O tempo é algo fundamental em nossas vidas, mas quando tentamos defini-lo, nos escapa como areia entre os dedos. Já dizia Santo Agostinho que “se ninguém me pergunta, eu sei, mas se trato de explicar a quem me pergunta, não o sei”.

A complexidade do tempo

Ao longo da história existiram diferentes teorias sobre o tempo. Fazendo uma rápida retrospectiva das mesmas, podemos sintetizar em cinco formas de concebê-lo.

  1. O tempo físico. Exotérico ou externo, o que transcorre fora de nós. É objetivo, homogêneo e mensurável. É o tempo que marca o relógio ou o tempo de duração da rotação do eixo da Terra.
  2. O tempo psicológico. Esotérico ou interno, ocorre em nosso interior. É subjetivo e variável. É como vive cada um o tempo de sua vida segundo sua própria experiência.
  3. O tempo histórico, tem uma dupla possibilidade. Caso seja considerado como o conjunto dos feitos do passado, não passa de um tempo exotérico e intelectual no qual estamos imersos, porém não podemos controlar. É mensurável, mas nos arrasta. Caso seja concebida a História como mestra da vida, então podemos ser atores do mesmo, ao reconhecermos a história e trabalharmos com ela. Aqui integram-se plenamente o tempo individual e histórico.
  4. O tempo linear e progressivo, muito conectado ao tempo físico. Um fator conduz ao outro de forma irreversível. Exemplo: com o passar do tempo o corpo físico envelhece. Aplicado ao tempo psicológico ou interior, cria ideias irracionais, como: de que cada dia há de ser melhor que o anterior, de cada vez termos de fazer coisas melhores, de que sempre temos de ser simpáticos, alegres e divertidos, dentre outros. Estas ideias degradam nossa autoestima e são causa de enfermidades e depravações, se buscamos vivê-las “a qualquer preço”. Ontem me diverti muito, hoje vou repetir porque tenho que me divertir ainda mais.
  5. O tempo simbólico ou sagrado. É cíclico, devolvendo cada coisa ao seu início no final do ciclo, mas esse retorno tem algumas diferenças que permitem que seja vivenciado de forma diferente. Exemplo: o sol nasce todos os dias, mas nunca nasce do mesmo lugar. É a base da teoria cíclica. Psicologicamente ensina que cada dia é diferente e não necessariamente tem que ser superior ou igual ao outro, sendo uma grande oportunidade: ontem me diverti muito, hoje também posso me divertir fazendo outras coisas diferentes das que fiz ontem.

Assim temos uma rápida visão da complexidade do tempo e diante a todo esse panorama não pretendermos definir o tempo, se não, o valor que tem para o ser humano, que é nosso objeto de hoje.  

Sêneca sobre o valor do tempo

“O importante não é o tempo que se vive, mas como o viveu”

“Morrer mais cedo ou mais tarde não é a questão; morrer bem ou mal, essa é a questão; mas morrer bem pressupõe evitar o risco de morrer mal.”.

“Toma um pouco de tempo para si”

Insiste o filósofo de Córdoba que o importante não é a quantidade de tempo que se vive se não sua “qualidade” filosófica.

No que consiste a qualidade filosófica da vida?

“Viver não é um bem, mas sim viver com retidão.”

“Sempre que queira saber o que há de evitar ou buscar, toma em consideração o bem maior, o objetivo de toda a sua vida. Tudo o que fazemos deve ser harmonizado com ele: somente aqueles que elevaram suas vidas com uma visão global podem resolver casos particulares.”

“O bem maior é a honestidade. Este é o único e supremo bem, todos os outros bens são falsos e bastardos.”

Para Sêneca, virtude é retidão e honestidade. Como a honestidade é alcançada?

“Se disto te convencer e apaixonar-te pela virtude – porque amá-la é pouco – tudo o que ela alcançar será para ti venturoso e feliz, qualquer que seja o julgamento dos outros.”

“Tenha isto claro: nenhum bem existe que não seja honesto, e todas as contratempos são também bens por si só, se enfrentadas com ânimo virtuoso.”

“O bem não existe sem a honestidade, e a honestidade é a mesma em todos os bens.”

“O único bem é a virtude, nenhum bem existe separado dela; a própria virtude encontra-se situada na razão, que á a parte mais nobre de nosso ser. Mas, no que consiste essa virtude? Em juízo verdadeiro e estável: dele procederá o impulso da vontade, e conferirá claridade a toda idéia que se motive deste impulso.”

“A virtude é o bem supremo de onde se fixa nossa vontade. A virtude não tem necessidade alguma porque desfruta do que tem na mão e não cobiça o que lhe falta. Nada parece-lhe escasso se for suficiente.”

               O filósofo estóico nos indica que primeiro devemos buscar chegar a esta convicção através da reflexão; depois há que viver esta convicção. A convicção, baseada na razão, irá nos levar à virtude e a honestidade: “um julgamento verdadeiro e estável” um julgamento, fruto de nossa reflexão e experiência, que nos permita elaborar em torno dele todo nosso projeto de vida como seres-humanos, sem sermos afetados por modismos, por correntes de opinião dos outros ou por circunstâncias adversas. Como deste julgamento – virtude – é sempre o mesmo, isto nos permite ser sempre nós mesmos e extrair o melhor de tudo o que nos rodeia e nos acontece.

