Professor de Arqueologia e Comissionado para a Gestão da Qualidade e dos Programas de Inovação, Vice-reitor da Universidade de Córdoba. Pesquisador e especialista do mundo funerário romano de Córdoba.

Uma reflexão profunda em busca da identidade perdida do ser humano e um canto de amor à extraordinária Córdoba romana.

Desiderio Vaquerizo mostra, através de seu discurso afável e desconflituado, o amor que sente por descobrir restos arqueológicos e como faz disso uma arte: a de recuperar a memória e testemunho do que algum dia ocorreu. Desse modo, o passado se faz presente. O velho se torna novo, e as pedras voltam “a falar e a resgatar o perfume de tempos esquecidos”. Não nasce de outra forma esse romance arqueológico, no qual o autor transmite a paixão vital que surge do grande jogo de opostos: o amor e o desamor, a memória e o esquecimento, a solidão mais extrema contrastada com o entorno generoso de um amor pleno, a vida e a morte; e, frente a todo caos possível, o autor mostra ao mesmo tempo aquilo que é imutável e inseparável ao coração do homem, aquilo que permanece e que não pode ser levado pelos ventos da história e que está simbolizado no título do livro.

Como nasce este romance?

A idéia nasceu há muito tempo, desde quando eu estava escavando a Necrópole de Almedinilla, no ano de 1990. Eu já tinha em mente a figura de um arqueólogo que, de alguma maneira, enamorava-se de um cadáver e perdia seu equilíbrio psíquico. Esse foi o embrião, mas o nascimento real deste romance foi a partir das conversas com o editora Plurabelle, já que me estimularam a fazer um romance histórico sobre a Córdoba romana. A partir daí, me animei e nasceu quase como um parto sem dor.

Pode-nos relatar brevemente a trama que move este romance arqueológico?

Você denominou bem, já que é um romance arqueológico e não um romance histórico, nem pretende sê-lo em sentido estrito, já que o romance nasce num marco atual. A trama se baseia numa equipe de arqueólogos da Universidade de Córdoba, dirigida por um professor da mesma universidade e que se encontra escavando um monumento funerário na necrópole nororiental da cidade. A partir daí surgem duas histórias paralelas nas quais eu estabeleço uma grande metáfora sobre o círculo da vida, esse grande círculo estaria composto por pequenos círculos que são nossos próprios feitos vitais. Daqui surgem duas histórias com uma série de concomitâncias, mas ao mesmo tempo com um grande jogo de opostos. Eu brinco permanentemente com a concomitância e com os opostos, como no caso do amor e do desamor, a memória e o esquecimento, a solidão mais extrema com o entorno generoso de um amor pleno. Portanto, essas duas histórias vão confluindo e se entretecendo. Os dois círculos antes mencionados formam, então, um só círculo, mostrando o inseparável da vida, aquilo que permanece, o que apesar das distintas épocas e dos dois mil anos que nos separam não mudou, que é muito. Apesar de outros elementos fisicamente imutáveis, como é o que dá o título ao livro.

Sim, mas o homem, na realidade, não mudou tanto…

O homem como ser humano, como ser que enfrenta a natureza e a si mesmo, e aos dois grandes fatos que fundamentam sua existência, que são a vida e a morte, não mudou totalmente.

O homem avançou em tecnologia, em ciência, mas… vocês pensam que moralmente estamos mais maduros e evoluídos do que nosso antepassados? Eu diria que perdemos ingenuidade no caminho, perdemos pureza e frescor. Tudo isso está muito presente no livro, nesse jogo de opostos de que eu falava. De alguma maneira, neste romance eu vejo a antigüidade com nostalgia, com essa melancolia própria daquele que é consciente de que perdemos pelo caminho o melhor de nós mesmos, a essência e a pureza, o propriamente humano.

Que sentido tem a morte para o homem atual e que sentido tinha para um romano?

Hoje, ocultamos a morte, a levamos aos cemitérios, fechamos as portas, não queremos os mortos nas nossas casas, os maquiamos… Por outro lado, na época romana vivia-se a morte, a morte era parte substancial da vida. Essa é uma das grandes diferenças com a nossa sociedade atual.

O que pretende o livro?

