Propiciou uma profunda mudança na sociedade européia. Dele e de sua Academia todo o Renascimento se nutriu intelectual e espiritualmente.

Filósofo, filólogo, médico, músico e sacerdote, recordado como o outro Platão, por haver protagonizado em Florença o renascimento do pensamento platônico, é o arquétipo do homem humanista. Propiciou uma profunda mudança na sociedade européia. Dele e de sua Academia todo o Renascimento se nutriu intelectual e espiritualmente. Nasceu em Figline Valdarno, um centro provinciano de Toscana, em 19 de outubro de 1433. Seu pai, Diotifeci, era o médico pessoal do Cosme de Médici e foi quem orientou Marsílio na medicina, estudando na universidade de Bolonha. O interesse e habilidade de Ficcino pela medicina nunca lhe abandonaram. Os Médici procuravam-no em primeiro lugar quando necessitavam de conselhos médicos, como faziam também seus amigos, a quem sempre tratou sem cobrar. Seus “Três Livros sobre a Vida” estão dedicados à preservação da saúde, em especial a daqueles que praticam a filosofia. Com seu característico humor sugere que não adianta muito que um estudante decida dedicar sua vida à filosofia, se perde a vida que pretende dedicar.

Mas a influência mais decisiva na educação de Ficino foi através de Cosme de Médici, governante de Florença e um dos homens mais ricos da Europa, que aspirava recriar em Florença as glórias culturais do passado clássico, reunindo em seu redor o círculo de homens mais dotados em relação às artes e a filosofia.

O grande sonho do Cosme de Médici era recuperar para a Itália, o quanto antes, a filosofia de Platão. E escolheu Ficino por suas qualidades, quando ainda era jovem, para que revivesse o estudo de Platão, não como um exercício escolástico, e sim como uma filosofia prática. Cosme disse ao pai de Ficino que ele havia sido enviado para curar corpos, mas que seu filho Marsílio havia sido enviado do céu para curar almas, e que ele o proveria de tudo generosamente.

Fiel a sua palavra, Cosme deu a Ficino em 1462 uma pequena propriedade muito próxima de sua própria vila em Careggi, que se transforma paulatinamente na famosa academia Platônica onde se reúnem sob sua influência o grupo de almas mais brilhantes que já existiu na Europa.

Esses homens foram os que impulsionaram o Renascimento: Lorenzo de Médici, Alberti, Poliziano, Landino, Pico de la Mirándola. Diretamente inspirados por Ficino se encontravam os grandes artistas do Renascimento: Botticelli, Miguelangelo, Rafael, Tiziano, Dürero e muitos outros.

É difícil entender a poderosa atração que exercia Ficino sobre os grandes espíritos de sua época, tanto pessoalmente como por correspondência. A Academia de Ficcino em Careggi chegou a ser um lugar de peregrinação para os maiores intelectos e espíritos durante sua vida e após sua morte.

Ficino traduziu do Grego para o latim o Poimandres, manuscrito atribuído a Hermes Trimegisto. Obra de grande importância, pois supunha para ele o Cosme de Médici que as principais tendências da cultura européia, a filosofia grega e a religião judaico-cristã, tinham como fonte última Hermes (ou Thot, como o conheciam no Egito). Ficino pensava que Hermes havia instruído não só a Moisés, mas também a Orfeu, que por sua vez havia inspirado uma linhagem de filósofos, incluindo Pitágoras e culminando com Platão. Ante a divisão entre a filosofia e a religião que caracterizou grande parte da Idade Média, Ficino escreveu, sem temor de contradição, que “a legítima filosofia não é diferente da verdadeira religião, e que a legítima religião é o mesmo que a verdadeira filosofia”.

Exteriormente, a vida de Ficino não foi muito acidentada e apenas saiu de Florença. Contudo, sua vida interior era muito ativa. Não contente em traduzir todos os Diálogos de Platão e escrever comentários sobre eles, começou a traduzir e comentar os principais filósofos neoplatônicos também, incluindo Plotino, Jamblico, Porfírio, Proclo e Psellus.

Duas de suas obras importantes foram a Teologia Platônica e a Religião Cristã, onde expôs sua idéia de reconciliação da filosofia de Platão com a religião Cristã. Mas sua visão de unidade era muito mais ampla: considerava todo o universo como uma manifestação do Uno, do Bem, de Deus. Para ele esta era a única realidade. Como músico, seu objetivo era elevar a alma mediante a beleza dos sons, no qual era verdadeiramente efetivo. Interpretando os Hinos de Orfeu com a lira encantava sempre seus ouvintes e lhes aportava os elementos anímicos de que necessitavam: força, valor, serenidade, etc.

Em 1473 foi ordenado sacerdote. Mas era tão profunda sua admiração por Platão que propôs firmemente que o filósofo grego deveria ser lido nas igrejas.

Considerava a ressurreição do Platonismo uma verdadeira intervenção da Divina Providência, já que o mestre grego ensinava a não cair nas causas imediatas, e sim elevar-se à primeira fonte, Deus.

É conhecido o grande amor que sentia por seus compatriotas florentinos e o amor que estes teriam por ele, e até pouco antes de sua morte, em um de outubro de 1499, gostava de caminhar por Florença, como Sócrates em Atenas, conversando com os jovens, que ficavam fascinados com seus ensinamentos.

A leitura de Ficino é um convite a voltar a considerar aquelas áreas de nossa vida que temos descuidado; como essas palavras que recolhemos de sua carta 19: “Só posso considerar como o mais insensato dos atos o que muita gente com grande diligência alimenta uma besta, isto é, seu corpo, um animal selvagem, cruel, e perigoso; mas permitem eles mesmos, isto é, a alma, a morrer de inércia”.

Julián Palomares

Autor

Revista Esfinge