Não quero ir contigo!

Não, Plutão, não me leve ao Hades. Não quero viver contigo naquele inframundo de escuridão, onde não crescem as flores, onde o Sol não ilumina. Deixe-me com minha mãe, com Deméter, a das espigas, a que reina no calor amável da terra. Não a entristeça, porque se me arrebatares os campos não florescerão, tudo será deserto e frio como teu reino, os humanos morrerão de fome…

Não quero teu amor tão rude, não podes obrigar-me a te amar. Meu coração é livre, como livre é a primavera, o que sou, sem os limites de tuas cavernas, sem as fronteiras de tua escuridão. Assustam-me teus abraços.

Porém tenho que permanecer seis meses contigo, porque assim pactuaste com minha mãe, em troca de minha liberdade parcial. Seis meses nos quais alegrarei teu reino, enquanto a terra sente falta de mim, enquanto as árvores perdem sua coloração verde e os campos se cobrem de geada. Então me deixarás partir e novamente minha presença fará reviver a Natureza.

E, observe, Plutão; levar-te-ei a sentir ternura. Levar-te-ei a compreender e a compadecer. Comoveu-me teu amor, tua necessidade de ser amado.

Tua solidão desesperada.

Por isso decidi te dar, de minha parte, um pouco de amor. Se de meus dedos puderem brotar flores, por que não raspar com eles a escuridão úmida das pedras de tua caverna. Se meu sorriso pode iluminar um mundo triste, por que não sorrir em tuas trevas? Se tuas faces nunca foram beijadas, por que não pôr meus lábios nelas por um instante.

Por que não semear a primavera onde só se conhece o inverno. Deixar um sorriso onde o gesto era amargo. Roçar tuas mãos sempre solitárias. Na realidade, essa é minha tarefa no mundo. Cumprirei-a também contigo, pobre Plutão, sempre nas trevas. Não te temo: não há inverno que não seja vencido pela primavera.

Mª Ángeles Fernández

Autor

Revista Esfinge