Este livro foge um pouco da história. Não pretendo manter a atenção do leitor a todo custo através de jogos de artifício. Eu convido o leitor a refletir sobre si mesmo e, sobretudo, a que enfrente muitos de seus problemas pessoais. Tudo depende da idade e da experiência vital do leitor. Gratamente estou recebendo cartas nas quais me agradecem pelos sentimentos que lhes despertei.

Qual é o perfil psicológico do protagonista?

Marcos, o arqueólogo e professor que já mencionamos, tem um perfil psicológico extraordinariamente complexo. Ele é um homem com uma excelente formação cultural e muito inteligente, mas é um homem que arrasta uma série de traumas; o primeiro deles é a própria relação com seus pais, que o levou a fugir de Córdoba. Marcos, na realidade, é um cadáver ambulante, mas ele não sabe. Isso o leva a viver uma vida que não lhe apetece. E a cometer uma série de despropósitos, como por exemplo, um matrimônio falido e ter uma atitude muito egoísta com relação aos demais. Mas, ao final, quando acaba se enfrentando com um fato determinante, uma enfermidade grave, reflete e toma decisões muito drásticas que têm como consequência seu primeiro ato de generosidade e amor desde que morreu há trinta anos. E o faz por amor a outra pessoa, para evitar sua condenação.

É um morto vivo que talvez possa refletir muito dos cidadãos, dessas pessoas que andam com o olhar perdido e cabisbaixo?

Eu acredito que existem muitas pessoas como Marcos, bloqueadas emocionalmente, desencantadas pela solidão e incapacidade de lidar com os demais, num mundo tão cheio de gente. Penso que os sentimentos que Marcos transmite são reconhecidos por muitos leitores.

Que aspectos reflexivos e filosóficos podemos extrair deste romance?

É um romance profundo, que não trata de dar mensagens, mas de provocar reflexões e transmitir sentimentos. Marcos é uma pessoa dolente, que vagabundeia pelo mundo quase como um fantasma que arrasta suas correntes. Eu não dou mensagens através deste romance porque sempre estabeleço opostos. Por exemplo, se descrevo uma situação que exemplifique princípios morais, logo delineio outra que expresse o contrário. Então, há uma perspectiva existencialista que marca nostalgia da idade de ouro.

O que é a morte para um arqueólogo? E a vida?

A vida não é outra coisa senão o suceder da morte, algo tão simples como isso. Vivemos para morrer, e morremos porque vivemos.

Platão dizia que os vivos nascem dos mortos, e que os mortos nascem dos vivos…

Então, efetivamente, acredito que a morte para um arqueólogo é tudo; através da morte captamos o reflexo do que foi e tentamos reconstruir vidas. Nesse sentido, que você apontou muito bem, insisto que é um romance arqueológico, para provocar no leitor uma reflexão sobre como funciona o pensamento arqueológico, ou seja, de como a partir de determinados restos, a partir de determinados argumentos, somos capazes de reconstruir uma história. Desse modo, este romance pode se converter numa lição de arqueologia, mas não porque eu pretenda dogmatizar, mas simplemente trato de mostrar como o pensamento arqueológico bem documentado e contrastado é uma fonte de história de primeira mão. A morte é, para nós, um elemento fundamental para recriar os vivos, e ao mesmo tempo, a morte tem uma grande importância para os vivos.

Fale-nos sobre a lembrança para um arqueólogo.

A vida passa, as coisas permanecem; o rastro que fica é da memória daqueles que lhe recordam. Os romanos tinham uma verdadeira obsessão pela memória, e há muitas inscrições romanas que dizem literalmente algo assim: “escuta, caminhante, tu que passas por diante da minha tumba, lê e diz meu nome em voz alta, porque se o disseres significará que estou vivo”. Eu creio que vivemos na mesma medida em que se lembram de nós. Ovídio, em “A arte de amar”, quando foi exilado, disse para ninguém se preocupar com ele, já que viveria; que seu nome viveria sempre nos seus livros. Penso que todos nós seres humanos, no fundo, buscamos a imortalidade, cada um da sua maneira. Uns a buscam tendo filhos, outros plantando árvores e outros a buscam escrevendo livros. Estamos buscando viver na lembrança dos outros.

Qual a sua opinião sobre o imperador Marco Aurélio? Você acha que ele foi um motor da história?

