Após analisar rapidamente o estado atual do mundo, podemos cair na tentação de pensar que não existe nenhuma solução possível. Evidentemente, não é fácil, nem rápido, mudar o estado em que se encontra a humanidade, mas a última coisa que devemos perder é a esperança.

Tudo no Universo se move, transforma-se e muda. Desde as galáxias até os microscópicos glóbulos vermelhos do nosso sangue. A humanidade não foi uma exceção.

Na mais remota antigüidade, os deslocamentos humanos foram uma constante ao longo do planeta. Catástrofes naturais que provocaram fome ou enfermidades empurraram os sobreviventes em busca de outras terras. As religiões em expansão organizaram peregrinações, e nos nossos livros de história se encadeiam conquistas e colonizações. Milhões de refugiados tiveram que buscar asilo por causa das guerras. As convulsões políticas forçaram milhares de pessoas ao exílio. Todo tipo de melhorias econômicas, em qualquer época e lugar do mundo, atraíram poderosamente empresários, trabalhadores e oportunistas. Em suma, seria difícil encontrar algum acontecimento memorável na história da humanidade no qual não aparecesse uma migração.

No entanto, o desconhecimento da história, ou talvez o medo das mudanças sociais, fazem do fenômeno da migração uma das principais preocupações dos habitantes do “Primeiro Mundo”. Os imigrantes recebem a culpa das longas listas de espera nos hospitais, da falta de vagas escolares, do desemprego, da delinqüência…

Evidentemente, todos os problemas se agravam quando há mais pessoas para atender. Tampouco podemos fechar os olhos ao fato de que nas grandes migrações se deslocam todo tipo de pessoas (e com todo tipo de intenções, desde aquele que apenas busca subsistir até aquele que vê a ocasião de se enriquecer à custa do sofrimento de outras pessoas).

A superpopulação é uma das causas das migrações humanas. A ONU estima que pelo ano de 2050 seremos entre 7.700 e 11.200 milhões de humanos no planeta. Thomas Malthus, economista e demógrafo britânico, publicou em 1798 um tratado em que explicava como a superpopulação poderia provocar uma catástrofe coletiva. Embora até hoje as coisas não tenham sucedido exatamente como ele previu, suas palavras pesam sobre alguns planos para o futuro quanto à erradicação da pobreza.

“Que aprendam a cultivar!” Esta exclamação – bastante freqüente – costuma brotar dos lábios de pessoas pouco informadas, ou totalmente irreflexivas, que ignoram uma triste realidade: são tantas as guerras civis que assolam a África equatorial que, quando não são as hordas de refugiados famintos os que devoram as plantações, são os soldados igualmente famélicos de um ou outro grupo que o fazem. É certo que a ajuda exterior é abundante, mas o resultado é como um band-aid que tenta cobrir um corte longo e profundo. O problema real são os maus governos que fomentam e aproveitam o ódio entre as pessoas. Se em algum momento a situação política se normalizasse, a África se auto-alimentaria sem problemas. Os conflitos na África central desencadearam a fuga em massa aos campos de refugiados. As cifras aumentaram de 2 milhões de pessoas, em meados dos anos 60, a 15 milhões, no final dos anos 90.

Mas, até que ponto os habitantes do “Primeiro Mundo” têm a culpa sobre o que ocorre no resto do mundo?

A maioria dos atuais países da Ásia e da África foram colônias européias durante séculos. Espoliaram estas terras de seus recursos naturais e humanos, deixando seus habitantes em condições sócio-econômicas piores do que já estavam, pois semearam uma série de ódios, dos quais atualmente somos testemunhas. Quando as pequenas povoações tomaram consciência de que a relação com a Europa não era tão benéfica, iniciou-se um esforço para se desligar da sua tutela, e isso só foi possível ao final da Segunda Guerra Mundial, momento em que a debilitada Europa não pôde reter por mais tempo suas colônias.

A América Latina também é rica em recursos naturais, que igualmente foram aproveitados por outros países. Colonizada pelos europeus, proporcionou ao Velho Continente todo tipo de riquezas, desde ouro até as plantações, que salvaram muitas famílias européias da fome.

Quando, após anos de colonização, os colonizados se apoderaram do controle das terras, a situação da gente humilde não melhorou. Se a isso somamos o crescimento demográfico descontrolado, temos como resultado que a pobreza tomou conta de grandes setores da população.

O estado em que ficou a Europa após a Segunda Guerra Mundial, e as dívidas contraídas para sua recuperação, teria sido uma boa ocasião para que a América Latina comprasse as empresas que os países europeus possuíam, no entanto, a América do Norte se adiantou. E, habilmente, foi controlando o mercado e os investimentos até o ponto de que tudo passava sob o seu controle, pois, na realidade era o único comprador, dada a situação européia. Esta dependência abrangeu o campo da tecnologia e a indústria.

Existiram décadas nas quais o esbanjamento por parte dos governos dava a entender que a prosperidade havia chegado, e para esse novo Eldorado marcharam muitos europeus.

