Escrito por Alejandro Chaverra

Podemos extrair muitas consequências dos conhecimentos que os antigos filósofos legaram a posteridade. Alguns são perfeitamente aplicáveis para assuntos atuais que foram completamente desconhecidos para eles, como é o caso dos meios audiovisuais de comunicação ou de propaganda massiva. No entanto, seus ensinamentos têm muito a nos ensinar  a respeito. Por exemplo, poderíamos mencionar aqui Platão e sua alegoria da caverna.

Um velho mito muito atual

Platão, foi um filósofo clássico que, além de seus  conhecidos diálogos, foi um formidável  escritor de mitos e alegorias, nos quais expunha seu pensamento filosófico, de modo a oferecer a sua geração uma maneira de expressar verdades atemporais, ou seja, que tenham transcendido até o ponto de que seguem sendo suporte de compreensão  para nossos dias. No mito da caverna podemos encontrar interpretações do tipo antropológica, esotérica, epistemológica, filosófica, metafísica e política.

Este mito, escrito no Séc. V a.C., pode ser muito revelador atualmente, já que há uma surpreendente similaridade com alguns dos problemas dos dias atuais: a excessiva informação dos meios de comunicação, como uma sombra projetada dentro de uma caverna midiática, tal como expressava Platão em seu relato. Na era em que vivemos, a informação nos influencia sutilmente e projeta sombras de uma verdade cada vez mais virtual.

Vislumbremos uma caverna abaixo da terra. Homens agrilhoados com os outros se sentam de costas à entrada. Observam o fundo da caverna, desta sai um caminho de subida para o exterior, de onde se pode perceber alguma entrada de luz. No meio da caverna há um fogo propiciado por uns homens que o utilizam para projetar alguns objetos e imagens aos encadeados. Eles somente veem as sombras dos objetos ne parede e, como tem nascido e crescido vendo essas sombras, creem que é a realidade das coisas. Seus olhos tem habituado com a obscuridade e essas sombras são o único entretenimento e “meio de informação” que possuem acerca da realidade.

Os homens da caverna, por estarem presos, não podem ver nem conceber outra realidade distinta. Porem um deles desperta-se de seu estado, livra-se das cadeias e vai até o exterior… se dá conta que existe outra realidade que é mais veraz, onde os objetos e imagens são iluminados pela luz do sol.

A caverna midiática

As sombras significam o mundo sensível, ao qual temos acesso através de nossos sentidos. Proporcionam um conhecimento relativo e temporal, onde nem tudo é verdadeiramente real senão que contraditório, sendo uma sombra dispersa do mundo inteligível.

Como se atinge o mundo inteligível através dos sentidos, os amos da caverna, do nosso tempo, alcançam os seres humanos mediante os meios audiovisuais, que são uma ferramenta massificante disfarçada de modernidade global. Aclaramos que os meios de comunicação não são prejudiciais; o perigo se encontra no mal uso que se faz por certos poderes econômicos e políticos.

A era da informação somada a globalização gera uma multiplicação de meios audiovisuais que transforma em notícia o que não é notícia. Por quê? Porque são cópias de informações de outros meios, ou se priorizam verdades sem relevância, ou bem se escondem algumas notícias importantes por trás de toneladas de informação para que passem desapercebidas.

A versão moderna do antigo mito consiste em que, em vez da caverna, agora existem realidades virtuais com meios audiovisuais, em vez de homens que projetam imagens na parede, agora o fazem  em jornais, revistas, anúncios, televisões e telefones, e em vez das escassas sombras ou imagens projetadas, agora tem acesso a elas.

Nos anos 80 começou a se ter em conta o significado do excesso de informação. Como expressa Eli Wiesel, Nobel da Paz em 1986, “estar ‘super-informado’ e como estar mal informado”. São cadeias que atam hoje ao ser humano, fazendo-lhe crer que tem a liberdade absoluta para saber e se informar sobre tudo. No entanto, essa suposta liberdade está condicionada por certos amos da caverna que influenciam ao nível mundial. Assim, atingimos a uma realidade limitada, fruto da propaganda e da publicidade, que quase nunca dispõem de informação precisa, senão que de informação que distorce ou disfarça a realidade com o propósito de persuadir ou manipular as pessoas para que alguns obtenham grandes benefícios.

Este é o motivo pelo qual os temas de ciência, arte, filosofia e cultura, que são de caráter educativo, formativo, não costumam ser o objeto prioritário de atenção destes meios de comunicação, porque não oferecem informação que se propõem oferecer.

