As mudanças mais significativas no nível do mar desde que a humanidade existe têm sido relacionadas com a glaciação do Pleistoceno. Baseado nisso pode se dizer que esta inundação deixou uma impactante recordação na “História do Homem”: talvez a do Dilúvio?

É possível que há uns 5000 anos, devido a um processo de dissecação, o Mar Negro tenha ficado isolado do Mediterrâneo e se convertido em um lago. Posteriormente, e de forma brusca, abriu-se novamente a comunicação entre ele e o Mar Mediterrâneo por meio do Bósforo e, sendo assim, as águas alagaram uma grande extensão das costas daquele efêmero lago provocando uma inundação catastrófica.

Segundo os últimos descobrimentos científicos, é certo que o Mar Negro – O Ponto Euxino dos antigos – era um lago, mas há divergências sobre se ele é o resultado da dissecação de um mar.

No ano de 2000, a imprensa veiculou as investigações que ali estavam sendo realizadas e nas quais estava presente a National Geografic Society. O protagonista era Robert Ballard, aventureiro-investigador que ficou famoso por ter efetuado o resgate do Titanic. Nas profundezas do Mar Negro, ele buscava navios antigos que, por causa do oxigênio existente nas águas dele, supunha estarem bem conservados.

No comando do projeto arqueológico estava Fredrik Hiebert da Universidade da Pensilvânia. Tanto Fredrik como Ballard ficaram surpresos ao constatarem que, a grandes profundidades, os fósseis encontrados eram de água doce – com uma idade aproximada de 7500 anos – enquanto que, mais superficialmente, os fósseis eram de água salgada. A datação desses últimos era de aproximadamente 6500 anos.

Se acontecer a dissecação de um mar, como se pode comprovar no processo ininterrupto do Aral, ainda que seja denominado “lago”, continuará sendo de água salgada, nunca de água doce. Segundo essa teoria, compartilhada por gente que tem muita bagagem acadêmica, faz uns 7500 anos que o atual Mar Negro era um lago e, como tal, de acordo com seus fósseis, de água doce.

Devido a um cataclismo, que sem dúvida teve lugar há uns 7000 anos, o Mar Negro foi invadido por uma formidável avalanche de água salgada que deixou, como resultado, o mapa histórico da Região, incluindo o Bósforo ao Sul e o Mar de Azov ao Norte. Logicamente, a avalanche provinha do Oceano Atlântico invadindo o Mar Mediterrâneo, que, por sua vez, se derramou por onde pôde. Em função disso invadiu inclusive as áreas das planícies que rodeavam aquele lago pré-histórico, que são as atuais Bulgária, Romênia, Ucrânia, Rússia e, em menor proporção, as costas da Geórgia e da Turquia. Mas qual foi a origem te tanta água? Pela época aproximada, pode se dizer que foi o degelo da última glaciação.

Segundo a geóloga Dorothy Vitalino, inventora do termo “geomitologia”, em seu livro Lendas da Terra, parece que as geleiras glaciais iam se derretendo pouco a pouco, quase da mesma forma como se originaram. As mudanças mais significativas no nível do mar, desde que a humanidade existe, estão relacionadas com a glaciação do Pleistoceno, mas sem ter um grande efeito no que podemos chamar de “A História do Homem”. A teoria mais aceita é que, se os mares aumentaram com a água dos degelos, a falta de pressão glacial sobre a terra a fez ascender – o que recebe o nome de elevação isostática –, com o que se manteve o equilíbrio.

Seja como for, o fato é que esta inundação pode ter deixado uma lembrança impactante na “História do Homem”: talvez a do Dilúvio?

Hiebert e Ballard descobriram também, a 100 metros de profundidade, estruturas habitáveis e construídas com pedra, talhadas pelo ser humano. Essa descoberta representa a primeira evidência concreta da ocupação das costas do Mar Negro, anteriores à sua inundação. Essas declarações foram feitas pelo arqueólogo da Universidade da Pensilvânia e, por certo, se referia a povos totalmente civilizados, dedicados à pesca e à agricultura, que se viram varridos pela inundação.

