François de Nomé. Museu do Ermitage, Moscou.

Este pouco conhecido pintor de nome Nomé, a quem chamavam “Monsú Desiderio”, nos deixou, em 1620, esta impressionante paisagem arquitetônica que em todo o Barroco do século XVII renova o que é próprio da natureza, muitas vezes como um símbolo de morte. Com o início da ciência arqueológica, a ruína se libera do véu de decadência que a acompanhava e passa ao primeiro plano de interesse cultural, agora com um alento de magia, de mistério.

Neste soberbo quadro, produzido com somente duas cores, branco e preto e suas nuances, a protagonista absoluta é a ruína clássica, a coluna corinto ainda embutida em um resto de fachada, sobre desgastados montículos de terra. Uma figura encapuzada descansa neles. A coluna ocupa o centro, dentro de uma sombra, a do passado, que só ela recebe. Atrás há um céu nublado, que ilumina com sua luz de tempestade a arquitetura atual, a do momento em que se realizou a pintura: dois núcleos, um catedrático e outro palaciano.

A catedral de esbeltas agulhas e traços góticos parece inacabada. É difícil imaginar sua planta, porque se a fachada, como é lógico, é a que olha para coluna, flanqueada por torres e com galerias de santos, não há espaço para a nave, não sendo a obrigatória cruz latina. O oratório lateral poderia ser o transepto (braço menor da cruz), mas por trás dele se vêem os arcos fajones, sem muro. Está inacabado e o coreto está desviado.

É tão-somente um sonho. Um maravilhoso sonho. No fundo, o bloco palacial, uma estranha mistura de colunas solitárias, uma torre circular com capitéis, uma grande torre de defesa, dois oratórios clássicos, um deles com estátua. Tudo isso irreal.

As figuras humanas, estáticas, não acrescentam vida ao quadro. A paleta, monocromática e fria, contribui para essa atmosfera onírica, de certo modo ameaçadora, que nos sobressalta; a água é um elemento impossível, pois não se pode construir uma catedral às margens de um rio, mar ou lago.

É o aprisionamento de um sonho. O passado e o presente, a água do renascer, a sombra que oculta a luminosidade estranha.

É o profundo desejo de penetrar na impossível catedral inacabada.

Mª Ángeles Fernández

Há muitos séculos…

Vivia na cidade de Haffa, segundo um manuscrito do século XIII recentemente descoberto na Espanha, um Rabino com fama de santo e que tinha a peculiaridade de habitar uma casa completamente vazia, sem móveis.

Um dia passou pela cidade um comerciante muito rico que conhecia o Rabino desde menino. Cansado pela travessia do deserto inóspito e desejoso de visitar seu antigo companheiro de infância, foi vê-lo e, depois das cortesias e reverências iniciais, o comerciante perguntou:

-Diga-me… Por que não vejo nenhum móvel?

-E os teus?… Tampouco os vejo.

-Homem!…Não queira que no meio de uma viagem, estando eu de passagem, estivesse carregando móveis, que só me atrapalhariam.

O Rabino sorriu e lhe disse:

-Por que então te espantas com o fato de eu não ter móveis?… Também estou no meio de uma viagem… de passagem como estamos todos na vida.

Dizem que o bom comerciante não esqueceu jamais aquele ensinamento e que, logo que organizou suas finanças neste mundo, saiu peregrinando por lugares sagrados para viver junto à santidade.

Jorge Ángel Livraga

Autor

Revista Esfinge