por Leonardo Santelices A

O mundo atual se caracteriza por conter paradoxos muito curiosos. Durante todo o século XX, realizaram-se engenhosos esforços para multiplicar a produção de alimentos e atender às necessidades de uma sociedade em constante crescimento. Embora muitos destes processos de agricultura e gado intensivo estejam deixando a desejar quanto aos seus resultados finais, é claro o fato de que a oferta de alimentos cresceu de forma notável nas últimas décadas. No entanto, ao não contar com um desenvolvimento político adequado, qual foi o resultado? Como há alguns anos disse um dos grandes filósofos do século XX, Jorge Ángel Livraga, a metade do mundo está sumido na miséria e grande parte dele está, literalmente, morrendo de fome, enquanto a outra metade está de regime para emagrecer. Assim, hoje convivem dois resultados opostos num mesmo mundo, a fome e a obesidade. Muitos milhões de seres humanos têm um acesso muito difícil e escasso à água e aos alimentos. Outros muitos milhões consomem o que foi chamado com propriedade de comida enlatada e que, apesar de ser quase um lixo industrial, a publicidade transforma em produtos desejados, embora provoquem às pessoas diversos transtornos patológicos.

O avanço tecnológico das últimas décadas foi prodigioso em alguns âmbitos, entre eles, a tecnologia das comunicações e o manejo de dados. As equipes diminuíram de tamanho e aumentaram de forma geométrica sua capacidade de armazenamento e velocidade de processo, tudo isso expressado numa baixa de custos e colocando cada vez ao alcance de mais pessoas uma maior quantidade de dados e informação. No entanto, aqui também se dá outro paradoxo, podemos nos comunicar de um lugar ao outro do planeta em segundos, diariamente recebemos imagens de diferentes partes do nosso convulsionado planeta, temos acesso a grande quantidade de dados através da internet. Mas, ao mesmo tempo, parece que os problemas de comunicação se aguçaram, há pouca comunicação entre companheiros de trabalho, entre pais e filhos, entre cônjuges, em fim em toda a sociedade há uma maior disponibilidade de meios de comunicação e uma cada vez menor comunicação real.

Logo após a segunda guerra mundial, iniciou-se um período de bem-estar, começou-se a aplicar a produção em série desenvolvida por Ford para a fabricação de automóveis a todo processo de produção, desde os eletrodomésticos até os alimentos. Isso, somado a uma diminuição de preços da energia, petróleo, eletricidade e carvão, gerou um grande crescimento industrial e econômico. Aparece o chamado estado do bem-estar. Muitos artigos que no início eram um luxo que poucas famílias poderiam se permitir, como máquinas de lavar roupa, refrigeradores domésticos, telefones, começaram a estar ao alcance de cada vez mais pessoas. Com o ingresso da eletrônica começaram a circular em massa outros equipamentos como televisores, equipamentos de som, relógios digitais, até chegar à produção massiva dos computadores. Atualmente uma casa urbana conta com uma grande diversidade de aparelhos. Este estado de bem-estar não abrangeu toda a população do mundo, mas chegou a muitos países. O paradoxo que se produz é que, nestes países que alcançaram essas altas cotas de desenvolvimento econômico, é onde há um maior consumo de drogas, alcoolismo, etc. A teoria social materialista dizia que quando as pessoas alcançassem um nível de bem-estar onde não tivessem que lutar por sua sobrevivência, ao mesmo tempo chegaria um estado de felicidade. No entanto, o incremento do desespero e angústia, que são as causas que levam a esses vícios, que se dá também com bastante força nos estados que alcançaram um nível de bem-estar, põe por água abaixo estes conceitos.

O que está acontecendo?

A tecnologia chegou a um nível de desenvolvimento que nem sequer havia sido imaginado décadas atrás. Mas, porque todos estes aparelhos e equipamentos não contribuíram para melhorar a comunicação humana? E inclusive, às vezes parece que aconteceu o contrário. Isso é culpa dos meios tecnológicos? Sinceramente, pensamos que não. A tecnologia não é mais que uma ferramenta nas mãos de quem a usa. Do mesmo modo que não podemos culpar a metalurgia pelo fato de um criminoso ameaçar alguém com uma arma, tampouco podemos culpar a tecnologia pelo seu mal uso.

