A ninguém acontece coisa alguma que não seja, por natureza, capaz de suportar

Proveniente de uma nobre família de origem hispânica, aquele que seria o imperador Marco Aurélio nasceu em Roma no ano 121 de nossa era. O imperador Adriano, ante sua precocidade, o nomeou cavalheiro aos 6 anos de idade, algo excepcional, e ainda quis deixá-lo como seu sucessor direto, coisa que não pôde acontecer, pelo fato do escolhido ter poucos anos de idade, pois contrariava as Leis de Roma. Porém escolheu a Antonino com a condição de eleger Marco Aurélio oportunamente.

Adotado por Antonino Pio, segundo a velha tradição que permitia aos Césares não deixar seu reinado a seus filhos físicos, senão aos que considerassem seus descendentes espirituais, encarregou sua educação à vários filósofos destacados, especialmente ao estoico Apolônio e a Cornélio Frontão como mestre de retórica.

Desde pequeno habitou o palácio imperial e contam, a seu respeito, augúrios sempre favoráveis, como o do jogo ritual de lançar coroas à cabeça da imagem gigantesca do deus Marte; todos falharam, menos Marco Aurélio, cuja coroa ficou na cabeça da estátua por muito tempo.

Iniciado em Eleusis e nos Mistérios de Mitra-Dummuzi, se destacou sempre por seus costumes austeros. Amava os antigos costumes rituais de Roma e sua ideologia, em geral, era marcadamente a da Escola Estoica. Se destacou também como orador e dialético.

Assumiu a responsabilidade do Império em 161 d.C., associando ao trono seu irmão adotivo, Lúcio Aurélio Vero, ainda que fosse uma associação virtual já que Marco foi o verdadeiro imperador. Tinha uns 40 anos e sua vocação filosófica e sapiência o ajudaram a ter uma grande praticidade e eficácia em sua função, sustentando reformas necessárias na jurisprudência e na mobilidade dos exércitos. Moderou, mesmo as custas de tornar-se impopular, os jogos de gladiadores e combateu o terrorismo que por motivos étnicos e religiosos começava a acontecer no Império. Sua ação foi especialmente afortunada nas terras do Oriente, aos quais devolveu a paz e a prosperidade.

Sua forma de vida não mudou com sua designação de Augusto, mantendo-se ao recomendado pelos estoicos, sendo moderado em todas as coisas e muito amigo da reflexão filosófica, e evitando cair em superstições próprias de sua época, atitude essa que lhe valeu a fama de ateu pelos historiadores atuais.

Apesar de ter que sufocar insurreições dos povos às margens do Império –os “bárbaros” que iniciaram um trabalho de desgaste que faria ruir o Império séculos mais tarde– jamais perdeu sua equanimidade. Seu conselheiro Timócrates nos conta que uma cruel enfermidade lhe causava enormes sofrimentos que suportava com férrea vontade e sem perda da sua extraordinária capacidade de trabalho. Obteve vários Triunfos, festejos especiais decretados pelo Senado por suas vitórias militares, como testemunha na atualidade a famosa Coluna de Marco Aurélio na Piazza Colonna de Roma.

Morreu de maneira misteriosa em Sirmio, perto de Viena (alguns creem que foi envenenado a pedido de seu filho Cômodo, porém a versão mais aceita é que morreu por uma epidemia de peste). Tinha 58 anos e quase 12 de reinado.

Em suas tendas de campanha, noites adentro, escreveu verdadeiras joias de Filosofia Moral e Metafísica. Conservamos dele 12 livros de memórias escritas em grego, tituladas A Mim Mesmo e hoje conhecidas por Meditações de Marco Aurélio.

Dele falava-se que era tamanha a sua honradez que, faltando meios econômicos em uma de suas campanhas bélicas, vendeu e empenhou todos seus bens pessoais e até os de sua família, incluindo vestidos e joias, em um leilão que durou dois meses. Triunfante, era tão querido por seus súditos que estes devolveram grande parte destas riquezas, em atos emocionantes de devoção e fidelidade.

Em seus monólogos agradece a todos os que conheceu, destacando, como no caso de sua esposa (mulher bela, porém devassa), tão somente as virtudes, por pequenas que fossem, e silenciando cavalheirescamente seus defeitos. Dizia que não devemos nos zangar com os homens pois há muitos que não diferenciam o bem do mal, como um cego não o faz entre o branco e o negro. Afirmava que não devemos temer a nada, pois “o que lhe pode acontecer ao boi que não seja próprio do boi ou a abelha que não seja próprio da abelha, e ao homem próprio do homem?” Também dizia, que as coisas não desaparecem, mas que estavam em continua mutação, segundo a harmonia universal.

“Em parte alguma poderá o homem encontrar retiro mais doce e sossegado que na intimidade de sua alma, sobretudo se possui em si mesmo altos objetos de contemplação, dos que basta olhar para recobrar, em um instante, a tranquilidade. Goza, pois, sem cessar desta solidão e retire dela novas forças”.

Julián Palomares

Autor

Revista Esfinge