Sim, sem dúvida alguma. Marco Aurélio, o filósofo, foi um homem muito particular, muito complexo, que se enfrentou com uma situação histórica muito complexa, desde o governo de Lúcio Vero, que, diz-se, mandou matá-lo, até seu matrimônio com Faustina, que lhe foi muitas vezes infiel, sobretudo com um gladiador famoso. Foi uma pessoa que, apesar de seu otimismo filosófico e de sua grande formação, teve que vivenciar uma situação de governo muito difícil. Foi um imperador chave entre o alto e o baixo império, entre o momento de esplendor de Roma e o momento de sua decadência. Marco Aurélio foi o último de uma época, é ele quem encerra a dinastia dos imperadores béticos.

Como você imagina que foi a Córdoba romana, como vê a atual e como gostaria que fosse?

Esta foi uma das perguntas mais bonitas que me fizeram, mas ao mesmo tempo uma das mais difíceis de responder. Eu diria que a Córdoba antiga, a Córdoba romana, não pode ser valorizada de forma unívoca, nem sincrônica, já que às vezes esquecemos que durou oito séculos. E em oito séculos acontecem muitas coisas. Essa é uma chave que às vezes esquecemos. A Córdoba romana teve seu máximo esplendor na época de Augusto e precisamente de Marco Aurélio. Uma Córdoba extraordinariamente monumental, uma Córdoba tão romana como a própria Roma. Uma capital de província com nível de capital de império e sempre belíssima, sem dúvida alguma. Creio que a Córdoba atual é uma Córdoba que quer e não pode. É uma Córdoba que se sente prisioneira de si mesma, que não encontrou o caminho, uma Córdoba que continua com tendências populistas, sem abordar a raiz dos problemas que novamente volta a encontrar como numa encruzilhada. Está na conjuntura de abordar um futuro diferente, e eu temo que não consiga. Eu gostaria que a Córdoba do futuro fosse uma Córdoba que reagisse, sem perder sua idiossincrasia. O que eu realmente gostaria que se dessem conta é de que Córdoba poderia ser uma das capitais culturais do ocidente, porque o foi ao longo de muitos séculos de sua história e porque conta com os mecanismos e elementos para isso.

Qual sua opinião sobre a perda de patrimônio que Córdoba sofre devido ao conflito que surge com seus restos arqueológicos?

Aproveitando a pergunta anterior, entre outras coisas, há que se compreender que sua riqueza monumental, patrimonial e particularmente arqueológica é um dos argumentos fundamentais de que dispõe. E que no último século, mas principalmente nos últimos vinte anos, dedicaram-se a destrui-la sistematicamente. Atualmente, Córdoba, diferentemente, por exemplo, de Mérida ou de Tarragona, não dispõe nem sequer de um conjunto arqueológico para visita. Estamos tentando vender uma Córdoba relembrando o seu passado, mas acabamos vendendo apenas fumaça.

O que há de autobiográfico no romance?

Nada. O que tem de meu no romance é a faceta como arqueólogo, a atitude ante a arqueologia. Mas aí terminam as coincidências. As vicissitudes vitais desse personagem não são minhas, felizmente para mim.

Pode explicar-nos o simbolismo do título da sua obra?

Este romance começou com muitos e diferente títulos… Mas no final ficou “A árvore do pão”, como elemento de imutabilidade nessa grande metáfora da vida. Frente a tudo que acontece, há um elemento que permanece imutável, que é, neste caso, a árvore. De alguma maneira, brinco com essa possibilidade e deixo entrever que frente a todas as pessoas que passaram no tempo, a árvore permaneceu. Há um elemento de imutabilidade frente ao que é instável na vida. Além do mais, escolhi uma castanheira por outros muitos motivos, já que a árvore do pão é uma árvore tropical, muito freqüente no Caribe, que dá frutos extraordinariamente grandes, de dois quilos, e que são comestíveis. Remontando-nos à época romana, quando ainda não se havia popularizado o pão, os romanos utilizaram a castanha como base da sua dieta alimentícia e por isso a chamavam popularmente de árvore do pão. E também escolhi a castanheira por suas implicações no mundo funerário. A castanha é um fruto que se consome em festas funerárias. Ainda hoje é consumida em todo o mediterrâneo, em lugares da Grécia, Itália e Espanha.

Antonio Manuel Cantos Prats

Correspondente da Esfinge em Córdoba.

Autor

Revista Esfinge