Por volta do século XI, alguns poetas – que de seu país foram se expandindo por toda Europa cantando os louvores dos grandes homens, tanto mortos como vivos, foram chamados de trovadores por suas excelentes descobertas ou invenções.

Estes primeiros poetas cultos da Idade Média tiveram sua origem em Provença, região que, enriquecida pelo comércio, dotada de uma situação privilegiada e conservando múltiplos restos da sociedade municipal romana, teve a sorte de permanecer durante dois séculos sem experimentar invasões estranhas, nem ter que passar por guerras internas, sendo governada por príncipes nacionais que apenas pensavam em fomentar a indústria e em dar esplendor à corte.

Nessa cidade, o latim não havia conseguido a preponderância que o fazia preferido na Itália como idioma do vulgo, e utilizado em tudo o que se escrevia, mas conservava a influência suficiente para que a língua do país fosse gramatical e culta. Foi nesta língua que os trovadores começaram a versificar, compondo poesias líricas na sua maior parte, nas quais celebravam as damas, os cavalheiros, as armas, os amores e a cortesia, cuja forma de expressão avantajava o conceito.

Na sua maioria, as trovas desses poetas músicos eram o produto de felizes inspirações; daí que “trovar” passou a significar “fazer versos”. Suas excursões pelas principais cortes e palácios da Europa inspiraram o gosto pela poesia dos magnatas e senhores mais poderosos, contribuindo numa grande medida para suavizar os costumes daquela época.

Em Castilha, a arte de trovar foi chamada antigamente de “gaya sciencia” (“a ciência alegre”), segundo consta no famoso livro escrito por Dom Enrique de Villena.

Mas, já é hora de conhecer o mais antigo dos trovadores de que temos noção: Guillermo IX, duque de Aquitânia e conde de Poitiers.

Guillermo de Aquitânia

Era um cruzado que, logo em seguida da morte de seu pai, possuía mais propriedades do que o rei da França. Foi excomungado várias vezes, tanto por seus conhecidos adultérios como por suas repetidas usurpações das propriedades da Igreja, e antes de morrer escreveu um poema dizendo adeus ao mundo e à glória cavalheiresca.

Agora, há uma pergunta que, de certo modo, não deixa de ser um pouco “chocante”: por que o “enganador de mulheres” que havia sido antes, converteu-se tão rápido num amante cortês, e sob quais influências? E por que, a partir dele, toda a poesia amorosa se orientou, de forma genérica, à concessão de uma espécie de primazia do amor do coração sobre o amor físico?

Influências

É evidente que, na época de Guillermo de Aquitânia, duas eram as forças culturais que dominavam a Europa.

Por um lado estava o Cristianismo, religião na qual Guillermo IX foi educado; mas recordemos que, desobedecendo as leis desta religião, Guillermo era manifestamente adúltero, além de ter sido amaldiçoado em repetidas ocasiões.

Por outro lado, a bandeira da meia lua ondulava triunfante no ocidente europeu; mas o Islã não veio sozinho, trouxe consigo as filosofias aristotélicas e platônicas que tanto influenciaram esse mundo medieval, muçulmano ou cristão. Recordemos que as divisões em três partes do amor, inspiravam-se no três graus da amizade aristotélica, assim como é indiscutível que a dialética platônica do amor se assemelhe a dos trovadores.

Mas muitas outras causas – literárias e sociais – manifestaram-se ao mesmo tempo em que o ressurgir tímido das letras antigas: fez-se patente o feitiço exercido pelos cantos de igreja e seus ritmos neolatinos, e apareceu o cristianismo platônico dos filósofos da escola de Chartres. Ademais, pelo que diz respeito aos determinismos sociais que se exerciam no marco dos vínculos de vassalagem, muitas vezes eles estavam penetrados de ritualismo como por exemplo, as irmanações de sangue, primeiro reservados ao sexo masculino e logo convertidos pouco a pouco aos casais, como símbolo da troca de corações.