Inchaço de informação: ignorância e superficialidade

Hoje reconhecemos grande quantidade de informação por numerosos meios, que nos leva a crer conhecedores da realidade que nos rodeia. Porém, para adquirir novos dados é preciso esquecer outros: por isso nossa percepção do mundo sensível e inteligível sempre se vê limitada.

O homem atual está sacrificando conhecimentos profundos de qualidade a mudanças de informações cada vez mais reduzidos, o que dá uma imagem incompleta do mundo em que cremos viver. Por isso as numerosas notícias de hoje se esquecerão amanhã, uma vez que serão substituídas por outras numerosas notícias. Quanto mais informações tem uma sociedade, um acúmulo excessivo, menos memória guardamos, o que diminui sua profundidade histórica, e, por conseguinte, também a capacidade que se tem para conduzi-la com as nossas próprias mãos.

As sombras de informações têm nos afetado constantemente porque nos abrigam a desviar a atenção do profundo para levarmos ao superficial, ao despropositado e ao ridículo. Aqui sobrevêm a confusão entre entender de um tema e ter ouvido falar superficialmente sobre. Em nome da comodidade, o homem de hoje se abstém de formar ideias próprias e espera dos meios de comunicação que lhes proporcione de forma a manter as corrente que o ata à caverna.

Por onde se sai da caverna?

O que fazer diante da excessiva carga de informações? Se voltarmos ao mito, digo que chega um dia em que um desses homens presos percebe que a caverna tem uma saída. Então, decide libertar-se das cadeias e se aproxima pouco a pouco em direção à luz do sol. Em princípio, é uma luz ofuscante que não deixa de ver os detalhes do mundo exterior. Logo pouco a pouco se vai adaptando e vê os objetos em si, que são mais reais e definidos que as sombras que estava afeito a ver.

O liberto começa a entender que o mundo real está iluminado pelo sol, que é como Platão representa a ideia do Bem (causa do bom, belo, justo e verdadeiro). Sua luz chega ao mundo inteligível, mundo das ideias, da ciência, da sabedoria. Assim pois, o saber que nos aproxima da verdade e nos faz livres das ataduras que excedem a informação. E o caminhar até ele é a filosofia. Como filósofos, seres que refletem sobre a realidade que nos rodeia, podemos discernir a informação exterior e buscar a verdade.

Aplicado o mito a nossos dias, nossas cadeias não são físicas e sim mentais. Devemos ampliar nossos pontos de vista sobre a realidade, investigar, compreender e dar uso consciente aos meios de comunicação, no lugar de “engolir” o que nos chega. Uma sã observação crítica para ver o que realmente pode ser a verdade das coisas pode dar o valor correspondente a informação e não cair no jogo da excessiva informação.   

Recordemos:

  • A informação somente é útil à medida em que somos capazes de relacioná-la com outro conhecimento e extrair dela uma consequência.
  • Para prevenir a má informação por falsidade ou por superabundância, pode-se utilizar a dúvida como filtro para discernir o real. Se o que nos chega não é verdadeiro, bom nem necessário (ou seja, se utilizamos os filtros que recomendava Sócrates), há que deixá-lo, haja vista que em nada nos aportará.
  • A quantidade de informação adequada está em relação com nossa capacidade de poder raciocinar sobre ela e integrá-la com outros conhecimentos.
  • A informação recebida deve ajudar-nos em nossos afazeres cotidianos, ou seja, deve potenciar a memória e não o esquecimento.
  • O tempo dedicado a receber informação não deve ser maior que nosso tempo para a reflexão.
  • Um dos sintomas mais frequentes ante a excessiva informação que nos chega diariamente é a sensação de tédio e esvaziamento, pois não estimula a imaginação e a inteligência das pessoas.
  • A saturação de notícias alarmantes produz, aliás, insensibilidade ante o sofrimento humano.
  • A informação deve aceitar o rechaçar-se com uso mais da razão que da emoção.
  • Nosso modo de falar ou pensar não deve vir de ideias ou frases publicitárias.
  • Tratemos de recordar que muita informação provém de empresas cujo objetivo é vender.
  • Não pensemos que quanto maior número de notícias que vejamos sobre todos os acontecimentos do mundo, mais clara será a visão da realidade. Crer nisso é como olhar para as sombras de um objeto em uma parede achando que se observa o objeto.
  • Não podemos nos esquecer que quase todas as informações se baseiam em opiniões e estas podem variar de um dia para outro. Somente a verdade pode perpassar o ontem, o hoje e o amanhã.

Imagem: https://www.freepik.com/Kaboompics

Autor

Revista Esfinge