Todo processo de comunicação se dá entre um emissor que emite a mensagem e um receptor que a recebe. Mas também há outro componente que é o meio através do qual se transmite a mensagem.

Para Marshall Mac Luhan, o meio é a mensagem ou pelo menos parte dela. Na realidade, é evidente que não podemos transmitir uma mensagem da mesma forma numa revista, no rádio e na televisão; cada meio tem suas vantagens e debilidades. Na atualidade, a televisão, por exemplo, foi nos acostumando a uma comunicação cada vez mais rápida, e se usou e abusou daquela máxima da publicidade “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A informação flui cada vez mais rápido e com cada vez menos palavras. Uma pessoa que assiste diariamente aos noticiários da televisão está informada sobre muitas coisas, mas não compreende quase nada, porque não se analisam e não se estudam os processos com suas causas e efeitos, mas os fatos isolados.

O incremento da velocidade cresceu em detrimento da profundidade. Quase tudo que a televisão trata carece de profundidade, e ela quer transformar tudo em espetáculo, ainda que sejam as guerras e desgraças humanas. Esta maior velocidade, acompanhada de uma também maior superficialidade, levou a um fluxo cada vez maior de dados, mas sem muita compreensão. Convido-lhes a fazer um pequeno exercício de refletir sobre uma notícia enquanto assiste ao noticiário. Se refletimos sobre uma, se nos escapam três ou quatro. Quando uma notícia é espetacular se lhe destina mais tempo, às vezes muito. No entanto, aí se nota mais a falta de profundidade. O que se faz é repetir e repetir as imagens, aumentar o medo ou outra emoção, mas não a compreensão do fato.

Então, uma das causas desta deterioração da comunicação pode ser encontrada na limitação dos meios. Mas isso é, de alguma forma, uma conseqüência de outros componentes que também devem ser considerados, já que estão nos impedindo de utilizar em todo o seu potencial os imensos recursos tecnológicos com os quais contamos. E é sobre o que trataremos dentro dos limites deste artigo.

A cultura de técnicos e especialistas

A perda das referências fundamentais do conhecimento nos levou a uma cultura de técnicos, ou seja, daqueles que têm mais experiência em determinadas áreas. Como este é um conhecimento que se baseia na acumulação de experiências, uma forma de ser mais técnico em algo é reduzir o campo no qual me desenvolvo. Isso nos levou à especialização. Hoje é uma grande conquista ser especialista em algo, até aí está tudo bem, já que se conta com pessoas que dedicaram tempo ao estudo de um determinado ramo de uma ciência ou uma arte, e graças a isso conseguiram um alto nível no desenvolvimento desse ramo.

O problema surge quando o especialista perde as perspectivas gerais e começa a se fechar apenas naquele seu ramo de interesse, como se nada mais existisse. Desse modo, lê unicamente livros e revistas da sua especialidade. Sobre este problema já advertia José Ortega e Gasset em seu livro “A rebelião das massas.

Porque antes os homens podiam se dividir, simplesmente, em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios e mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser classificado em nenhuma dessas duas categorias. Não é sábio, porque ignora formalmente o que não entra na sua especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é «um homem de ciência» e conhece muito bem sua porção no universo. Teremos que dizer que é um sábio-ignorante, coisa excessivamente grave, pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua especialidade é um sábio.

E, de fato, este é o comportamento do especialista. Na política, na arte, nos costumes sociais, nas outras ciências, tomará posições de primitivo, de ignorantíssimo; mas as tomará com energia e suficiência, sem admitir -e isso é o paradoxal – especialistas nessas coisas. Ao especializá-lo, a civilização o tornou hermético e satisfeito dentro da sua limitação; mas esta mesma sensação íntima de domínio e valor o levará a querer predominar fora da sua especialidade. Neste caso, que representa o máximo do homem qualificado – especialismo – e, portanto, o mais oposto ao homem-massa, o resultado é que se comportará sem qualifícação e como homem-massa em quase todas as esferas da vida.

