Já sou apenas alguns adobes mal encaixados, mas faz 2600 anos que resisto a todos os ventos do deserto.
Fui construído por Justiniano, como um quartel vigiando o Eufrates. Abriguei as tropas romanas que protegiam a fronteira e fui testemunha de batalhas, de longas rondas da guarda e de suspiros dos homens que recordavam suas famílias tão distantes.
Guardei armas e armaduras, medos e exaltações, dores e risos, reuniões de guerreiros bebendo ao redor da fogueira, bem como de irmandades de espadas e escudos.
Passaram sobre mim as estrelas, as luas e os sois do deserto que ardiam contra minhas paredes e meu teto.
Fiquei vazio. Sem os soldados, sem os ruídos das armas. Apenas o vento. Só a companhia de alguma caravana, que voltava a ascender uma fogueira, deixava-me ouvir os sons das vozes humanas.
Resta tão pouco de mim… Pergunto-me, e pergunto aos gênios das areias, quanto tempo tardarão para se desfazerem os adobes que me restam, tão instáveis, tão deformados, tão mal apoiados uns sobre os outros.
Nem eu mesmo sei como ainda agüento. Penso que me mantenho porque aqui absorvi, como água da chuva, o espírito dos guerreiros que me habitaram. Eles, feridos, se mantinham em pé até que a última sombra nublasse seus olhos.
Com o corpo transpassado por espadas, ainda eram capazes de brandir a sua e de morrer quase de pé.
Estou seguro de que o valor desses guerreiros está em minhas paredes, e isso me ensinou a resistir, a não cair, a manter-me firme como uma rocha.
O que me resta. Em pé.
Velho quartel de Justiniano, eu também sou soldado, eu resisto, aprendi. Quando meu último resto se desmoronar, serei um monte de escombros.
E entre eles, um espírito ainda deixará ouvir sua voz:
“Eu pertenço à História”.
“Eu sou um velho guardião da fronteira”.
Mª Ángeles Fernández