Por Oriana Sipala
Os mitos sempre nos revelam significados que vão além do desfecho surrealista em que deuses, heróis e mortais interagem entre si. Se lermos nas entrelinhas, podemos descobrir neles muitos ensinamentos. O mito de Eneias é um destes contos que hoje se destaca por sua surpreendente atualidade. Deixa-nos uma grande lição de coragem e força, tão necessária nestes tempos adversos que vivemos.
Se for verdade que coragem significa ‘lançar o coração para frente’, Eneias certamente não careceu desta qualidade. O herói troiano, cujo destino era a fundação das bases de Roma, é um símbolo de coragem e um exemplo que merece nossa atenção. Ele enfrentou muitos obstáculos, conheceu o medo, a incerteza e a dor; no entanto, não desistiu, ao contrário, continuou sua luta. Sofreu muitas perdas e chegou a roçar a morte, mas aprendeu com seus fracassos, aceitou seu destino e prometeu cumpri-lo apesar dos esforços que isso implicava.
Suas aventuras, agrupadas na Eneida de Virgílio, começam com a queda de Tróia nas mãos dos gregos. Desde os primeiros trágicos momentos, enquanto sua amada cidade arde sob um fogo destruidor, Eneias, filho da deusa Vênus e do mortal Anquises, mostra grande força. Isso se expressa na forma de resistência ao inimigo, mas também na forma de aceitação. Eneias assume a derrota e reconhece-a como uma etapa necessária de sua existência. Mas ao mesmo tempo renasce deste acontecimento, assim como uma nova e poderosa cidade está destinada a renascer das cinzas de Troia. O fogo tem esse grande poder renovador: ele destrói o velho para que algo novo possa ressurgir. Assim, Eneias reage ao infortúnio de perder sua casa, seus amigos, sua amada Creúsa; leva nas costas o pai Anquises e, juntamente com o que resta de Troia e dos troianos, prepara-se para enfrentar os perigos do mar e as muitas dificuldades que o separam da sua “terra prometida”.
O mar, tão instável quanto o mundo das emoções, nem sempre foi favorável aos heróis exilados. Conta-se, no primeiro livro, que o rei Éolo, empurrado pela deusa Juno, que odiava os troianos, deu rédea solta aos ventos indisciplinados sobre os quais reinava: Euro, Noto e Ábrego. Estes causaram uma tempestade selvagem que colocou seriamente em perigo a vida dos desafortunados marinheiros. Mas felizmente Netuno, senhor dos oceanos, interveio a tempo, restaurando a calma e permitindo que os troianos chegassem com segurança às praias da Líbia. Aprender a dominar as emoções é necessário para poder atracar em um porto seguro. Se estas seguem em tormenta, o naufrágio torna-se inevitável, assim como a queda de uma alma que se deixa cativar por seu lado mais instintivo. Platão nos conta, no mito da carruagem alada, que o cocheiro, representação da parte racional de nossa alma, tem a difícil tarefa de lidar com dois cavalos, alegoria à parte emocional do ser humano e à parte concupiscível. Cabe a nós a decisão de confiar o controle de nossa alma à parte mais luminosa, ao cocheiro que nos permite ascender aos valores mais altos, ou à parte mais irascível, que nos arrastaria para baixo.
