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O Livro dos Mortos
O livro da morada oculta, erroneamente traduzido no Ocidente como “O Livro dos Mortos”, aproxima-nos do mundo do ritual funerário e da jornada da Alma para o mais além, após a morte, segundo as crenças culturais dos habitantes do Egito antigo.
Envolto em ataduras de linho, escritas nos sarcófagos e até na pirâmide de Unas em Sakara, foi encontrado o texto do “Livro dos Mortos”. Estes papiros, dos quais não há uma cópia única, foram encontrados em Memphis, Tebas e Heliópolis, em diferentes dinastias.
Após a morte e antes do funeral, houve no Egito uma cerimônia, que costumava durar 72 dias, em que se prepararam o corpo e a alma do defunto: o corpo unido com as energias mais densas, para que estas permanecessem neste mundo e não seguissem o falecido para o além.
Nesses papiros foram copiadas as orações que seriam recitadas no início da noite. A esperança da alma não era retornar à Terra por um período muito longo de tempo. O retorno foi inexorável, pois a alma não foi suficientemente aperfeiçoada para se tornar pura luz espiritual.
As oferendas feitas ao falecido não eram para uso físico, como costumavam pensar. Os egípcios acreditavam em um duplo ou Ka que todas as pessoas e coisas têm. Essas oferendas foram organizadas de modo que seus duplos pudessem servir à alma ao longo do caminho, porque assim como o sol, quando se esconde, passa pela escuridão para se rejuvenescer e se purificar, assim também faz a nossa alma.
Toda alma, seja grande ou pequena, deve ser purificada após a morte. Anúbis a acompanha diante de um tribunal composto por 42 juízes.
Anubis, chamado “o senhor da necrópole”, é o mensageiro entre o céu e o inferno. Diz a lenda que ele era o filho de Nephthys e Osíris. Quando este foi despedaçado e seus membros foram espalhados pelo mundo, Anúbis acompanhou Ísis na bisca pelos membros de Osíris e a ajudou a embalsama-los. Por essa razão, ele preside os rituais funerários e verifica o peso do coração do morto.
No Livro dos Mortos ou na Residência Oculta, se reunem diferentes textos de temas diversos. Desde passagens dos textos dos sarcófagos a receitas mágicas para superar os demônios, uma descrição do peso do coração ou da confissão negativa da Alma.
O texto dos sarcófagos descreve o itinerário, repleto de perigos, portões e circuitos que as Almas devem seguir.
A alma sobe no barco solar e é conduzida por um barqueiro. Na primeira hora do Duat (primeira hora da noite, quando o sol está escondido), os mortos estão conscientes e horrorizados. Se eles são hábeis, se possuem os amuletos de proteção, e se eles conhecem as palavras mágicas, eles conseguem enganar a serpente guardiã dos Mundos Subterrâneos. Então eles entrarão pelo oeste na terra da outra vida.
O mais antigo texto conhecido é o do Juízo Final de Hu Nefre, que data de 2000 a.C. aproximadamente, mas o mais famoso é o “papiro de Ani”, do qual, em seguida, delinearemos uma breve descrição.
Anubis conduz o falecido até o tribunal. Hórus está presente, pois, como o filho de Osíris, ele é o intercessor entre ele e os homens. A alma, vestida de branco, será julgada por suas ações. Ao final há uma balança, em cujos pratos serão colocados, em um o seu coração e no outro uma pena da deusa Maat. Isso é chamado de “a pesagem da alma”. Maat representa a Justiça e verifica se nossas ações estão de acordo com a lei. Thot, com a cabeça de Íbis, é o deus da Sabedoria e da memória e tem a arte de curar os vivos e os mortos. Em uma tabuinha anota os detalhes do julgamento.
Ao lado dele está o monstro que devora corações. Representa o caos.
