A Morte de Arthur, de Sir Thomas Malory, editada em 1485 por Willian Caxton, com o qual se fecha o ciclo arturiano e, portanto, o ciclo do Graal, sintetiza toda a literatura que havia a respeito até então. A lenda sobre o Graal é descrita entre os livros XIII ao XVII; no entanto, tal texto não acrescenta nada significativo. Duas obras de interesse o precedem: Parzival, de Wolfram von Eschenbach, em 1207, que introduz elementos orientais e, especialmente, inclui Preste João como o último guardião do Graal, e Perlesvaus, também conhecido como O Livro Alto do Graal, que foi publicado anonimamente em 1225. Mas nos interessa, especialmente, a compilação conhecida como A demanda do Santo Graal, também anônima, completada a 1210 pelos monges de Cister. Pertencente ao chamado Ciclo da Vulgata, ela traduz alegoricamente a lenda do Graal, recriando-a já como um símbolo originalmente cristão.

O GRAAL EM NOSSO TEMPO

O Deus do monoteísmo cristão já não exige o sacrifício do cordeiro místico, mas, sim, da própria personalidade ou, em outras palavras, a atenuação do ego em seu aspecto mais dissociativo. Há uma progressão quanto ao sacrifício ritual, em que o Graal é símbolo máximo da transfiguração. Inicialmente, Abel e Caim, mas principalmente o primeiro, ofereciam em sacrifício o melhor de seu patrimônio ou de seus meios de vida – neste caso, o melhor da sua colheita. Nesta linha interpretativa estaria, também, o cordeiro da Páscoa judia. No entanto, foi pedido a Abraão o que havia de mais valioso em sua vida, com especial atenção aos aspectos que poderiam desequilibrá-lo emocional ou psicologicamente, afetando sua própria felicidade. A Cristo, foi solicitada sua própria vida. Hoje, pede-se ao homem uma morte mística, a reconversão de seu ego para que ele renasça em um novo ser. Tende-se, assim, a uma progressão introspectiva que incide especialmente sobre os apegos. Desde o mais material e espúrio, em princípio seu patrimônio, passando depois pelo emocional e pela vida psíquica, os afetos, para acabar com o ego em seu aspecto mais dissociativo, como dizíamos, que permite a transformação da morte em ressurreição mística. Como símbolo da paixão de Cristo, que abrange todo o sacrifício humano que se deve suportar, ou superar, para alcançar a perfeição.

A busca do Graal é uma jornada para a iluminação. Simboliza o anseio pela perfeição espiritual que nos leva do estado natural de ignorância de volta a um estado de graça e purificação. O herói, na busca de seu Criador, tenta trazer o Céu à Terra, integrando as ideias cristãs de redenção e salvação através da alquimia do renascimento e transformação do indivíduo. Não há nada de anacrônico ou defasado nele. A sociedade de hoje, piramidalmente estruturada, por um lado, leva a um sistema de poder, em todas as suas partes, fortemente coercitivo, competitivo e dissociador, que dificilmente pode promover ideais de união, como o amor ou a fraternidade. O homem contemporâneo, por outro lado, em sua razão histórica, apresenta os mesmos sintomas de desolação que o cavaleiro andante tinha em seu tempo. Os seus pensamentos direcionam-se à fragmentação (no sentido de um homem cada vez mais desconectado do seu entorno e do seu Criador e, em uma palavra, de si) e a um vazio desolador. O homem, após a morte de Deus, compreende-se sem laços ou obrigações que possam restringir seus instintos mais primários. Mas, inevitavelmente, surge a pergunta: livre para quê? Abre-se, então, um vazio existencial que, como se fosse um abismo sem fundo, causa vertigem e, fisiologicamente falando, verdadeiros sintomas de náuseas e tonturas. Essa expressão não é gratuita, pois tais conceitos estão na base das duas linhas do pensamento negativo – se deixarmos à margem vitalismos ou personalismos – que atualmente dominam a cena intelectual de nossos dias, o pensamento fraco e o existencialismo. É estranho que conceitos tão desoladores como esses despertem tanta atração. Isso só é explicado no âmbito de uma cultura alienante, frívola, que estimula certo tipo de cinismo elegante e esteticista.

Esta é a situação da charneca, a Terra Desolada, para manter a expressão equivalente, que precisamos começar a mudar. Não nos esqueçamos tampouco de que nela encontramos, assim como os detritos nutrem a nova semente, elementos para sua transformação. Esta visão envolve uma concepção de criação de um mundo inacabado, a Criação como um processo evolutivo e diferenciado ao longo do tempo, e que ela toma consciência de si mesma. Ela é a consciência manifestada através do homem que pode mudar o mundo e, portanto, concluir a Criação. A tarefa do herói dos nossos dias não é tão diferente da de seus antecessores. A transformação do Graal surte os mesmos efeitos. A doença do espírito manifesta os mesmos sintomas, e sua cura requer os mesmos esforços. Não há outra solução que não passe pela recuperação da fé perdida, restando a nós confiar em nossa voz interior e agindo de acordo a ela, para que nossos passos se orientem dessa maneira.

Autor

Revista Esfinge