Guillermo acreditava que era admirável que um grande senhor se humilhe por amor ante uma dama, princípio que devidamente especificado, apenas se encontra na literatura árabe. As formas externas da galantaria árabe – os emires se inclinavam ante as damas – foram o que Guillermo IX e seus amigos observaram primeiro. Concretamente, no que Guillermo se refere, sabe-se com certeza que recebeu a influência dos filósofos da escola de Chartres, e provavelmente também a de seu compatriota Gilberto de la Porrée, estudioso de Platão e Aristóteles.

Resta clara a dupla influência cultural que se expandiu pela Europa nestes séculos. Os árabes fizeram as vezes de brilhantes transmissores do saber clássico e tradicional, sem perder de vista que eles mesmos nos legaram um variado folclore e ricos costumes. Estas influências árabes, no que constituiu o fenômeno trovadoresco, ficam mais claras ao estudar a música própria destes séculos, como veremos mais adiante.

Conclusão

Vimos os aspectos mais importantes deste imenso complexo poético-cultural que criou formas artísticas muito diferentes das da Antigüidade, e que ergueu contra a moral cristã um sistema de valores baseado quase exclusivamente na exaltação e idealização da amizade intersexual. Esta nova ética correspondia talvez a uma espécie de desquite da “outra Europa”, a dos bárbaros, dos pagãos e dos hereges, que com a riqueza de seus mitos, o esplendor de sua magia, suas peripécias dramáticas e as aventuras heróicas ou loucas nas quais seus heróis se enredam, constituíam um tipo de protesto contra o mundo católico e romano.

Se temos em conta a mudança súbita de Guillermo de Aquitânia, conde de Poitiers (e sobretudo, as influências que recebeu), a importância do espírito trovadoresco nas leis e na sociedade (em 1323, por exemplo, as leys d’amors fazem coincidir as regras poéticas com as leis morais e unem sob o mesmo conceito de amor a urbanidade, os bons costumes e a virtude) e a aparição de várias escolas de trovadores e jograis em toda a Europa, não podemos crer que já sabemos tudo sobre os trovadores, e menos ainda que seu surgimento à luz do dia obedece a uma simples e fácil casualidade.

Tudo isso não faz mais do que manter vivo o enigma que rodeia tão excelsos personagens de alma poética e espírito sonhador, que mantiveram acesa a chama artística e filosófica de antigas civilizações já desaparecidas, iluminando com ela a ante-sala do Renascimento. O mágico fio que transpassa todas as idades e todas as formas habitou no corpo do trovador e este o levou às praças dos povos, aos muros dos castelos, aos bosques e aos mares. Seu canto foi raptado pelo vento, e sua figura estética se uniu à História para, num tempo futuro, voltar a ensinar a humanidade as regras do amor e da cortesia, os feitos heróicos e a necessidade do progresso indefinido ao soberano Bem.

A língua de oc e a língua de oil

A língua de oil constitui o estilo épico. O cultivo da língua de oc, o estilo lírico, abarca mais de dois séculos. Até 1210, estende-se a época do seu apogeu, começando logo a decadência inevitável, apesar dos esforços que em 1323 a escola erudita realizou tão celebrada com o nome de Jogos Florais de Toulouse.

Que tristeza produz ver como são as coisas quando se sabe como foram!

Aimeric de Pegilhan

A língua de oil

A língua de oil constitui o estilo épico, a poesia de romance cavalheiresco e mágico que se desenvolveu no norte da Europa. Compõe-se principalmente da matéria de Bretanha, a que os trovadores aludem desde muito tempo e onde se enquadram os romances de Chrétien de Troyes. Aparecem o Tristán e Iseo, Jaufré e Blandín de Cornuales, que são poemas meridionais do ciclo bretão, pertencentes aos romances da Távola Redonda.

Foi, sobretudo, com Chrétien de Troyes que se expandiu a mitologia bretã na França e no Ocidente, especialmente as lendas do Graal. As mulheres têm um importante papel nestes novos romances: entregam-se, acorrentam os homens, às vezes são abandonadas por eles, mas também se mostram capazes de suscitar o heroísmo e a devoção masculinos até a superação de si mesmos na morte.

