Em seu livro Crítias, sobre a legendária Atlântida, Platão conta que as muralhas que circundavam o perímetro externo da cidade eram revestidas de cobre, que foi utilizado como uma espécie de pintura. As muralhas da parte interna, por sua vez, eram revestidas de estanho fundido, e as que circundavam a Acrópole, de um metal denominado “Oricalco”, que apresentava um reluzir semelhante ao fogo.

Aproveitando a oportunidade da descoberta de supostos lingotes de Oricalco nos finais do ano 2014, perto das costas da Sicília, nos defrontamos novamente com este misterioso metal, cuja existência, após o cataclismo de Poseidon (ocorrido aproximadamente no ano 9600 a.C.), havia-se ocultado nos anais da metalografia.

O Oricalco na Atlântida, segundo Platão

Como a maior parte das informações sobre a Atlântida se perdeu ao longo do tempo, Platão tem sido praticamente sua única fonte de referências históricas e míticas. Em sua obra Crítias, ele cita algumas vezes o Oricalco, quando descreve a ilha de Poseidonis:

“Ainda que muitos recursos viessem de fora, das várias regiões do império, a própria ilha de Poseidonis supria a maior parte dos bens essenciais de que necessitava. Em primeiro lugar, tudo quanto fosse sólido e fundível era extraído pelo ofício mineiro, inclusive o oricalco – que era considerado o minério mais valioso depois do ouro; e a floresta, naturalmente, fornecia tudo quanto pudesse ser trabalhado pelos carpinteiros.”

Platão explica que o alto valor do Oricalco se media, não necessariamente pelo preço de mercado, mas porque sua aplicação cumpria importantes funções técnicas e tecnológicas:

 

“Em volta da ilha, a partir dos anéis, de um lado e de outro da ponte que a ligava ao continente, e que tinha um pletro de aproximadamente 30 metros, foi construída uma muralha de pedra, com torres e portas em cada um dos lados da ponte, que vedava o acesso a partir do mar. As pedras, nas cores branca, negra e vermelha, foram extraídas do subsolo da ilha, tanto de seu centro, quanto da parte inferior dos anéis, quer do lado de fora, quer do lado de dentro. Ao mesmo tempo em que as extraíam, foram construindo, no espaço vazio deixado por elas, docas duplas, que recobriam com as mesmas pedras. Algumas destas estruturas eram simples, mas em outras as pedras foram misturadas em suas três cores, gerando um entrançado colorido e naturalmente aprazível.

As muralhas que circundavam a parte exterior do anel em todo o seu perímetro, foram revestidas de cobre, de forma semelhante a uma pintura; as muralhas da parte interior, revestidas de estanho fundido; e as que circundavam a Acrópole, de oricalco, que apresentava um reluzir semelhante ao fogo.”

 

Nestas construções, estruturadas em quatro anéis, foram utilizados materiais que simbolizam os cinco elementos alquímicos: Pedra (elemento Terra), Cobre (elemento Água), Estanho (elemento Ar) e Oricalco (elemento Fogo). Já no interior da Ilha, e nos espaços mais sagrados, utilizavam o Ouro (quinto elemento alquímico).

“Quanto à zona Real, localizada no interior da Acrópole, estava assim disposta:

Em seu próprio centro situava-se um templo sagrado dedicado a Clito e a Poseidon, que era envolvido por uma cerca de ouro, e assim, tornado inacessível. Foi neste local que, no princípio, estes deuses conceberam e geraram a linhagem dos dez príncipes; e neste mesmo local, em todos os anos, também eram entregues a esses príncipes as primícias sagradas provindas das dez partes da ilha.

Ali estava o naos (altar) só de Poseidon, que tinha um estádio de comprimento e três pletros de largura; sua altura seria proporcional a estas medidas, mas a aparência era de certa forma bárbara. Toda a parte exterior do naos tinha sido coberta com prata, à exceção das extremidades, que foram revestidas de ouro. Quanto à parte interior, o teto era de marfim maciço, com ouro, prata e oricalco, o que lhe dava uma aparência variegada, enquanto que todas as outras partes – paredes, colunas e pavimento – eram revestidas com oricalco.

Foram também erigidas estátuas de ouro: o deus, erguido num carro segurando as rédeas de seis cavalos alados que, graças à sua altura, tocava no teto com a cabeça; à volta dele estavam cem Nereidas montadas em golfinhos (naquele tempo julgavam que elas eram tantas assim); no interior havia ainda muitas outras estátuas que tinham sido oferecidas por particulares.”

