Às vezes só reconhecemos o valor de algumas coisas depois que a perdemos, como se a distância precisasse aumentar para começarmos a sentir saudade daquilo que um dia esteve perto. Nos afastamos da infância e logo vemos como era bom ser criança. Viajamos para algum lugar distante e lembramos do valor que é estar em casa. E se temos que ficar em casa, surge o desejo de sair. Parece que nunca estamos onde estamos e seguimos contemplando aquilo que não temos.

            Certa vez ouvi de um filósofo, que por instinto de eternidade o ser humano busca aquilo que é eterno. Como se fôssemos condenados a não nos contentar com tudo que é impermanente. Essa fórmula se aplica ao ser humano e a todos os seres, justificando assim o movimento da vida em todas as coisas. Em tudo há um princípio de eternidade e a natureza não vai parar o seu movimento até conseguir retornar ao seu ponto inicial de origem, a Unidade onde tudo começou. A sabedoria na natureza do mundo material é surpreendente.

Existir é uma experiência temporária de separação e ao mesmo

tempo um lugar para se gerar consciência de unidade. É depois da separação

que sentimos falta de sermos um.

            Os antigos gregos criaram uma palavra para definir esse dilema da existência que inclusive tem sido muito utilizada na atualidade: crise (krisis/κρίσις). O curioso é a conotação negativa que ela imprime nos dias de hoje, se afastando por isso do seu sentido original. Crise significa separação/decisão. Uma semântica muito complexa para reduzirmos o seu significado a algo simplesmente ruim. O fato é que em momentos de dificuldades não é incomum recordarmos da palavra crise e associá-la com separação, abismo, esquecendo assim da sua contraparte fundamental que é a ideia decisão. Toda separação é krisis e exige atitude.

            Diferentes escolas de filosofia trabalharam esse conceito. No Bhagavad Gita, por exemplo, um dos épicos mais conhecidos do oriente, Krishna – o grande mestre –, ensina para seu discípulo Arjuna, o yoga da ação. A palavra yoga em sânscrito significa literalmente união e deriva da raiz yug que significa elo. Toda forma de separação é inimiga do yoga e toda forma de harmonia é sua aliada. Um erro comum que podemos cometer é aceitar a crise, ou seja, passar por esse momento de separação e simplesmente não fazer nada a respeito para mudar essa realidade. Aceitar de forma passiva não é suficiente para gerar mudança. Outro erro comum é querer solucionar a crise com uma decisão que gera ainda mais separação. Se o seu movimento não é fruto do equilíbrio, de uma reta ação e de um caminho do meio, ele irá tornar o abismo que existe ­­ainda mais profundo.

            Podemos aprender também com essas obras clássicas e nas tradicionais escolas de conhecimento, que a unidade no ser humano é recuperada por meio de uma superação consciente de todas as crises. Interpretando esses conceitos com o paradigma materialista e fazendo uma analogia com os números, seria equivalente a dizer que o dois é a soma de duas unidades. Sendo que numa visão filosófica tradicional podemos enxergar o dois como o resultado da divisão do um. A Unidade seria então o território espiritual e a raiz metafísica que sustenta toda a existência. O tempo e o espaço se apoiam nesse mistério que ultrapassa a compreensão humana. Do princípio de unidade nasce a multiplicidade.E essa multiplicidade se expande até construir a atmosfera do mundo material. Aqui a separação se intensifica e por isso todo o existir é krisis. Porém, existe diferença entre esse abismo natural, que é um processo automático e mecânico próprio desse plano de existência, e o ser humano como um agente de separação que amplia esses abismos, gerando dor e injustiça através de atitudes egoístas e sem discernimento.

A natureza é mecânica por definição; o ser humano por opção.

            Sendo krisis também uma decisão, ela nos exige uma escolha e toda escolha é um pacto que fazemos com a história. Aqui temos uma chave para a nossa evolução e a superação de crises: o compromisso. Se comprometer é uma atitude própria de toda pessoa responsável e fundamental para conseguir construir pontes e conectar grandes muralhas entre qualquer abismo. Esse é um especial ponto de unidade na multiplicidade. Tomar consciência que podemos ser pontes. Somos o elo de uma extensa corrente capaz de tornar o mundo um lugar melhor. Se comprometa!

Escrito por Hinaldo Breguez

Prof. Nova Acrópole Juiz de Fora – MG

Bibliografia:

– Bhagavad Gita, Ed. Pensamento, São Paulo, 2000.

– Mário Ferreira dos Santos, Filosofia da Crise, Ed. Logos, São Paulo, 1959.

– Mário Ferreira dos Santos, Filosofia Concreta dos Valores, Ed. Logos, São Paulo, 1960.

Autor

Hinaldo Breguez