A língua de oc

O cultivo da língua de oc, o estilo lírico, abarca mais de dois séculos. Além de Guillermo de Poitiers existiam em fins do século XI outros trovadores, que desde sua época até 1150 conformam o primeiro período da lírica cortesã dos provençais. A este período pertencem, entre outros, Ebles III de Ventardorn, Girandó lo Ros de Toulouse e Pedro de Alvernia.

Desde esta segunda data até 1210 se estende, sem dúvida, a época do seu apogeu, começando logo a decadência inevitável, apesar dos esforços que em 1323 a escola erudita realizou tão celebrada com o nome de Jogos Florais de Toulouse.

Trovadores famosos

Ao chegar a segunda metade do século XII, a presença dos trovadores torna-se mais freqüente. Vamos mencionar os mais célebres entre os principais.

Bernardo de Ventardorn (1140-1195), educado na escola poética de seus senhores, ascendeu por seu talento à nobre hierarquia. Ora perseguido, ora protegido nas diferentes cortes que visitou, sua vida agitada e aventureira terminou num claustro.

Jaufre Rudel (1140-1170), príncipe de Blaya, dirigiu seus cantos à condessa de Trípoli (que não conhecia) e embarcou para prestar-lhe pessoalmente sua homenagem, encontrando a enfermidade e a morte como término da sua transbordante paixão. O trovador mal chegou ao porto, morreu nos braços da condessa Odierna, esposa de Raimundo I; esta o fez sepultar com grande solicitude na Casa dos Templários.

Guiraldo de Borneil (1175-1220), tido como mestre dos trovadores, o modelo da mais perfeita poesia e da canção, exerceu sua profissão com muita dignidade e legou seus bens à Igreja da sua pátria e aos pobres.

Pedro Vidal de Tolosa (11754-1215), o dom Quixote da poesia, é célebre por suas muitas composições, que não carecem de mérito, e por suas extravagâncias. Passou sua vida percorrendo a Espanha, a região meridional da França e o norte da Itália. Visitou também a Terra Santa e a ilha de Chipre, onde se casou com uma grega, pelo que acreditou ter direitos ao Império do Oriente; fez preparativos de conquista e tomou o título de imperador. Em honra de uma dama chamada Loha se disfarçou de lobo e se fez perseguir pelos cães.

Bertrán de Born (últimos anos do século XII) é uma notável figura que esqueceu a História e cuja memória os anais literários conservaram. De caráter violento, Dante o coloca no inferno com a cabeça cortada do tronco e suspensa na mão à guisa de lanterna, por ter dividido a família real da Inglaterra.

No período da decadência encontramos Bonifácio de Castellana, último defensor com versos e armas da nacionalidade catalã provençal contra a preponderância francesa, e Giraldo Riquier de Narbona (1250-1294), poeta de profissão, muito produtivo, com um pouco de teórico e de erudito, espécie de transição entre a anterior poesia, feudal e cortesã, e a douta escola tolosana e catalã dos séculos seguintes.

Os Jogos Florais de Toulouse

No início do século XIII, Ramón Vidal já se queixava da indiferença com que se começava a tratar o cultivo da sua arte. Talvez tenha caído na monotonia de alguns gêneros e os jograis e trovadores tenham se multiplicado muito. Além do mais, parece que alguns senhores perderam a inclinação à hospitalidade cortês e se entregaram à avareza e ao isolamento. Mais tarde, na guerra contra os hereges albigenses, mesclaram-se a ambição, a ferocidade dos tempos e o ódio nacional dos que viviam ao norte e na região meridional. Isto interrompeu as ocupações poéticas das cortes da língua de oc, algumas das quais foram desaparecendo pela ocupação (ou melhor, agregação) de vários Estados à monarquia dos Capetos. No início do século XIV, a poesia dos trovadores ambulantes e feudais já havia cessado, mas não desapareceu completamente toda a tradição poética nos países de Occitânia e a vemos surgir na instituição dos Jogos Florais.