A advertência não é vaga. Quem quiser pode observar a estupidez com que pensam, julgam e atuam hoje na política, na arte, na religião e nos problemas gerais da vida e do mundo os «homens de ciência», e é claro que detrás deles estão médicos, engenheiros, economistas, professores, etc..

Essa condição de «não escutar», de não se submeter a instâncias superiores que reiteradamente apresentei como característica do homem-massa, chega ao cúmulo nestes homens parcialmente qualificados. Eles simbolizam, e em grande parte constituem, o império atual das massas, e sua barbárie é a causa imediata da desmoralização européia.

Por outro lado, significam o mais claro e preciso exemplo de como a civilização do último século, abandonada à sua própria inclinação, produziu esta volta do primitivismo e da barbárie.

Com a especialização começam as visões fragmentadas da realidade e do ser humano, que vai incrementando essa especialização. Ao analisar o problema das universidades, Robert M. Hutchins, que foi Reitor da Universidade de Chicago, em seu livro “A Universidade de Utopia”, escrito em 1953, chama a atenção sobre a perda do ideal da universitas que começaram a sofrer as universidades, onde já não se formam profissionais com uma visão universal, mas que vão se enchendo de especialidades:

Necessitamos de instituições especializadas e homens não especializados. Necessitamos de homens que, embora sejam especialistas, continuem sendo homens e cidadãos, que sejam idealmente capazes de passar de uma especialidade a outra segundo seus interesses e as necessidades da comunidade. Necessitamos de homens que sejam homens e não máquinas. Não nos deixemos enganar pelo argumento de que o conhecimento é agora tão vasto que ninguém pode saber o bastante para compreender mais que um fragmento de uma área limitada. Isso significa confundir a informação com o conhecimento. O que todo o ser humano necessita é da compreensão das idéias fundamentais e a capacidade de se comunicar com os demais.

O autismo cultural

Nesta cultura de especialistas e técnicos, um economista lê apenas sobre economia e, dentro desse ramo, os economistas da sua própria corrente. Os psicólogos lêem os autores psicólogos, os antropólogos os autores antropólogos, os biólogos os escritores biólogos, e assim cada um vai submergindo na sua própria especialidade, numa forma de autismo cultural.

O autismo, é definido pelo Dicionário da Real Academia Espanhola como “Desligamento patológico da personalidade sobre si mesma” e na sua acepção médica como: “Síndrome infantil caracterizada pela incapacidade congênita de estabelecer contato verbal e afetivo com as pessoas e pela necessidade de manter absolutamente estável seu ambiente”.

Na primeira definição vemos esse egocentrismo que caracteriza nossa cultura; hoje não se busca nos ensinamentos dos grandes mestres da humanidade os Ideais que se transformem em desafios para promover uma constante transformação da personalidade para estar à altura deles. Não, buscam-se no I Ching, nos Vedas, na Bíblia, respostas às problemáticas pessoais. A idéia é se servir desses ensinamentos e não de se colocar a serviço deles, ou seja, é um “desligamento patológico da personalidade sobre si mesma”.

Na segunda definição vemos essa síndrome de rechaçar o diferente para não perder a estabilidade. É a típica atitude sectária de acreditar que meu ponto de vista é o único correto. Acreditar que minha religião é a única válida e cair no absurdo lógico de estabelecer que Deus rechaça as demais porque são diferentes da minha. Crer que nossa forma de organização social é a melhor e que todos os que não vejam assim estão totalmente equivocados.

Este rechaço, a priori, do diferente, é também um autismo cultural, provocado pela necessidade de manter a própria estabilidade, ao invés de analisar, estudar e avaliar os aspectos positivos ou negativos do distinto. Simplesmente se rechaça, porque poderia acontecer de se descobrir, de repente, que algumas das nossas crenças estão equivocadas, e isso provocaria uma desestabilização da nossa personalidade.

Esta atitude sectária que leva a rechaçar sem conhecer, a se sustentar em boatos e comentários mais que do numa avaliação séria, no fundo, sustenta-se no medo, esse medo primário do diferente. Mas, lamentavelmente, não é apenas um problema de análise. Este autismo cultural, que é o sectarismo em todas as suas formas, é uma patologia que fez com que milhares de pessoas quisessem se matar, se torturar ou pelo menos denegrir outras milhares, pelo simples fato de que são diferentes. O autismo cultural foi a causa de muitos crimes e atropelos aos direitos humanos.

