Baixe o artigo em PDF e leia em seu Smartphone – 04-20

A que chamamos amor? O amor é o desejo sexual? É algo mais? É a mesma coisa amar os pais, os filhos, os amigos, o nosso companheiro ou companheira? E o amor ao nosso cachorro, ou ao gato, ou ao periquito? E o amor a nós mesmos, é só egoísmo?

O amor é um dos aspectos mais importante da nossa vida e está presente em nossas conversas. Há incontáveis filmes, canções sobre amores felizes e infelizes, e muitas vezes as lágrimas ou a emoção nos tomam por causa do amor. Porém, o homem e a mulher do nosso tempo não concebem isso como um assunto que está para ser resolvido, como algo para aprender, mas, sim, como um sentimento espontâneo: o namoro ou o desejo sexual. Mas percebermos que nas consultas com psicólogos as perguntas mais habituais sobre o amor fazem referência a como nós podemos ser amados, e nunca como podemos aprender a amar.

O tema é muito mais vasto do que nos parece a primeira vista. Diz Platão que o céu se move por amor. É por acaso que Dante tenha argumentado como Platão dizendo que era o amor que movia o Sol e as estrelas? Significa a mesma coisa amar uma pessoa e amar o trabalho, ou a própria terra? E o amor à justiça, à ciência, à arte? E o amor a Deus?

Eros, o Amor, é o tema do diálogo “O Simpósio”, mais conhecido como “O Banquete”, obra do grande filósofo que foi Platão. Platão nos situa em um banquete grego típico, com duas partes: primeiro a comida e depois a bebida a serem servidas que marcava o momento para o anfitrião oferecer um entretenimento de caráter estético como o canto, a dança, a música, ou um diálogo de idéias, com suas discussões e reflexões. Nesse caso se tratava de um banquete em que os convidados de Agatón, poeta que havia triunfado no último concurso literário, propuseram um elogio ao Amor.

Como o grupo de admiradores estava satisfeito, visto que havia suscitado o elogio de Agatón, Sócrates se exime humildemente de pronunciar sua fala por não poder competir com os demais. Disse: “Eu acreditei tolamente que é mister dizer a verdade sobre o que é louvado, mas pelo visto não é desse modo, e vocês só se importaram em acumular elogios excessivos, atribuindo ao amor tudo de maior e mais belo que se pode encontrar, sem se preocupar se é verdade”.

Com seu diálogo, Sócrates faz Agatón reconhecer que as suas palavras eram bastante ocas, pois escondiam contradições dentro de sua beleza e persuasão. Agatón disse que o amor era belo, bom, que ansiava, queria, tendia ao belo, mas todo o desejo representa busca de algo que não se tem e que interessa ter, mas que não sabemos se amanhã estará conosco. Então, se Eros aspira ao belo, não pode ser ele mesmo belo, mas carente de beleza. E, então, não é um Deus, porque não é possível um Deus sem beleza.

Essa réplica pode parecer mordaz, mas Sócrates a profere com humildade e confessa que com ele aconteceu a mesma coisa, pois acreditava que o amor era belo e bom, e foi Diotima, uma sacerdotisa, que respondeu a suas inquietudes:

Se o amor não é belo nem bom, será feio e mal? Certamente não. O não ser nem belo nem bom necessariamente não implica ser feio e mal, como o não ser sábio necessariamente não implica ser ignorante. Entre beleza e feiúra – bondade e maldade – como entre sabedoria e ignorância, há termos intermediários, e esse é o caso do amor. Por isso não tem que lhe considerar, como faz a opinião comum, como um grande Deus, já que não podem ser negadas aos deuses a beleza e a bondade.

Não é um Deus nem um mortal, é um grande Daimon, um intermediário entre deuses e humanos. A idéia é simples, o amor é o caminho, o nexo de união com isso que nós chamamos perfeito, divino, formoso serve como conexão e comunicação que enchem o vazio que existe entre o visível e o invisível. Por amor somos capazes de fazer e viver aquilo que o corpo biológico não pode conceber; isto é, o heroísmo. Por amor, alguém é capaz de deixar sua tranqüilidade e conforto e entregar sua vida a serviço dos demais, curando doentes ou ensinando crianças. A atitude de serviço pode começar por varrer um chão, ou saber escutar, ou resolver um problema ecológico, social, ou trazer um pouco de beleza e de cortesia. São diretrizes da consciência, do coração, que não vêm do egoísmo, mas do amor.

Em seguida Diotima passa a descrever um mito sobre o amor. Quando Afrodite nasceu, os deuses celebraram um banquete e, entre outros, estava também o Deus Poros, o filho de Inventiva cujo nome significa “o que tem recursos, abundância”. Penia, a pobreza, veio implorar para participar do banquete. Poros, embriagado de néctar, o licor dos imortais,

saiu para o jardim para dissipar a embriaguez, dormindo. Deitado estava quando Penia o avistou e pensou que o melhor a fazer seria aproveitar a oportunidade e ter um filho de Poros: Eros. Gerado nesse dia do nascimento de Afrodite, o amor sempre está no cortejo da Deusa. E por ser Afrodite supremamente bela, corresponde ao amor ser amante do belo.

De sua mãe tem, em primeiro lugar, o andar sempre apressado e sua aparência, não é, ao contrário do que a maioria pensa, delicada e bela. Pelo contrário, anda sempre faminto, descalço, dormindo ao relento sem outra cama além do chão, dos caminhos ou dos umbrais das portas. Não o acharemos nos palácios, nem nos bancos, nem nas caixas-fortes, porque não precisa de dinheiro, visto que é humilde. Do seu pai, por outro lado, tem o andar sempre à espreita do belo e do bom que não possui, sabendo ser valoroso, perseverante e arrojado, apaixonado pela inteligência, fértil em recursos incomparavelmente mágicos. Quem não reconhece nestas qualidades a força que o amor desperta em nós?