Estes jogos consistiam num concurso literário, geralmente poético, que teve sua origem em Toulouse. Em 1323, um grupo de cavaleiros tolosanos se constituiu em Sobregaya companhia dels set trovadors de Tolosa ou Consistori del Gay Saber, para estimular o cultivo da poesia provençal mediante um concurso que ocorria anualmente no dia 1º de maio nessa cidade. Os atos eram presididos por uma “rainha” – eleita entre as damas de maior estirpe – e eram arbitrados por sete encarregados, que compunham um jurado para premiar a melhor composição com uma violeta de ouro e para submeter algumas obras ao juízo dos demais concursantes. Desse modo, os Jogos Florais foram celebrados pela primeira vez em Toulouse em 1324, e o premiado foi Amaut Vidal.

Em 1328, Guilhem Molinier redigia um preceituário com o título “Leis de Amor”, que serviria de pauta aos encarregados pela arbitragem e aos poetas concursantes. Desta forma, acentuava-se o caráter acadêmico e conservador da instituição, que não obstante se viu obrigada a admitir em concurso, cada vez em maior proporção, composições na língua francesa. Mas os chamados a início de Jogos Florais continuaram se transformando, e chegado o século XVI o Consistori del Gay Saber passou a se denominar College de la poesie latine, grecque et française, onde, à medida que passava o tempo, foram premiadas composições francesas de autores como Voltaire e Chateaubriand.

A poesia dos provençais – disse Menéndez Pelayo – cujo valor estético pôde ter exagerado, mas cujo valor histórico ninguém duvida, foi como uma espécie de disciplina rítmica que transformou as línguas vulgares e as tornou aptas para a expressão de todos os sentimentos. Desenvolveu nelas a parte musical e o poder da harmonia, criando pela primeira vez um dialeto poético diverso da prosa, com todas as vantagens e todos os inconvenientes anexos a tal separação. Há, sem dúvida, muito de monótono, de trivial e incômodo na lírica dos trovadores; mas bastariam os nomes de Giraldo de Borneil, de Bernardo de Ventardorn, de Bertrán de Borno, de Pedro Cardenal, de Giraldo Riquier, representantes de muitos diversos gêneros, para compreender quanto de sincera inspiração houve naquele despertar do estilo lírico moderno, naquela gentil primavera poética que, precisamente por ter se antecipado a florescer, durou o que duram as rosas prematuras.

O amor trovadoresco

Diziam os árabes que aquele que ama, morre para si; e se não é amado, ou seja, se não vive no ser amado, morre duas vezes.

O tema preferido da poesia provençal foi plasmar nos seus versos a beleza e as virtudes das damas, pois a própria concepção daqueles poetas lhes impulsionava a amar e, o que para eles era a mesma coisa, cantar seu amor. Se o cavalheiro pertence incondicionalmente ao seu senhor, quem em troca lhe outorga ajuda e proteção, o trovador pertence, incondicionalmente a sua senhora, quem igualmente o ajuda e o protege em troca dos seus serviços amorosos. E para ele será um sorriso o melhor “guerredón” (dom de guerra), a melhor recompensa, a que bastará para dar a quem obtenha essa alegria de amor, que o torna capaz de tudo, contanto que se comporte bem e siga merecendo o amor da sua dama.

Há nos poemas algumas pegadas de antigas crenças que atribuíam ao corpo feminino poderes curativos e benéficos, e que desde a Antigüidade havia se estendido no folclore e se mantinha na literatura. No Parzival de Wolfram von Eschenbach conta-se que a mulher amada protege seu amigo nos combates, mais eficazmente que as pedras mágicas. Isto se transforma (a magia na mulher) na força que inspira os homens bem nascidos o gosto pela cortesia, pela poesia e pelas nobres ações heróicas.

Segundo a velha dialética platônica, o amor tem o poder de conduzir o amante do objeto amado até o amor supremo. Um progresso indubitável na depuração e espiritualização do amor o constitui no chamado “amor à distância” e a lenda da “princesa distante” (recordemos Jaufre Rudel que se apaixonou sem nunca ter visto sua amada).

Se examinamos o texto das suas canções de amor, veremos que aqueles amantes apaixonados e tímidos, afetuosos e devotos, se atêm exatamente às regras do amor cortês, tal como as expôs André le Chapelain. Certo é que, dentro de cada literatura, o amor não é tratado da mesma maneira: com freqüência apresenta tendências divergentes, ora predominando um certo realismo ou tom picante, ora elevando-se até a pureza platônica quase absoluta, ora exaltando o matrimônio, ora excluindo do terreno erótico.