O problema não é novo, de uma ou outra forma o temos visto ao longo da história. Mas também vemos o remédio proposto e que pode ser aplicado com êxito para esta patologia social. É desenvolver a capacidade de pensar, de se perguntar e de se responder, de amar mais a sabedoria e os ideais do que a sua própria personalidade. É observar a vida com entusiasmo para compreender seus mistérios, comprometer-se de maneira ativa com aqueles valores e princípios que se descobrem nessa busca. É não apenas respeitar o diferente, mas ver nele uma real possibilidade de aprendizagem, não se contentar em ser espectador da vida, mas protagonista, assumindo os riscos que isso implica.

Esta atitude é o que se chama de Filosofia à maneira clássica, que não é apenas estudar filosofia, mas fundamentalmente, desenvolver o filósofo que todos temos dentro de nós. Aquele que constantemente se pergunta por que, aquele que se assombra com um pôr-do-sol, ainda que o veja diariamente, aquele que vê o mistério da vida no crescimento de uma flor, aquele que pode descobrir o humano no sorriso de um menino, no trabalho diário ou nas rugas de uma anciã, em fim, esse filósofo todos somos.

Se desenvolvemos o filósofo que temos dentro de nós, à experiência que cada qual tenha adquirido nas áreas da sua especialidade podemos somar uma perspectiva global que permita ver nossa especialidade como uma parte de um todo, e não querer reduzir a realidade polifacetária a apenas uma parte, para não perder a estabilidade pessoal.

Para ser filósofo, há que perder o medo do diferente, há que sair do egocentrismo primário, há que deixar de lado o autismo cultural, mas vale a pena fazê-lo, ou pelo menos tentá-lo.

A vocação nossa de cada dia (XVI) – MOTIVAÇÃO VOCACIONAL

A motivação vocacional é um aspecto da vocação que tem a ver não só com a educação, mas também com o trabalho e o seu desenvolvimento empresarial. A motivação talvez seja hoje um dos custos mais altos na sociedade, tanto em nível de rendimento educacional, quanto de condições de produção e de benefícios econômicos e financeiros.

A necessidade de satisfação em se trabalhar numa área torna a motivação um dos bens mais importantes em qualquer ordem de coisas em que os seres humanos devam gerar resultados. De modo geral, esta questão é uma preocupação constante por parte de líderes, dirigentes e educadores em geral, porém no momento atual não existem soluções claras e permanentes. Uma das razões disso é que a motivação é considerada, tratada e trabalhada à margem da vocação. A fonte e o motor da motivação é a vocação, desvinculada desta, a motivação fica como um peixe fora d’água: se assim for mantido durante muito tempo, morre. Nada é mais estimulante do que trabalhar naquilo que se quer fazer, que se gosta fazer e que se faz bem, e quando isso acontece aparecem também condições estimulantes para trabalhar.

A definição de um ambiente de trabalho é uma das questões mais importantes quando se consideram os fatores que potencializam a motivação e, junto com isso, a forma adequada de comunicação entre os diferentes níveis de delegação e responsabilidades. Outro fator importante são os conselhos de trabalho ou a participação de todos os componentes de um sistema de trabalho no planejamento e criação de projetos, de tal forma que cada pessoa protagonize o desenvolvimento dos trabalhos na parte que lhe toca. Isso colabora de forma direta para o aparecimento de um outro fator que é dos mais importantes na alimentação necessária para o crescimento da motivação de forma permanente: a necessária autonomia, que Maslow e outros pesquisadores definem como fundamental necessidade humana. A motivação, além de ser o motor de qualquer atividade humana, também possui uma estrutura alicerçada em fatores como os que foram descritos anteriormente. E é fundamental que a educação influencie esses fatores e os transmita como cultura educacional aos centros de trabalho, que, na medida em que adquiram bons resultados nesta área, poderão também colaborar com a educação de base para investir no futuro de seus empreendimentos, poupando custos desnecessários e gerando cada vez mais condições para que o trabalho seja também um caminho de realização para os seres humanos.

Autor

Revista Esfinge