Podeis acreditar que me encontro nas paredes gravadas de uma caverna? Pois assim é. Essa é minha morada, nas margens do Eresma, ao norte do Sistema Central, entre Segóvia e Ávila. Chama-se Caverna de Domingo García. E, certamente, se uma eminente equipe de arqueólogos não me tivesse datado, não acreditarias em minha antiguidade…

Pertenço à Idade do Bronze, quando ainda alguns de seus antepassados viviam em cavernas e adornavam suas paredes. Zona fria, passaram aqui dentro longas horas em torno da fogueira, plasmando seus sonhos e suas realidades.

Sonhou-me um homem há milhares de anos. Já havia domado o cavalo, já lutava com espadas sobre eles, já utilizava uma pequena roda de couro. Sonhou-me já quase um Dom Quixote.

Sonhou-me como arquétipo de uma raça? Imaginou moinhos, guerras de vinho, elmos e bacias? Viu-me como cavaleiro louco, idealista quimérico, defensor dos fracos, amante do Amor?

Fui uma distante encarnação de um tal Miguel de Cervantes?

Talvez, encolhido junto ao fogo, tivesse olhado nos olhos de uma Dulcinéia pré-histórica. Talvez tivesse um amigo fiel para a guerra e para a caça.

Talvez o resto da tribo risse dele e não entendesse porque passava tantas horas imaginando histórias.

Pertenço à Idade do Bronze, disse-lhes. Caminho da História.

Uma História que, na Espanha, produzirá alguém tão parecido comigo, tão emblemático…

Estou orgulhoso de ser o primeiro. Rocinante magro e adaga ao braço. Em uma caverna, onde tudo pode nascer, onde tudo se pode imaginar.

Quixote milenário, Quixote também do terceiro milênio, saúdo-os, Quixotes de toda a terra.

Mª Ángeles Fernández

Autor

Revista Esfinge