Se amam, pelo menos têm a delicadeza de atribuir toda sua felicidade à dama. Se têm talento, se chegam ao êxito poético desejado, é a ela que o ofertam em homenagem, pois é nela que recai todo o mérito. Na sua humildade ante sua dama, os trovadores não têm medo de exagerar; medindo a distância que os separa dela, proclamam ser indignos de agradar, portanto se conformam com pouco, um sorriso, um olhar… E já alcançam a mais alta felicidade.

Embora infelizes no seu amor, guardarão para sua dama uma constância a toda prova na devoção e submissão. Amando ainda que sem esperança, preferem a alegria de sofrer próximo dela à ventura que poderiam encontrar em outra. É sua dama, sua senhora, a quem eles se consagraram até a morte e para a qual prometeram a mais completa discrição, razão pela qual falam de suas damas com nomes hipotéticos (quando se referiam a sua amada, empregavam muitas vezes o termo “meu senhor”).

Quando a dama havia aceitado, enfim, seu adorador como servidor (obediezn), recebia dele, no transcurso de uma pequena cerimônia íntima, sua homenagem amorosa: “Minha senhora – dizia-lhe, ajoelhado e com as mãos unidas -, concede-me poder te servir sem reserva, como vosso homem lígio”. Ela recebia este juramento de fidelidade e o selava com um beijo que geralmente era o primeiro e o último.

Há que se dizer que as damas impunham aos amantes uma série de provas que, na época de Guillermo IX, poderia proceder tanto das terríveis “geis” célticas (onde se associava o amor com o heroísmo viril, com o valor e a morte), como dos costumes muito parecidos praticados pelas princesas visigodas ou francas: “Minha dama – escreve Guillermo IX- tenta-me e prova-me (m’assai’ em prueva) para saber de que maneira a amo”.

Aos fins do século XII, inventou-se o ensaio probatório na cama, o assag. A dama era a que tomava a iniciativa de convidar seu namorado para passar uma noite com ela (a princípio, apenas uma). Fazia-lhe jurar – antes de deitá-lo na sua cama – que não faria mais do que apertá-la em seus braços, beijá-la e acariciá-la. O ato carnal estava proibido, assim como qualquer tipo de violência. O assag era, sobretudo uma série de provas morais, no curso das quais, a dama julgava as qualidades corteses de seu amigo: a discrição, a maneira de cumprimentar e a forma de servir e honrar.

Do que se chamou “amor cortês”?

Por própria definição, este amor é aristocrático, no sentido de que apenas convém a uma elite que freqüenta as cortes, já que tanto as damas como os cavalheiros devem a si mesmos um amor distinto ao do povo.

Todo o amor cortês se fundamenta no axioma de que não pode haver “bom amor verdadeiro” no matrimônio. Entre marido e mulher, ou seja, entre dois seres ligados por razões de riqueza, de feudos ou interesses antes que por razões de coração ou caráter, pode existir amizade, ou no máximo afeto e ternura. Não existe esse sentimento mais delicado que empurra espontaneamente um ao outro, a dois seres que se buscam, nem essa comunhão de almas, próprias do amor. O Código de amor é preciso no seu artigo 16: “Á vista súbita de sua amada, o coração de um amante deve estremecer”.

Da posição sempre inferior do amante resulta sua submissão perfeita, sua fidelidade absoluta, sua timidez e seu perpétuo temor de perder o objeto de seus desejos; embora, logicamente, sempre acredite que finalmente seu amor triunfará. Uma coisa pelo menos é certa, haja efetivamente recompensa final ou não haja: o objetivo constante de uma dama é fazer valer seu cavalheiro, fazer de tudo para que ele seja sempre melhor.

