Por Maria Poletti e Émile Penha

“[…] porque no fundo de todas as religiões arde a mesma luz; as diferenças são históricas, sócio- políticas ou simbólicas, mas do ponto de vista filosófico a luz é una.” (Jorge Angel Livraga)

A palavra “Religião” vem do latim “religio, religionis”, formado por 3 elementos:

1 – o prefixo “re” que expressa repetição, reafirmação de algo, intensidade de algo;

2 – o verbo “ligare” que expressa o ato de ligar, fortalecer um vínculo;

3 – e se completa com o sufixo “ão” baseado nos componentes latinos “o” ou “onis” que estrutura uma palavra em função de ação e efeito.

Temos, então, que religião é o ato de reafirmar o vínculo entre o ser humano e a divindade, seja esta representada por um ou vários deuses, o ato de reunir o ser humano ao Divino, ao sagrado.

Helena Petrovna Blavatsky, filósofa russa do século XIX, cita em sua obra Glossário Teosófico que “apesar da imensa diversidade que oferecem do ponto de vista exterior, todas as religiões têm um fundo comum nas idéias dogmáticas, filosóficas e morais”.

Assim, o que muda é a forma como a religião é expressada, que varia de acordo com a época e o lugar. A divindade pode receber o nome de Deus no Cristianismo, Brahma no Hinduísmo, Allah no Islamismo, ou Olorum em uma religião de matriz africana; entre diversas outras denominações e variações que existem.

Sendo assim, podemos pensar a ideia religião como algo que vai além das formas religiosas, já que estas variam de acordo com as circunstâncias temporais e geográficas. Hoje ainda não conhecemos ou compreendemos com exatidão a origem e a evolução do ser humano; mas desde os seus mais antigos registros pré-históricos, a humanidade sempre mostrou respeito e reverência pelo mistério e o sagrado que está para além da nossa percepção material.

O sagrado, e a ação de buscá-lo, que chamamos religião, parece que sempre esteve presente ao longo na vida do ser humano, transcendendo os vários momentos pré-históricos ou históricos, sendo uma expressão atemporal (para além de qualquer época ou momento) da cultura.

Com o intercâmbio de povos, de culturas e de costumes, advindo das migrações, das explorações comerciais e da expansão dos territórios pelas antigas civilizações e impérios ao longo da história, também existiu a troca de experiências religiosas. Em decorrência disso, hoje se pode observar uma convivência de diversas formas religiosas dentro de um mesmo local, de um país ou de uma região. Em certos casos, é possível verificar não só uma influência de um povo na expressão religiosa do outro, mas uma verdadeira incorporação de uma religião estrangeira ou até mesmo uma miscigenação, isto é, uma mistura dessas manifestações que, em muitos locais, acabou constituindo uma nova forma religiosa.

Esse intercâmbio permitiu encontrarmos muitos pontos em comuns entre os diversos ritos religiosos. Dentro dessa perspectiva, buscamos trazer nesse texto alguns elementos da expressão religiosa africana, de etnia iorubá, que se assemelham ao culto das divindades feito pelos antigos gregos.

Há uma enorme quantidade de formas religiosas, de matriz africana, que variam de acordo com a região e a etnia. Uma das maiores etnias do continente africano é a iorubá (ou nagô), termo que se atribui para as populações ligadas entre si por uma língua, história e cultura em comuns, e que habitavam principalmente o que hoje é a Nigéria, o Togo e o Benin. A religião praticada pela etnia iorubá foi a que mais se expandiu pelo mundo e mais influenciou outros povos, inclusive o brasileiro. Hoje muitos iorubás possuem outras religiões, mas tradicionalmente eles cultuavam os orixás.

Nas palavras do sociólogo e professor Reginaldo Prandi, os orixás são deuses que receberam do Ser Supremo, isto é, de Olodumare, chamado também de Olorum, “a incumbência de criar e governar o mundo, ficando cada um deles responsável por alguns aspectos da natureza e certas dimensões da vida em sociedade e da condição humana”.

Na Grécia Antiga se cultuavam diversas divindades, especialmente os deuses que compunham o chamado Panteão Olímpico, fazendo parte dele: Zeus, Hera, Poseidon, Atena, Ares, Deméter, Apolo, Ártemis, Hefesto, Afrodite, Hermes e Dionísio.

Os deuses simbolizavam para os gregos os arquétipos, os princípios universais, enunciam as origens e também o destino ao qual se deve encaminhar os homens.

Para o povo iorubano também existe um panteão, formado de muitos orixás, que podem se multiplicar de acordo com as forças que representam, existindo uma variedade de devoções, de cantos, danças, ritos e cores em homenagem a cada um deles.

Um aspecto muito interessante e comum tanto para os gregos como para os povos tradicionais iorubás é a existência de um oráculo. Oráculo significa uma resposta, uma previsão de futuro, dada pela divindade a quem o consultava, através de intermediários ou mensageiros.

