Empunhem o florete, cruzemos este umbral e adentremos umas vidas de lendas.

Recordo que em minha mais terna infância eu já sonhava com cavaleiros e mosqueteiros. Em minha imaginação infantil corria mil e uma aventuras em defesa de princesas e em luta contra inimigos. Com um galho de oliveira, que previamente me cortava com esmero no campo, protegia-me em luta sangrenta contra galinhas e gatos, únicos inimigos que encontrava a minha disposição. Os anos se passaram, a vida também, mas é uma boa lembrança que eu guardo como um tesouro. O mais interessante de tudo isso é que tudo aquilo que provocava e incentivava a minha imaginação de certa forma era histórico.

A célebre obra de Alejandro Dumas está baseada em personagens e feitos reais.

Corria o ano de 1600 quando o rei Enrique IV da França fundou um corpo de guarda cujo fim era sua proteção. Este grupo era armado de carabinas e recebeu o nome de carabineiros. Posteriormente, Luis XIII os rearmou com mosquetes e os integrou dentro de uma unidade maior de lanças. Receberam então o nome que tanta fortuna teve: Os Mosqueteiros do Rei. Sua vida foi frustrada; dissolvidos e incorporados em várias ocasiões, desapareceram finalmente em Waterloo. Seu número poucas vezes superou 150 homens. Evidentemente a importância histórica deste grupo é insignificante, e se se transformou em um dos grupo militares mais famosos do mundo, isso se deve a histórias de aventuras de seus membros, narradas pelo genial Dumas. Ainda que, se devemos ser justos, não foi Dumas o primeiro que narrou os feitos desses valentes espadachins. Em 1700 apareceram publicadas em Colônia e Amsterdã as Memórias de M. Dartanhã. Obra realizada por um escritor chamado Gatien de Courlilz de Sandras. O certo é que Gatien teve uma interessante e agitada vida, pois foi realmente mosqueteiro. Encarcerado na Bastilha, escreveu uma série de novelas, inventando biografias. O interessante destes escritos fictícios é que estavam baseados em experiências reais vividas pelo próprio escritor e contadas por companheiros de armas.

Os leitores ficam presos pelas histórias habilmente tecidas por Gatien, que mistura seu conhecimento real da vida de soldado profissional e a ficção de aventuras. Alejandro Dumas, em 1848, quis manter a ficção e apresentou a novela como feitos verdadeiros. Dartanhã nunca existiu, mas sim o personagem em que se basearam os dois escritores, e o Dartanhã real se chamava Charles Batz, ainda que, depois de herdar do pai umas terras em Castelmore, seu sobrenome se modificou e ele passou a ser chamado de C. Batz-Castelmore.

Como seu irmão mais velho, o jovem Charles foi mosqueteiro por volta de 1638-1640; Dumas o faz existir em Paris 20 anos antes. Os companheiros da novela também existiram; assim, Aramis foi um cavaleiro chamado Henry d’Aramitz, dedicado ao sacerdócio laico na companhia de mosqueteiros, e que era sobrinho do chefe dos Mosqueteiros, o senhor Treville. Armand de Sillegue, senhor de Athos, também existiu e morreu em um duelo anos antes da chegada de Charles Barz (o Dartanhã da novela), e o terceiro mosqueteiro se chamava Isaac de Portou (o Porto de Dumas). Sigamos com os personagens e seu reflexo histórico e real: Milady era na realidade a condessa de Carlisle, e, sim, foi um agente secreto de sua Excelência o Cardeal Richelieu, cuja missão mais famosa foi o roubo dos diamantes do Duque de Buckingham. A realidade nos depara estas surpresas.

Charles Batz foi muito querido entre seus companheiros e mostrou sempre uma coragem e temeridade lendárias. Era impetuoso e já na primeira saída como mosqueteiro regressou ao quartel com vários orifícios de bala na roupa e no chapéu. Um tipo com sorte apesar de tudo, distinguido nas ações de guerra nos anos 1642 e 1640. Depois de uma das dissoluções dos mosqueteiros em 1646, entrou para o serviço do Cardeal Richelieu e, depois da morte deste, ficou sob a direção do também cardeal Mazarino. Morreu em 1673, em uma idade considerável, na sede de Mastrich.

Fermín Castro

Autor

Revista Esfinge