“Do amor procede, diga-se o que se quiser, tudo aquilo que possui algum valor”, dizia Miraval. O amor assim concebido é o único capaz de levantar as águas baixas da vida e fazer com que seus adeptos cheguem à exaltação, que é fonte de todas as belezas: o amor faz do fraco, corajoso, do avaro, pródigo, do triste a ser alegre novamente, etc. Dessa forma, nos encontramos com a joy de que falam os trovadores é a alegria de amar, mais além da finalidade sexual. É a exaltação sentimental que, sem ser estranha ao desejo, o transcende, o espiritualiza, e eleva ao seu beneficiário por cima do comum.

Os trovadores exigiram da dama ideal tantas, se não mais, qualidades intelectuais como encantos físicos. Era necessário que uma mulher do mundo soubesse reter seus hóspedes, depois de haver-lhes acolhido com amabilidade, eliminando da sua conversação as disputas, as querelas e a maledicência: não devia falar mais do que amor, generosidade, de belas façanhas. Por sua parte, os homens bem criados, “os valentes”, estavam obrigados a honrar todas as damas e a cumprimentá-las, pois se supunha que elas encarnavam o joy. As qualidades que os trovadores exigiam deles repousavam essencialmente no respeito e na humildade; tinham que falar com as damas num tom de doçura amável e empregando tão-somente expressões escolhidas: aquelas cujo modelo os trovadores lhes ofereciam.

Conclusão

Basta conhecer os graus estabelecidos no serviço de amor para se dar conta de que cada passo requer, conforme vai se ascendendo, uma maior entrega e um maior desenvolvimento das virtudes que as damas exigiam de seus amantes. Estes graus eram:

– fenhedor (no qual o tímido amante não se descobre);

– precador (no qual o amante se atreve a suplicar);

– entendedor (no qual a dama consente em escutá-lo);

– drutz (o amante satisfeito e completo).

O precador, e de certa forma o fenhedor ascenderam ao estado de namorado, gozando do joy e da inspiração poética; tinham o direito e o dever de fazer canções! O drutz, o amante carnal, era o que havia sido admitido no assag probatório, ao que nos referimos anteriormente.

Outros países

Ao campo, dom Nuño, vou,

Onde provar espero

Que, se vós sois cavalheiro

Cavalheiro também sou.

A influência de troveros (língua de oil) e trovadores (língua de oc) não cessou nos séculos XII e XIII, mais além das fronteiras da França e Occitânia, nos países vizinhos: Espanha, Portugal, Alemanha e Itália. A poesia dos trovadores se prolongou, não sem se modificar profundamente no seu estilo e espírito, e conheceu assim uma vida nova na Itália com a escola do Dolce Stil Nuovo, e na Catalunha com Jordi de Sant Jordi (século XV); também, a influência do valenciano Ausias March se deixou sentir na poesia castelhana do século XVI.

Itália

Na Itália, os poetas do Dolce Stil Nuovo retomaram em muitos pontos concepções filosóficas – o platonismo ou o averroísmo – que a universidade de Paris havia posto de moda. A dama é uma pura abstração e continua sendo a fonte de todas as virtudes, mas já não tem nenhum vínculo com a Terra. Converte-se numa espécie de anjo, cuja missão é revelar aos homens a pura beleza, mostrar o último estágio do amor celestial, a passagem do desejo carnal ao amor purificado.

Quase todas as damas do Dolce Stil Nuovo morrem jovens, entre os vinte e os vinte e seis anos, à primeira hora do dia, e se convertem em anjos do terceiro céu, sem outra tarefa além de guiar seus amantes na peregrinação mística que realizam pelos três reinos do mundo até a luz.

Ela supera o Sol, esfera de virtude,

E as estrelas e a Lua, e qualquer outro brilho…

… seu belo rosto claro parece a Estrela do Oriente.

É assim que Bonagiunta Orbicciani canta a mulher e a natureza metafísica do amor, um poeta que viu na feminilidade a alma do mundo, a Virgem Maria ou a Flor – a misteriosa rosa – pela qual o mundo se mantém.