Na costa norte da África começa outra longa aventura de Eneias e seus companheiros. Aqui, nossos protagonistas desfrutarão da hospitalidade de Dido, poderosa dama de Cartago. Como sinal de paz e longa aliança, a bela rainha lhes oferece tudo, desde as terras mais prósperas até os presentes mais opulentos. Mas Eneias recebe o mais precioso dos presentes: o amor incondicional de Dido. Por um tempo, os dois amantes desfrutaram de muitos prazeres. Presumiu-se o início de uma gloriosa linhagem troiana destinada a reinar sobre Cartago. Até que um dia o deus Mercúrio, enviado por Júpiter, chega diante de Eneias lembrando-o de sua missão. Assim, o herói troiano recupera sua lucidez e decide voltar para a Itália novamente. Essa decisão não agradou a Dido, que transformou seu amor em ódio implacável. Desesperada e cega de amor, a triste rainha amaldiçoa Eneias, prometendo-lhe uma futura vingança, e finalmente tira a própria vida. No entanto, Eneias tem que obedecer ao seu destino, assim como todos os seres humanos, porque fortaleza também significa ter sempre em mente quem somos e ser coerente com o nosso verdadeiro eu, apesar dos possíveis desvios da vida. Mais uma vez os ensinamentos atemporais de Platão se encaixam como uma luva. Em um fragmento do Mênon, o filósofo grego nos diz que conhecer é lembrar. A alma do ser humano é portadora de um conhecimento inato, que, no entanto, esquecemos. Nossa tarefa é lembrar o que nossa alma, no fundo, já sabe: quem somos e para onde vamos. Somente se nos lembrarmos podemos recomeçar nossa jornada com determinação e consciência.
Em sua odisseia, o herói troiano encontra muitos outros obstáculos. Eneias e seus companheiros conhecem a fome, a discórdia, a morte, o medo, a pobreza. Mas nas terras do Lácio, quando finalmente estão prestes a estabelecer as bases de uma nova civilização, eles enfrentam a prova mais difícil: a guerra contra os rutulianos e seu rei Turno. Longo, violento e exaustivo, esse conflito teve sua contrapartida entre os deuses. Dos céus, a rancorosa Juno, que nunca deixou de perseguir Eneias, apoia o lado de Turno, enquanto, por outro lado, a deusa Vênus apela ao imparcial Júpiter para que se cumpra o destino de seu amado filho.
Essas forças divinas, que rivalizam entre si e tomam partido diante de acontecimentos épicos, podem ser vistas como arquétipos psicológicos, capazes de desencadear conflitos internos longos, violentos e desgastantes. Vejamos então o que cada uma representa.
Juno, poderosa rainha do Olimpo, odiava os troianos por atos pertencentes ao passado distante. Um deles está relacionado ao troiano Paris, que foi nomeado juiz para escolher a deusa mais bonita entre Vênus, Atena e a própria Juno. Ao escolher Vênus, Paris despertou o ódio das outras deusas, que juraram vingança. Mas Juno odiava os troianos também porque seu marido infiel, Júpiter, conquistado pela beleza do jovem Ganimedes, filho de reis troianos, o sequestrou e o levou para o Olimpo, provocando o ciúme de sua esposa.
Ela, então, representa o ressentimento, a tendência de olhar para um passado no qual estamos ancorados e que não nos deixa avançar. Juno representa o passado, com todos os seus medos, erros e arrependimentos. Pelo contrário, Vênus, que está constantemente protegendo seu filho Eneias, é o futuro. Um futuro que o valente troiano foi capaz de observar e conhecer antes mesmo de ser cumprido. Um futuro que, mais do que uma estagnação temporária, é uma intenção, uma projeção de nós mesmos em direção ao que queremos ser e ao que queremos construir. Não por acaso que Vênus, na mitologia romana, era a deusa do amor e da fertilidade. O amor, força motriz da natureza, permite a evolução para o futuro; a fertilidade, por outro lado, permite a perpetuação das gerações e, portanto, do futuro.
Finalmente, Júpiter aparece na Eneida como um juiz imparcial, contrário à intervenção divina direta entre os mortais. Símbolo da razão humana, o Rei do Olimpo não fala por um lado ou por outro, não apoia o rancor ou o instinto de proteção. Porque a razão é superior a qualquer paixão e pode conduzir a alma com equilíbrio e coerência. Podemos apelar para a razão, chama interior que nos ilumina, quando nos perdemos no caminho ou quando estamos no meio de uma tempestade. Graças à sua luz podemos recuperar nossa fortaleza diante das adversidades da existência e fundar nossa gloriosa Roma, assim como Eneias há tempos longínquos.