Os gregos da antiguidade costumavam ir ao Oráculo de Delfos, localizado na antiga cidade de Delfos, que era considerada o “umbigo do mundo”, pois se diz que o deus Zeus a considerou como o ponto médio da Terra. Muitos a ele se dirigiam para consultar o deus Apolo sobre alguma questão pessoal ou relativa à cidade, à política, às batalhas, em busca de conselhos e ajuda. As pitonisas eram as sacerdotisas quem serviam de ponte entre os deuses e a humanidade.

Na cultura iorubana fala-se no Oráculo de Ifá. Conta o mito iorubá que Exu, o orixá mensageiro, andava de aldeia em aldeia recolhendo as histórias e procurando soluções para os problemas dos homens e dos orixás. Todo esse conhecimento colhido era dado a Orunmilá, também chamado de Ifá, o deus do oráculo, que então o transmitia aos seus sacerdotes, também chamados de babalaôs ou pais do segredo.

O professor Reginaldo Prandi, no seu livro Mitologia dos Orixás, nos diz que “Para os iorubás antigos, nada é novidade, tudo o que acontece já teria acontecido antes. Identificar no passado mítico o acontecimento que ocorre no presente é a chave da decifração oracular” (p. 18). Assim, o babalaô, jogando os dezesseis búzios ou outro instrumento de adivinhação, tinha que resgatar dentro dos mitos a passagem que correspondia à questão trazida pelo consulente e a sua solução. Esse segmento que continha a resposta chama-se odu, que são “signos do oráculo iorubano, formados de mitos que dão indicações sobre a origem e o destino do consulente” (idem, p. 567).

Exu, o orixá mensageiro, é aquele que faz a comunicação entre o babalaô e Orunmilá, transmitindo as questões dos homens e suas oferendas aos orixás e trazendo as respostas da divindade, sem ele não existe movimento, mudança nem trocas mercantis.

Na cultura grega também existe um deus mensageiro, Hermes (Mercúrio para romanos),  quem realiza a ponte entre o plano espiritual e o plano da matéria, entre os deuses e os homens, também profundo conhecedor da magia e considerado o deus do comércio.

Podemos ainda destacar Zeus, considerado o pai dos deuses e dos homens, detentor da luz, da claridade, simboliza o reino do espírito. De forma semelhante, há na expressão iorubá Oxalá ou Obatalá, também chamado de o Grande Orixá, por se tratar do criador do homem, senhor absoluto do princípio da vida.

O deus grego Hefesto, aquele que ata e desata os nós, que constrói e destrói, que tem o domínio do fogo, do ferro e da metalurgia, lembra as forças representadas por Ogum, que é o orixá forjador do ferro, também da metalurgia, da guerra, dono dos caminhos, das oportunidades e da realização pessoal.

Assim como tem Afrodite (Vênus para os romanos), simbolizando a fertilidade, deusa das águas fecundantes, há a divindade iorubana representada por Iemanjá, a mãe dos deuses, dos homens e dos peixes, senhora das águas, que rege o equilíbrio emocional e também a fertilidade.

Tanto na cultura helenística como na iorubá, as divindades, suas forças, seus feitos, suas conquistas e desventuras, suas guerras travadas, a relação com a natureza, o passado, o presente e o futuro, estão simbolizados e retratados nos mitos. A mitologia tem um papel fundamental na preservação e transmissão dos valores dessas culturas, também dos seus aspectos religiosos e sagrados. A história dos deuses, como a dos orixás, suas jornadas, conquistas e desventuras foram sendo contadas ao longo do tempo e chegou até nosso tempo através dos mitos.

Certamente que muita coisa se perdeu ou foi transmitida com falhas e equívocos, ainda mais quando uma tradição se expande para outras culturas e povos de diferentes línguas, o que acaba ocasionando remodelamentos e adaptações que, em alguns casos, podem até modificar totalmente um conceito ou acontecimento originário.

Mas, ainda que o que nos chega hoje possa ter sofrido variações, por meio desse pequeno comparativo aqui retratado, já é possível perceber que, em qualquer tempo ou lugar, podemos encontrar elementos em comum na essência de diferentes culturas e religiões que, em algum grau, aproximam e conectam todos os homens, o que só reforça a frase de Helena Blavatsky, citada no início desse texto: “apesar da imensa diversidade que oferecem do ponto de vista exterior, todas as religiões têm um fundo comum nas idéias dogmáticas, filosóficas e morais”.

Bibliografia

https://www.paulinas.org.br/dialogo/pt-br/?system=news&action=read&id=15250 https://www.infoescola.com/sociologia/povo-ioruba/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%A1culo_de_Delfos

https://www.revistafenix.pt/o-que-e-a-nova-acropole/BRANDÃO,    Junito    de    Souza    Brandão. Dicionário mítico-etimológico. RJ: Vozes, 2014.

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás.1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Autor

Revista Esfinge