Alemanha

Na Alemanha do século XII e XIII, com os grandes minnesänger imitando os trovadores, vemos como aspira a constituir um novo humanismo, bastante diferente do que suscitou o Renascimento. Aparecem os goliardos, poetas medievais de vida vagabunda que geralmente são clérigos ou estudantes. Sua poesia reunida em manuscritos em latim e em alemão, está contida no Carmina Burana (cantos do século XII), que se conserva na abadia de Benediktbeuren. São cantos que, exaltando os prazeres da vida e satirizando as personalidades políticas e eclesiásticas, anunciam uma arte e um humanismo secular.

Na Alemanha existiu um minnesänger que se chamou Tannhäuser ou Tannhuser; alguns dizem que ele foi um cruzado na Terra Santa, outros dizem que ele fugiu de algum monastério e estivesse percorrendo o mundo como um boêmio goliardo. O certo é que o minnesänger real logo se confundiu com um personagem de lenda: tinha vivido junto com a “Dama Vênus”, que o hospedou muito tempo e não queria nunca deixá-lo partir, mas por fim lhe deu sua autorização. Tannhäuser foi à Roma suplicar ao Papa que lhe perdoasse seu pecado. Mas este, apontando para o seu bastão, disse-lhe: “Obterás o perdão quando esse pau seco dê rosas. Vês! Estás condenado”. Desesperado, Tannhäuser decidiu voltar junto a Dama Vênus, que era mais clemente, e se pôs a caminhar. No terceiro dia, o bastão se cobriu de magníficas rosas: o céu lhe havia outorgado sua graça pelo seu amor de Vênus!

Este é um fiel reflexo da mensagem da época medieval alemã: o homem não pode ser salvo mais que pelo eterno feminino em Deus (o eterno que nos atrai ao céu). Basta recordar o Parzival de Wolfram Von Eschenbach e, mais tarde, ao restituído Fausto de Goethe.

Espanha

Ao se dispersarem os trovadores provençais devido à cruzada de Simón de Monfort, as Cortes espanholas, não apenas a de Aragón, mas a de Castilha e a de Portugal os acolheram e honraram à porfia, sendo esta época a de maior apogeu da influência provençal na Espanha.

Os reis de Castilha (de Castilha-León desde 1280) acolheram muito bem os trovadores. Alfonso X o Sábio, principal mecenas da poesia trovadoresca, juntou-se com Bonifácio Calvo, Atde Mous e Guirant Riquier, a quem se considera como precursor da escola tolosana. Alfonso X, apaixonado pela Astronomia e preocupado por difundir ao seu entorno a cultura humanista, restaurou a universidade de Salamanca, promulgou o primeiro código (as Sete Partidas) e fez redigir as tábuas astronômicas chamadas Tábuas Alfonsinas. A pedido de Guirant Riquier esteve a ponto de estabelecer uma severa distinção entre os jograis e os trovadores, e de criar para os mais dotados destes últimos o título de “dom doutor de trovar”. O consistório tolosano tomou esta idéia sob outra forma, distribuindo flores de ouro ou prata aos poetas laureados.

O resultado mais importante e duradouro da influência provençal na Espanha foi a criação de uma nova escola de trovadores na parte central e ocidental da península. Esta escola, qualquer que fosse a comarca natal de seus autores, não empregava como instrumento a língua castelhana, mas outra que se estimava de superiores condições musicais e era preferida por isso para todas aquelas poesias sagradas ou profanas que se destinavam ao canto. Esta língua se amolda de tal forma à imitação dos provençais que adotou grande parte de seu vocabulário, garantindo a rica variedade de sua métrica. Mas, juntamente com a tradição artística e cortesã dos provençais, penetrou nesta escola galaico-portuguesa todo o riquíssimo caudal das lendas piedosas e a tradição hagiográfica as quais já havia dado forma a musa francesa e castelhana de Gautier de Coincy e de Gonzalo de Berceo.

Com relação à Catalunha, antes que sua língua e sua cultura se emancipassem por meio da prosa, a literatura catalã é a mesma que a de Provença, e em provençal escrevem um bom número de poetas catalães. Os Jogos Florais de Toulouse tiveram imediata repercussão na área cultural catalã, de maneira que, em 1393, Juan I de Aragón nomeou os preceptores Jaume March e Lluis d’Averço como encarregados dos Jogos Florais de Barcelona, que se celebrariam seguindo o mesmo estilo que os de Toulouse. Esses jogos se prolongaram até o século XVI, época em que, finalmente, desapareceram.

