Escrito por Francisco Capacete González
Percorremos a vida amparados por diretrizes que nos guiam desde a infância: há que estudar para conseguir um bom emprego e dedicar-se às “coisas úteis”. Mas, o que isto significa? Devemos nos cercar de coisas úteis, porém, deveríamos nos preocupar que o justo prevaleça sobre o útil.
Esta é uma vida útil?
Quando somos pequenos, dizem-nos que temos de estudar para tirar boas notas e com o tempo encontrar um bom emprego. Ao chegar na adolescência, nos repreendem lembrando que devemos ser úteis em casa e não passar muito tempo sem fazer nada de proveitoso, quer dizer, perder tempo. Já adultos e absortos da religião do lucro, deixamos de lado a aventura por razões óbvias: não ter tempo para coisas que não dão de comer ou pagam o aluguel. E ao chegar ao inverno de nossas vidas, aposentados e ociosos, nos restam os parques e os lares residenciais de idosos, porque deixamos de ser úteis.
A utilidade tornou-se a governanta da sociedade, a tirana das almas, o flagelo da cultura e da civilização, o ópio redentor e a religião de ateus e crentes. Desde a revolução industrial temos perdido progressivamente o norte da vida, atolados na ganância e no esquecimento do valor dos seres vivos e das coisas intangíveis. Valores éticos, sentimentos místicos e estéticos e ideias filosófica reduziram-se ao papel impresso e não tem mais utilidade se não entreter os poucos momentos de ócio dessas vidas escravizadas pelo útil. Astuto ardil do niilismo mercantil para sobreviver sem ser nada. Porque o que é útil não é nada, é um ganho quimérico que se desvanece assim que é produzido. Vejam a rapidez com que segue seu caminho, sem parar em nenhum bolso, o dinheiro que se ganha com o suor do corpo – embora uns suem menos que outros. Preste atenção no tempo que se ganha correndo mais rápido, e como nos escapa na menor distração. Ou os imóveis, casas, carros, geladeiras, televisores, bicicletas e celulares, por acaso temos contrato de permanência com o destino? Não. A menor eventualidade tira isso de nós.
O que é o útil realmente?
O útil é útil e nada mais. Uma colher é útil para comer sopa. Um telefone para comunicar-se a distância. Um trabalho para ter dinheiro. Já o dinheiro é útil para comprar coisas uteis e necessárias, como o alimento, a casa e as vestimentas. De modo que a utilidade é uma métrica para medir o uso das coisas. É uma trena para medir praticidades. E nada mais. Mas na vida o mais importante é o prático? Não será a vida prática uma justificativa para adentrar nas aventuras do espírito? Quando alguém nos diz para não irmos a um lugar, é porque ele mesmo tem medo de ir. Quando alguém nos condena a não pensar, a não amar, a não dar, é porque ele mesmo não quer pensar, amar ou dar. “Só o tolo confunde valor e preço”, escreveu Antonio Machado, deixando claro para o tolo que ele é incapaz de descobrir o valor das coisas.
Vivemos em uma sociedade governada por mercadores extremamente úteis e práticos, que não têm tempo para se dedicar à própria alma, engajados no Grande Jogo do lucro. Não é surpreendente que tenham medo real de que os cidadãos se libertem das correntes que lhes colocaram. Essas correntes de ferro foram fabricadas na forja da utilidade. O que aconteceria se elas fossem removidas? Veríamos a inutilidade de nossos governantes para compreender a natureza humana, o significado da educação, o valor da saúde, a importância da cultura, o a indispensabilidade da concórdia.
O Justo é preferível ao útil
Para revolucionar o presente e melhorar a sociedade em que vivemos, não basta ter menos coisas; é preciso transformar mentalidades. Enquanto acreditarmos firmemente que só o que é útil vale a pena, não haverá progresso real em direção a uma sociedade mais justa e natural. Para caminhar em direção a um mundo mais justo e natural, é preciso semear justiça e naturalidade. Não são todos os meios, que servem, para alcançar os fins propostos. Trata-se de substituir o que é útil pelo que é justo. Ganhar muito dinheiro pode ajudar, mas não será justo em um mundo onde milhões de seres humanos não têm nada. Comprar uma máquina de lavar louça que não faz barulho pode ser útil, mas não é justo em um mundo que está sendo consumido pela poluição. Colocar quadros-negros digitais nas escolas pode ser útil, mas não é justo porque professores e alunos vêm antes da tecnologia e, em vez de gastar dinheiro com quadros-negros, seria conveniente pagar um digno salário aos professores.
Se quando crianças nos dizem para ajudar aos outros a estudar, se quando adolescentes nos ajudam a compreender o nascimento de nosso interior, dando-nos espaço e tempo, se já adultos mantemos entusiasmo pelas coisas importantes da vida e se quando idosos nos cuidam para que as experiências sejam um motor de desenvolvimento humano, então, teremos chegado a esse mundo melhor do que desejamos.
Bibliografia
Ordine, Nuccio. La utilidad de lo inútil . Editorial Acantilado, 2013.
Livraga, Jorge. Magia, religión y ciencia . Editorial NA, 1996.