Contudo, isso não era mais que uma miragem, fruto de um endividamento maior com os Estados Unidos por parte dos governantes “marionetes” de plantão.

Não devemos esquecer as guerras, guerrilhas e revoluções que semearam a desordem nos anos oitenta e noventa do século passado. E, por último, os desastres naturais: furacões, terremotos, secas e cheias. Todos estes acontecimentos fizeram emigrar milhões de pessoas em busca de um pouco de paz e de prosperidade.

O deslocamento às nações industrializadas – com uma população ativa cada vez mais envelhecida – tem como protagonista aquelas pessoas dos países com menos recursos que conseguiram reunir algum dinheiro, pois as pessoas mais pobres do planeta, embora também sejam impulsionadas pela necessidade, não se deslocam.

Por outra parte, nos países do “primeiro mundo”, os jovens educados em uma época de dinheiro fácil rechaçam uma série de empregos por considerá-los muito “pesados”.

Acreditam que sua situação de bem-estar será eterna, motivo por que, em muitos casos, tampouco se preocupam em adquirir conhecimentos técnicos e estudos superiores. Desta maneira, os imigrantes encontram ocupação nas tarefas que ninguém quer fazer. Isso é uma chamada para outros compatriotas que vão em busca de uma esperança.

Mas, quando se apresentam as oportunidades, também aparecem os oportunistas, que agora tomam a forma de máfias da imigração. O nome com o qual são conhecidos, coloquialmente, varia em cada país (polleros, coiotes, cabeças de serpente…), mas sua forma de “trabalho” varia pouco. “Tramitam” a viagem para seus “clientes”. Mas chegar com vida é somente o primeiro passo, pois os que conseguem se encontram em uma situação que nada tem a ver com o que lhes haviam explicado. Com muita sorte podem cobrar salários miseráveis por trabalhos esgotantes, alojar-se em más condições e enfrentar-se com anos de ilegalidade. Ainda assim, certamente vale a pena para eles, porque fogem da fome, da pobreza e em muitas ocasiões da violência.

Também as máfias encontraram solução para quem não pode pagar de forma adiantada a “viagem”. Seduzem-nos com um futuro melhor, que são levados à escravidão por endividamento. Talvez para nós a imagem de um escravo coincida com algodoeiros negros acorrentados, no entanto, continuam existindo os trabalhos forçados na África, meninas prostituídas na Ásia, escravos brasileiros que devastam a Amazônia… Há muitos desesperados no mundo que não têm mais solução do que vender suas vidas ou as de seus filhos para poder subsistir.

Esta prática está se estendendo para a grande parte dos setores trabalhistas: confecção de roupa, serviço doméstico, alimentos embalados, etc. Estas pessoas sofrem violência, vivem ameaçadas e temerosas pela deportação. Seu isolamento lhes torna completamente indefesos.

Cada vez o controle da imigração ilegal é mais intenso, cada vez o preço dos “trâmites da viagem” aumenta. Assim, as possibilidades de que a cada dia existam mais escravos por endividamento são maiores.

Chegando neste ponto, após analisar rapidamente o estado atual do mundo, podemos cair na tentação de pensar que não existe nenhuma solução possível, que apenas um cataclismo poderia varrer toda a contaminação física e psicológica que criamos e na qual nos submergimos. Evidentemente não é fácil, nem rápido, mudar o estado em que se encontra a humanidade, mas a última coisa que devemos perder é a esperança.

A chamada “consciência solidária” vai despertando em muitas pessoas e em todos os lugares do mundo. As ONGs e muitas fundações tratam de apaziguar as carências daqueles seres humanos mais necessitados. Estes organismos se encarregam de construir orfanatos, escolas, habitações…; ensinam-lhes a criar postos de trabalho, oferecem roupas e alimentos… Geralmente, aí residem membros e diretores da organização que supervisionam e controlam a chegada dos auxílios. Realmente, é admirável a quantidade de contribuições tanto econômicas como humanas que se destinam a estes fins.

Ainda assim, é muito difícil encontrar soluções realmente eficazes e que eliminem os problemas da raiz. Para isso, deveríamos mudar boa parte da política mundial, que busca o poder e a quem não interessa a evolução do ser humano. Teríamos que arrancar o homem das garras do materialismo que obriga muitos seres humanos a viver penosamente para que uns poucos vivam comodamente; erradicar todo fanatismo e racismo que leva os homens aos conflitos armados, e outros muitos fatores que levam o mundo por estas rotas. Tudo isso está longe do nosso alcance.

No entanto, há algo que podemos fazer:

O menor passo que damos dentro de nós mesmos ao Bem, de alguma forma, toda a Humanidade também dá. Nenhum indivíduo está desprovido de responsabilidade histórica, mas tampouco ninguém é dono e senhor da História. Todos a temos que construir pouco a pouco e o melhor início não é o que parte de perecíveis objetos materialistas, mas o que se realiza em outros planos de consciência, menos efêmeros, e que se refletirão inexoravelmente no mundo no seu devido momento. (Jorge A. Livraga)

Mª Dolores Sanahuja

Autor

Revista Esfinge