A música dos trovadores

Contemplando alguns dos instrumentos que os trovadores utilizavam para acompanhar seus poemas e canções, vamos entrar em outro enigma que rodeia tão singulares personagens: sua música.

Isso já constitui uma parte de grande interesse por si só, pois ainda quando a documentação musical autêntica de trovadores e troveros é relativamente abundante, figurando entre os mais nutridos e seletos os cancioneiros franceses de Saint-Germain e do Arsenal, assim como os manuscritos que se conservam na Biblioteca Nacional de Paris, ainda não existe um método seguro e prático para decifrar com completa certeza a até hoje misteriosa escritura dos poetas músicos medievais.

Foram vários os métodos críticos históricos seguidos para revelar o verdadeiro sentido da enigmática escritura trovadoresca: a dos que acreditam que a melodia dos trovadores tem de ser interpretada com arranjo ao canto eclesiástico, considerado como origem da música moderna; a dos que acreditam que a chave dessa melodia é a predominância do ritmo; a dos que aconselham o sistema de investigação baseado no canto genuinamente popular; e por último, a mais recente, do acadêmico e musicólogo espanhol Julián Ribera, que nas suas obras “A música das Cantigas e a música andaluza medieval nas canções de trovadores e troveros” opina que a música trovadoresca pode ser interpretada satisfatoriamente com arranjo ao sistema musical que convivia na Europa durante a Idade Média com o canto eclesiástico, ou seja, o da música ficta ou falsa, que admitia o cromatismo e, que por sua natureza complicada não deve ter sido invenção do povo, mas dos teóricos e músicos árabes andaluzes, cuja influência se faz sentir em todas as nações européias.

Há de se recordar a vinda e estadia na Espanha de numerosos trovadores e jograis desde o século XI que, ao se colocarem em contato com a arte popular musical árabe, tão expandida na Espanha pelos mouros andaluzes, sem dúvida sofreriam a inevitável influência (transmitindo-a logo ao seu país de origem) que confirmaria a aparição na Europa do ars mensurabilis ou música medida – cujos modos rítmicos correspondem quase exatamente com os gêneros rítmicos da arte oriental. A introdução na Europa do uso de instrumentos árabes como a rabeca, o alaúde, violão mourisco e outros, e, por último, a existência de formas fixas que, como o rondó e a balada, têm a mesma estrutura técnica que as canções andaluzes dos séculos VIII ao X.

Também é certo que a tradição trovadoresca nunca cessou no Oriente e que, se nos nossos dias se tenta reencontrar o personagem do trovador indo de povo em povo com seu instrumento, há que ir buscá-lo no Oriente. Tampouco há que esquecer o papel que desempenharam as Cruzadas, porque se durante o século XIII, o Islã ocupa a Península Ibérica, já a partir do século XII, as regiões muçulmanas é que foram invadidas pelos europeus pelo motivo das Cruzadas. Estas interpenetrações permitiram a civilização greco-romana (esquecida nas trevas da Idade Média, mas cuja lição foi conservada pelo mundo islâmico) franquear os Pirineus: as ciências medievais, liberando-se progressivamente de um ensinamento dominadas por um controle demasiado rígido da Igreja (é sabido que durante muito tempo esteve proibido de traduzir Aristóteles), tiraram destas tradições greco-árabes seu interesse pela Alquimia, álgebra, aritmética, Astrologia, Literatura e Música.

Bibliografia

– Trovadores e troveros. René Nelli. Barcelona, 1982.

– História universal. César Cantú. Barcelona, 1891.

– Dicionário enciclopédico hispano-americano. Barcelona, 1890.

– Dicionário geral etimológico da língua espanhola. Madrid, 1883.

– Trovadores e cortes de amor. Jacques Lafitte-Houssat. Buenos Aires.

– La restauraçio dels jocs florales. J. Miracle. Barcelona, 1961.

– Enciclopédia universal Espasa-Calpe. Barcelona, 1932.

J. Carlos Adelantado Puchal

Autor

Revista Esfinge