As Leis foram inscritas numa Estela que representava o elemento Fogo:

 

“Tanto a autoridade que tinham uns sobre os outros, quanto suas relações mútuas, dependiam das determinações de Poseidon, tais como lhe transmitira a lei que havia sido fixada na escrita pelos primeiros reis numa estela de oricalco que se encontrava no centro da ilha, no templo de Poseidon. Nesse local, os reis reuniam-se de cinco em cinco e de seis em seis anos, alternadamente, distribuindo assim equitativamente ciclos de anos pares e ímpares; durante estas reuniões, deliberavam sobre assuntos de interesse comum, bem como julgavam aqueles que tivessem transgredido alguma norma.”

O Oricalco volta à superfície

A recuperação em 2014, de 39 lingotes de Oricalco, de um barco que teria naufragado há mais de 2.600 anos é surpreendente e inquietante, pois, junto com o metal vêm à tona imagens de um passado distante e pouco conhecido.

Platão (que viveu entre 427 e 347 a.C.) teria afirmado que a embarcação que levava o precioso carregamento foi devorada pelas forças de Poseidon quando se encontrava próxima a entrar no porto de Gela.

Como já vimos, Platão também afirma que o Oricalco era abundante na Atlântida; e é ainda significativo lembrar que, segundo depoimentos de antigos gregos, a Grécia recebia remessas de Oricalco desta mítica ilha.

 

A recuperação do precioso conteúdo deste naufrágio foi revelada no dia 29/12/2014. Satisfeito, o Superintendente Sebastiano Tusa, que acompanhou toda a operação, declarou: “A descoberta de lingotes de Orichalcum no mar de Gela abre perspectivas de grande importância para a pesquisa e estudo das antigas rotas de abastecimento de metais no antigo Mediterrâneo. Até agora, nada deste tipo havia sido encontrado no mar”.

Tusa esclareceu ainda que o naufrágio data da primeira metade do século VI a.C.; e que o Oricalco foi encontrado a 300 metros da costa e a pouco mais de 3 metros de profundidade.

A presença de Orichalcum em Gela poderia se relacionar com a cidade de origem, Rodhes – lembrando-se o fato de que os antigos gregos davam o crédito a Cadmus (figura mitológica grega-fenícia) como inventor do Oricalco.

Os 39 lingotes de Oricalco teriam sido destinados a um local de artesanato de alta qualidade, para a decoração de um bem particular.

“Esses lingotes foram desenterrados das camadas de areia onde haviam ficado por mais de 2600 anos, nas profundezas do mar de Gela, há poucas dezenas de metros da costa do distrito ‘Bulala’. A área-chave que, no passado, recebeu os destroços de três navios arcaicos afundados estava encoberta pela areia. Entretanto, as correntes e tempestades dos últimos dias têm movimentado a areia do fundo do mar e o tesouro adormecido ‘despertou’”, continua Tusa.

Além da importância histórica deste acontecimento, deve-se registrar que o Oricalco era considerado na antiguidade o terceiro metal com maior valor comercial, ficando atrás apenas do ouro e da prata.

De acordo com as análises por meio de “fluorescência de raios-X”, realizada pelo pesquisador Dario Panetta, essas barras são constituídas de uma liga metálica composta de 80% de cobre e 20% de zinco – e foram obtidas através de técnicas avançadas, cujo processamento os colonos de Gela, originários de Rhodes e de Creta, tinham aprendido com os fenícios.

Registre-se ainda que, no tempo de Augusto, os romanos tinham moedas cunhadas com este metal, então denominado “Montanha de Cobre” (Copper Mountain), que era extraído na Anatólia.

Oricalco em Roma

Uma breve investigação nos informa que há importantes registros históricos sobre o Oricalco.

Vejamos, por exemplo, o que diz estes escritos de Cícero:

– “No entanto, se uma pessoa oferecesse à venda um pedaço de ouro, pensando que se tratasse de Aurichalcum, um homem honesto informaria à ela que se tratava verdadeiramente de ouro, ou que então o compraria por um valor cem vezes maior”;

– “Julio César roubou do capitólio trezentas libras de ouro, deixando cobre em seu lugar. E nesta espécie de sacrilégio Vitellius o seguiu, tirando dos templos ornamentos e oferendas e substituindo o ouro e a prata por latão e oricalco”.

Aparentemente o Oricalco romano tinha as mesmas características de cor que o ouro, no entanto seu valor era muito inferior. A este respeito, alguns pesquisadores modernos afirmam que o Oricalco dos romanos era mais uma amálgama de cobre e cádmio.

Sexto Pompeu Festus, que deu continuidade ao trabalho de Verrius Flaccus, na época de Augusto, define o cádmio como uma terra que tem a capacidade de absorver o cobre e criar um metal chamado Aurichalcum.

