo egoísta. Talvez sintamos falta do amor em nossas vidas porque deixamos de buscar apaixonadamente tudo que é bom, belo e justo. Platão do diálogo do “Crátilos” ou da “Exatidão das Palavras” nos recordava que os heróis, os seres humanos que se esqueceram um pouquinho de si mesmos, buscando o que é melhor para todos, são filhos de Eros. Os grandes artistas, os grandes cientistas, os grandes mestres da humanidade, são filhos do amor, o herói que vive em Eros. Há que ter muito amor na alma para sonhar baixar os eternos ideais a esta terra, para não descansar até que haja um pouco mais de fraternidade e beleza. O ser humano é como uma flecha lançada da Terra até o Sol, não somente sonhamos em aperfeiçoar-nos, em crescer, mas em viver crescendo tanto individual como coletivamente, pois só assim vamos encontrar a felicidade. Parece que o segredo de viver com amor é viver sempre inspirado pela busca da “Afrodite de Ouro”, pela busca dos eternos ideais.

Pilar Luis

Autor

Revista Esfinge