Na extrema esquerda, uma mulher, com o sistro de Ísis, acompanha outra figura que simboliza o próprio espírito daquele que é julgado e que, em sua pureza, tem o mesmo tamanho dos deuses. Imediatamente abaixo da barra horizontal da balança há uma pedra quadrilateral coroada com uma cabeça humana: é o Khat, o material do corpo físico que na vida foi coroado pela inteligência. É um simples pedaço de matéria do Universo que logo retorna a ele, e a pedra cúbica dos alquimistas do renascimento europeu em uma de suas chaves.
Inclinado na extrema esquerda da barra horizontal da balança, cujas cordas formam um triângulo ascendente, se vê um vaso vermelho que representa a energia vital, que dá movimento ao corpo físico, ou simplesmente a vida que o falecido viveu. Algumas vezes é representada por um coração, ou por um ANKH, com um triângulo invertido na cabeça, que às vezes está pintado de vermelho, como um símbolo da vida.
Entre este prato e a coluna vertical da balança há uma figura humana que é o duplo ou Ka, sede dos sentimentos, que deu forma ao corpo físico. Ele está em uma atitude de marcha, porque ele pode se transladar como um fantasma e ainda responder pelo próprio homem, pedindo justiça.
Um par de figuras femininas costumam aparecer, uma nua e outra vestida, ou uma com um vestido muito simples, e a outra com vestido muito requintado. São as duas partes da mente, uma superior, Ba, e a outra inferior, Ab, em contato com as pluralidades da manifestação (mundo dos desejos). Ba é a sede das ideias puras, a que pode elevar-se acima das coisas do mundo terreno. Ela recebe a luz superior em sua pequenez humana. E é o eu mental, a consciência da existência individual. Ab é a sede da astucia e do egoísmo especular.
O pássaro com a cabeça humana, que está sobre um papiro, é uma andorinha chamada Cheibi e simboliza a intuição das coisas sagradas. Pode pousar sobre as coisas concretas ou voar até as alturas, até a Mansão dos Abençoados, ao Amenti ou Terra de Amon. A figura à esquerda, à frente da representação de Ísis, é o espírito osirificado. Sahu, o homem com a possibilidade de ser Osiris-Ani, o Deus-Homem. É aquele que permanece invariável através das reencarnações e das diferentes formas que a Magia Natural obriga o homem a adotar ao longo de seu caminho humano e cósmico.
No plano superior aparecem vários deuses sentados em cubos com seus atributos. Todos eles são possuem o “Was” ou o bastão para atravessar a escuridão. A parte superior do bastão é uma esquematização da cabeça de Anúbis, e a base, que se abre em duas, representa as pernas do ganso que pode andar na lama.
“O Livro da Residência Oculta” inclui aproximadamente 200 encantamentos ou capítulos (alguns muito longos e muito antigos), cujo conhecimento permitia que o falecido se dirigisse ao mundo inferior (que ele deverá percorrer na viagem pelas 12 regiões do Duat), reconhecer os deuses que serão favoráveis a ele e os guardiões dos pilonos e das cidades; saber despertar a sua benevolência através das orações e, sobretudo, não permitir ser maltratado pelos maus espíritos, nem se surpreender-pela cobra que come o nome ou a memória da pessoa.
A leitura das litanias era feita pelos sacerdotes, em um estado de pureza ritual, olhando para a múmia do falecido.
Mayasis afirma que essas leituras constituíram um simulacro de iniciação apressada no momento em que a alma não iniciada deixou a Terra.
Essas leituras deviam ser feitas com um certo ritmo, e algumas anotações indicam como elas devem ser recitadas. Isso nos dá uma ideia da importância do som.
As imagens que contêm som na forma de vinhetas nas quais se repetem as cores, as linhas e os movimentos. A cor desempenha um papel importante no ritual e forma uma linguagem mágica.
Um antigo texto diz: “Levante-se para a vida, porque olha, você não está morto”.
Maat, a Justiça, velava para que tudo fosse realizado de acordo com o Grande Lei em todo o Universo. Nenhum antigo egípcio poderia acreditar estar sozinho nesse mundo.