    O que nos provoca infelicidade e nos afasta da virtude?

“O único caminho para se dirigir a um lugar seguro (harmônico, sem instabilidades) é não se importar com os bens dos outros e contentar-se com a honestidade.”

“Ninguém luta contra quem se afasta, ninguém golpeia quem se retira; é o desejo de recompensa que causa brigas e confrontos”.

“Sem recompensa, não há discussão.”

“Se não somos virtuosos, passamos a vida reclamando, porque existem inúmeras inconveniências que acontecem ao homem ao longo de sua vida, e todos os bens que recebemos da Providência são efêmeros e reduzidos quando comparados à duração do mundo como um todo.”

“ Tal reclamação nos leva a tornar-nos intérpretes ingratos dos dons divinos. Nós reclamamos que nem sempre os conseguimos, ou o fazemos em pequenos números, inseguros e perecíveis. Portanto, não queremos viver ou morrer: somos dominados pelo ódio à vida e pelo medo da morte. Todas as nossas decisões são flutuantes e nenhuma felicidade pode nos satisfazer”.

“São autênticos os bens que a razão concede, consistentes e perpétuos, não podem ser perdidos, nem mesmo diminuídos e reduzidos. Os demais, são produtos da nossa imaginação; eles têm, é verdade, o mesmo nome que os verdadeiros, mas não têm o selo do bem; portanto, eles devem ser chamados de “confortos”. Contudo, saibamos que eles são de nossa propriedade, mas não partes do nosso ser; eles podem estar conosco, mas não podemos esquecer que estão fora de nós. Mesmo quando estão conosco, devem estar entre os pertences auxiliares, de baixa qualidade, dos quais ninguém deve se orgulhar. ”

Sêneca aponta as paixões e o desejo de recompensa como os dois grandes ladrões do tempo. E o terceiro ladrão seria a procrastinação.

Como isso afeta nosso tempo?

“Não é que tenhamos pouco tempo, mas que perdemos muito”.

“Ninguém pertence a si mesmo, cada um é consumido por outro …; ninguém é dono de si mesmo”.

“Por que perdes tanto tempo? Porque vives como se fosse viver para sempre; nunca pensas em sua fragilidade; não medes o tempo que já passou; perde-o como se tivesse uma reserva enorme e abundante… Temei todas as coisas como mortal, e desejais todas as coisas como imortal.”

“O homem cheio de tarefas cuida de tudo, menos de viver. É que a ciência do viver é a mais difícil.”

“A vida dos muito ocupados é muito curta.”

“Não precisas dizer que fulano viveu muito porque ele tem cabelos grisalhos ou rugas; não viveu muito, mas durou muito”.

“O tempo é a coisa mais preciosa do mundo.”

“A procrastinação é a falência máxima da vida”.

Tudo o que está por vir fica em terreno inseguro: viva a partir de agora!”

Passado, presente e futuro

“A vida é dividida em três épocas: a que foi, a que é e a que será; destas três, o que vivemos é breve, a que vem é duvidosa e a que vivemos é certa e irrevogável.”

“Somente quem sempre agiu sob a censura de sua própria consciência pode olhar para o passado sem se arrepender de nada”.

“O passado é a parte sagrada e irrenunciável de nosso tempo, isenta de todas as eventualidades humanas, afastada do império da fortuna, imperturbável pelos ataques da pobreza, do medo e das doenças (…). Sua posse é perpétua e limpa de toda ansiedade… Quando convocas os dias do tempo passado, eles respondem ao seu chamado, e se apresentam humildemente ao seu exame e nele permanecem por quanto tempo você precisar; mas isso não pode ser desfrutado por quem passa a vida absorvido em bobagens e insignificâncias”.

“É propriedade da alma segura discorrer por todos os tempos da vida; já os de espírito insanos, muito ocupados (na aquisição de recompensas) (…) a vida esvazia-se em um buraco e, assim, ainda que derrame-se muito líquido em nada será aproveitado se não houver um recipiente para coletá-lo e preservá-lo. Também não importa o fluxo do tempo que lhe é dado se não há onde depositá-lo: desliza através das fendas da alma não lapidada.”

“Para o filósofo (a alma trabalhada na honestidade) os séculos a estão submissos quanto um deus. Já passou um tempo? Pela memória, atualiza-o. É presente? Utiliza-o. É futuro? Antecipa-o. Longa faz da sua vida com a fusão de todos os tempos.”

Somente quem vive honestamente como ser humano pode tornar sua vida um projeto global que conecta harmoniosamente o passado ao presente e ao futuro. Essa conexão é o que torna nossa vida “longa” e não “curta”. Mas quem não tem honestidade vive apenas no presente e não pode olhar o passado sem dor, sendo o futuro algo a temer; para este, apegado ao presente efêmero, a vida é sempre curta e dolorosa devido à natureza fugaz e incerta da fortuna.

“Como uma peça de teatro, assim é a vida: não importa sua duração, mas a entrega com que foi representada. Onde você a termina não importa. Termine onde preferir, porém prepare um bom final.”

Escrito por Javier Saura

https://www.revistaesfinge.com/filosofia/filosofos/item/1896-seneca-el-valor-del-tiempo

Autor

Revista Esfinge