O amor também anseia possuir um bem com a intenção de que dure para sempre. O amor tem apetite pela imortalidade. Como adquire isso? A resposta não tem grandes pretensões moralizantes nem metafísicas, mas é arrancada completamente do processo natural do amor físico. A natureza alcança a perpetuação com a procriação, com os filhos. A procriação é o único caminho da Natureza para se perpetuar; as rosas não são eternas, mas em todas as primaveras nós temos o seu perfume, limpo, jovem. Platão fundamenta essa mesma lei para a natureza espiritual: o anseio da geração não se limita ao corpo, mas tem sua analogia na alma. E, além disso, a fecundidade da alma é muito superior a do corpo e, se manifestado, principalmente, em obras de pensamento, arte, poesia e invenções de todas as espécies. As pessoas dotadas desta fecundidade de acordo com a alma se prendem ao belo – é o amor de um artista por sua criação ou de um mestre por seu discípulo – e por amor alguém se esforça em conduzir uma pessoa, uma pedra ou uma idéia à perfeição, desenvolvendo todas as suas possibilidades latentes. É a idéia do amor como uma paideia ou atividade formativa.

Deste momento a conversa alça vôo e começam a soar as palavras de alta tensão: “Mistério”, “Iniciação”… Há uma via a seguir para chegar à contemplação do belo em si. Mas se requer uma iniciação, uma ascensão por etapas dialéticas: primeiro nasce o amor à beleza corporal, por meio de uma educação estética. Ama-se um corpo e pouco a pouco se vê que o belo não está circunscrito em um só corpo. A beleza de alguém é irmã gêmea da de outro, e não somente os seres humanos são belos. Há beleza em tudo, na Natureza: animais, montanhas, nuvens.

Fica em segundo lugar o amor à beleza das almas, à beleza moral, ao comportamento, e é uma beleza muito mais preciosa. Deste modo, a pessoa prefere uma alma bela a um corpo belo, um bom caráter a uns olhos verdes, um coração sábio a umas longas pernas. Existe uma beleza interior e esta é mais estimada do que a física. Quando já é capaz de reconhecer a beleza em todas as atividades e leis, e se desenvolve o amor ao conhecimento: amor às projeções do espírito, às ciências, às artes e chegar ao supremo: o amor ao belo, que é oferecido logo após ter percorrido o caminho anterior.

De repente será visto, como um raio, uma beleza de natureza maravilhosa. A iniciação foi lenta e gradual e a revelação, por outro lado, instantânea. Platão somente disse: Beleza que existe eternamente, e não nasce nem morre, não mingua nem cresce; beleza que não é bela por um aspecto e feia por outro, nem bela por um momento, nem tampouco bela em um único lugar, nem bela para uns e feia para outros. Nem se poderá representar esta beleza como se representa, por exemplo, um rosto ou umas mãos, ou outra coisa qualquer que pertença ao corpo, nem como uma fala ou como uma ciência, mas que existe eternamente por si mesma e consigo mesma. Disse a sacerdotisa que este é o momento da vida em que, mais que outro, o homem deve viver: a contemplação da beleza em si. Já não é possível, pois pertence à ordem do êxtase místico, descrevê-la; alguém transcende, sai de sua pequenez, e se rende ao imenso mar do belo.

A Filosofia é o caminho de retorno à reconquista de nossa natureza: uma vida harmônica e o amor à sabedoria conduzem ao triunfo do melhor que há em nós. A Filosofia é uma “loucura divina” e é amor à sabedoria. O filósofo está possuído por um deus, em estado de entusiasmo perpétuo buscando o Belo, o Bom e o Justo e por isso ele rejeita muitos outros projetos os quais outros se aplicam com tanto zelo, como dinheiro, fama ou poder. E pela mesma razão são tidos como loucos, porque, para a maioria, passa despercebida a posse divina, o amor por todos, por tudo e pela vida. O conhecimento não é em Platão jogo frio, racionalista de conceitos. A metafísica de Platão é a metafísica de Eros.

Eros, como a alma e como o filósofo, pertence a essa linhagem de seres intermediários entre o mundo das idéias e o das coisas materiais, cuja missão consiste em pôr em comunicação ambos os mundos. Por amor platônico se entende até hoje o amor espiritual, o amor que transcende. É o amor impossível, como dizem, mas na realidade é exatamente o amor que torna possível o impossível e que nos faz sentir irmãos acima das diferenças.

Platão insiste que é necessário aprender a amar. É necessário voltar a estender a mão e oferecer algo para comer, para sobreviver e, além disso, para sonhar um Ideal. É necessário um amor que nos faça vencer o medo de dar generosamente o melhor que temos, uma carícia, um sorriso, atenção, tempo, fé, confiança. Necessitamos do amor que nos limpe do barro do materialismo.

Há que se descontaminar, e ao dar e esvaziar-nos entrará novamente não somente o canto dos pássaros e dos rios, mas as vozes dos que sofrem. É necessário o amor que permite ao outro viver em liberdade. Há guerras porque esquecemos de Amar com letra maiúscula, amar as esperanças, as nossas e as dos outros. O amor nos faz sentir e encontrar novamente a Deus.

Referências Bibliográficas:

  • O banquete. Platão.
  • Os seis tópicos da filosofia de Platão. Antônio Gómez Grove.
  • Magia, religião e ciência durante o terceiro milênio – Jorge Ángel Livraga.
  • Paideia. Werner Jaeger.

Sara Ortiz Reus

Autor

Revista Esfinge