Virgílio, Eneida XII, 87-88, assim se refere ao oricalco:

“Ipse dehinc auro squalentem alboque orichalco. Circumdat loricam umeris”

[ele próprio /Turno/ a partir daí põe em volta dos ombros (veste) a couraça eriçada (escamada) de ouro e de pálido (branco, alvo) oricalco][1]

 

E Aristóteles também nos fala de um tipo de cobre indiano, muito brilhante, puro, livre de impurezas, que podia ser confundido facilmente por ouro:

“Junto com magníficos presentes que Artaxerges deu para Ezra pelos seus serviços no templo de Jerusalem, havia vinte barris de ouro e dois de um tipo de cobre amarelo muito brilhante, que fazia lembrar o ouro”.

Etimologia do Oricalco

Ορείχαλκος (Grego)

De όροσ, oros que é montanha e χαλκόσ, chalkos, que é cobre ou bronze; a tradução literal seria “cobre da montanha” ou “metal da montanha”.

Aurichalcum (Latim)

Segundo estudos de muitos especialistas em metais e historiadores da mineração, o Oricalco ou orichalcum não é mais que uma liga de cobre, zinco e chumbo, muito provavelmente o que é conhecido como “latão dourado” – a se considerar os objetos deste metal encontrados nas escavações arqueológicas de diversas cidades romanas.

Tumbaga (Peruano Antigo)

A cultura indígena Lambayeque (peruana) denominava “Tumbaga” à mistura de ouro e cobre, bem como à mistura de prata e cobre.

Muitas culturas pré-colombianas, a exemplo de Tolita, Tairona e Quimbaya, conhecidas por sua rica manufatura de joias, utilizavam Tumbaga para fazer vários objetos cerimoniais e ornamentais. Aparentemente não se encontraram objetos de uso cotidiano feitos com este material.

Tumbaga é também o nome dado pelos espanhóis a um metal pouco especificado, encontrado na América do Sul. Este metal, que contém em sua composição 15 a 40% de cobre, tem ponto de fusão inferior à do ouro em 200 graus centígrados.

O Tumbaga é significativamente mais duro que o ouro, mas guarda a mesma flexibilidade quando é moldado com martelo.

Outra possível interpretação, relativa ao Oricalco, baseia-se na derivação da palavra hebraica “or, aur” que significa “luz, fogo, flama”. Observe-se ainda que os termos latinos “uro” (queimar) e “aurum” (ouro) derivam desta mesma raiz. Desta maneira, o orichalcum poderia ser uma palavra composta de origem greco-hebraico: “cobre cor fogo”.

Oricalco: Mito ou Realidade

Assim como nos adverte Helena P. Blavatsky, na investigação sobre as religiões comparadas, de não confundir os aspectos míticos, místicos e históricos das religiões, no caso do Oricalco nos deparamos com duas origens:

Uma mítica, como nos descreve Platão, sobre um metal natural que era possivelmente extraído das minas de Poseidonis – e com o qual foi pintado, literalmente falando, os muros da Acrópole Atlante. Este metal nunca foi encontrado até o momento, mas certamente permaneceu o “mito” – e muitos ourives que vieram depois daqueles tempos (gregos, persas, hebreus e romanos) tentaram copiar sua cor e sua maleabilidade.

A segunda origem do Oricalco é a que podemos chamar de histórica – pois de fato, um segundo tipo de Oricalco, consistindo de uma mistura de metais à base de cobre, foi largamente utilizado no mundo antigo, como se tratasse de “reviver” o Oricalco mítico. E ainda que este metal não tivesse tanto valor como o próprio ouro ou a prata, certamente passou a ocupar um lugar de destaque na fabricação de joias e moedas.

Esta recente descoberta nas costas da Sicília abre novas oportunidades para se mergulhar no mundo antigo e seguir tentando desvendar seus mistérios.

A data do naufrágio da embarcação situa-se no século VI a.C., que não podemos datar um metal ou uma pedra, mas tão somente elementos que contenham materiais orgânicos – por meio do Carbono 14. Podemos assim datar sua manufatura, por analogia, mas não sua própria antiguidade. Ou seja, podemos descobrir muito sobre a embarcação, mas pouco sobre o Oricalco.

Muitos “achados” encontram-se ainda adormecidos no leito do mar, esperando para ser “acordados”, como indicou Tusa.

Gonzalo Ferreyra

Bibliografia

  • Orichalcum and related ancient alloys: Origin, composition, and manufacture, with special reference to the coinage of the Roman Empire (Numismatic notes and monographs) Unknown Binding – 1964; by Earle Radcliffe Caley (Author)
  • Atlantis Encyplopedia, Frank Joseph, Ed. New Page
  • Platón. Diálogos. Obra completa. Volume VI: Filebo. Timeo. Crítias. Madrid: Gredos

[1] ipse (ele próprio) é o guerreiro Turno, rival de Eneias.

A forma latina é orichalcum; no verso acima essa palavra aparece na forma de ablativo orichalco

Autor

Revista Esfinge