Anteriormente, dois investigadores da Universidade de Columbia, William Ryan e Walter Pittman, levantaram a hipótese de que há mais de 7000 anos o Mediterrâneo, a raiz do degelo das glaciações européias, teria se precipitado sobre o que até então havia sido um lago de água doce, dando origem ao Mar Negro. Plasmaram essa idéia em um livro denominado “A inundação de Noé”.

Anteriormente Alexandre Moreau de Jonnés, investigador-humanista dos séculos XVIII e XIX (1778-1870), desenvolveu no livro “Os Tempos Mitológicos” a teoria da existência de colônias formadas por povos já civilizados, que se estabeleceram na zona norte do Mar Negro, onde há extensões de terras férteis. Levando em conta que a Revolução do Neolítico – a “domesticação da agricultura” – aconteceu há uns 10.000 anos, essa pode ser a data das suas colônias hipotéticas.

Seus integrantes teriam sido os criadores das religiões organizadas que hoje chamamos de “mitologias”. Moreau de Jonnés aponta que todas elas parecem ter se originado de um ponto comum que indicam períodos sucessivos de uma mesma história referente à infância dos povos. Todos teriam como cenário uma mesma região, seguindo o mesmo cânone.

Segundo sua teoria, esses povos e seus descendentes podem estar hoje separados por consideráveis distâncias e por profundas diferenças em termos de língua e costumes: também é possível que alguns tenham desaparecido, mas certamente viveram nas suas origens em lugares próximos e tiveram uma existência análoga formando uma estrutura social parecida e sofreram as mesmas vicissitudes e calamidades. Por afinidades recíprocas, a Filologia guarda o parentesco entre os povos, mas não explica como ele foi estabelecido. Moreau tinha claro que esse parentesco tinha sido obtido por meio da zona norte do Mar Negro.

Seus colonos procederiam do Egito, Líbia, Cuch – o Kuch –, Summer (que no tempo de Moreau ainda não havia sido descoberto) e seguramente haveria indo-europeus e asiáticos. Nessa zona se encontrariam e se misturariam com os indígenas brancos, os citas e todos eles conviveriam, relativamente em paz, superando um ou outro “cataclismo geológico”. Dessa mistura, segundo ele, surgiram novas raças como a etíope e a semita.

Um “cataclismo geológico” definitivo poderia ter sido ocasionado pelo afundamento de uma das ilhas do Mar Negro, devido à abertura de uma cratera embaixo das águas. Pode ter acontecido há mais ou menos 7000 anos… Se isso tivesse coincidido com a avalanche de águas que formaram o atual Mar Negro e o Azov, já teríamos definido e catalogado o mítico Dilúvio universal. Como indica Dorothy Vitalino, em seu livro, aconteceram todas as circunstâncias de uma lembrança indelével para a Humanidade.

Vulcões submarinos em erupção, terremotos, maremotos e também o que atualmente chamamos de tsunamis engoliram os povoados e seus habitantes. Realmente, ali desapareceu um mundo e uma humanidade. Os poucos sobreviventes puderam salvar-se em barcas, porque relativamente próximo deles havia cordilheiras de altos cumes.

Dispersaram-se pela face da terra em distintas direções, transmitindo aquela história. Alguns, apesar do tempo transcorrido, voltariam à sua terra natal e outros buscariam novos lugares. Ali estavam os antepassados dos gregos – os pelasgos –, dos distintos povos celtas, dos babilônios… Como em sua simplificação diz a Bíblia, jaféticos – os japétidas dos gregos –, camitas e semitas.

As investigações de Ballard, Hiebert, Ryan e Pittman, assim como as elucubrações de Moreau, demonstram-nos, mesmo que pareça uma lenda, um mito, que foi possível, pois atualmente sabemos que é possível.

Como exemplo, no dia 26 de dezembro de 2004, vimos quase ao vivo, pela televisão, como é possível que “um mundo” desapareça: a catástrofe do Índico, segundo as manchetes dos jornais “A perda do Paraíso”, “Uma catástrofe sem precedentes”, ocorrida em apenas uns minutos, umas horas. E quanto à população? Quase 300.000 pessoas! Esta quantidade não era “uma humanidade” no início do século XXI, mas poderia ter sido há 7000 anos. Como se poderia avaliar naqueles tempos a quantidade de mortos e desaparecidos, quando somos incapazes de fazê-lo hoje na Indonésia?

É um fato recente e todo mundo o conhece. Fala-se dele e se falará por muito tempo – não sei se durante 6000 anos – porém hoje o que poucos se lembram são de outras catástrofes históricas similares. Uma delas ocorrida também na Indonésia e que supostamente causou o desaparecimento de outro mundo: uma erupção vulcânica ocorrida no dia 27 de agosto de 1883, na qual desapareceu a Ilha de Krakatoa localizada no Estreito de Sonda entre Java e Sumatra. Segundo comentários, foi a explosão mais poderosa da história, 30 vezes mais intensa do que a da maior bomba termonuclear.

Certamente, também se considerou o acontecimento natural mais catastrófico registrado na história da civilização. Slobodan Lekic publicou a notícia, no dia 18 de maio de 2004, do renascimento de um novo vulcão, “Anak Krakatoa” – filho de Krakatoa –, que cresce a um ritmo de 4,5 metros por ano desde 1930, no mesmo lugar em que desapareceu “seu pai”. Já alcançou uma altura de 400 metros e em seus períodos de atividade entra em erupção de 20 a 30 vezes por dia.

A explosão do Krakatoa foi ouvida na Austrália e na Birmânia e a nuvem de rochas e cinzas que formou a erupção circundou o planeta durante um ano. Segundo alguns, o resplendor da pintura “O Grito” de Munch, 1884, reflete o céu escandinavo tingido pelos rastros que deixou a destruição daquela Ilha. Também as condições climáticas foram alteradas durante vários anos por causa disso.

Uma onda gigante de aproximadamente 40 metros de altura inundou uma centena de aldeias por ambos os lados do estreito e matou umas 37.000 pessoas. Quanto à Ilha, ela desapareceu junto com a maioria dos seus habitantes, restando apenas uma pequena ilha. No mesmo lugar no ano 416 a.C. ocorreu outra enorme explosão, a de um vulcão que os cientistas denominaram proto-Krakatoa e que conectava Sumatra a Java. Ao explodir criou o Estreito de Sonda, deixando um rastro de ilhas menores, incluindo Krakatoa. Sobre o terrível fato, o britânico Simon Winnchester escreveu o livro denominado “KraKatoa: o dia em que o mundo explodiu”.

Com um título parecido, “O dia em que o mundo desapareceu”, os também britânicos Gordon Thomas e Max Morgan-Witts tratam de outro desastre ocasionado pelo Vulcão Mont Pelée da Ilha Martinica – no arco das Pequenas Antilhas, entre o Caribe e o Atlântico –, no qual a água tomo a forma de grandes tormentas, transbordamentos de rios e um formidável tsunami, ocasionado pela terrível avalanche de lama e lava que se precipitou no mar. Este se retraiu, recuou um tempo e retornou com toda sua fúria: a cidade de Saint Pierre ficou totalmente destruída.

A diferença é que, deste cataclismo, podem ter se salvado umas 30.000 pessoas – 15% da população – os demais foram sepultados embaixo das ruínas ou morreram afogados, pois a erupção começou numa sexta-feira, 2 de maio de 1902, e não terminou até quinta-feira, 8 de maio. A pouca importância que a princípio lhe deram seus habitantes e a desídia das autoridades foram a principal causa de uma tragédia que poderia ter sido atenuada, se não tanto em termos materiais, mas, pelo menos, em termos humanos.

Dilúvios universais, finais de mundo, locais paradisíacos, ou não, levados ao fim pela Natureza, por sua conta ou com a ajuda do homem, por fatalidade ou por negligência… todos foram os mais catastróficos, os mais definitivos, o pior que se tem lembrança na história, sem nos darmos conta que o horror este sim é “universal”, e não tem limites. A única diferença é que hoje somos capazes de racionalizar. Quem sabe talvez amanhã sejamos capazes de preveni-los ou evitá-los.

Rosa Torres

Autor

Revista Esfinge