O povo mais intelectual da antiguidade e, em muitos aspectos, nunca superado (refiro-me ao egípcio), não conhecia a expressão “ser feliz”. A expressão deles era “estar em alegria” -IW M. RSUT- diziam. Estou em alegria. Porque é assim mesmo. Não somos felizes, nunca. A língua espanhola, rica ao ponto da exuberância – mal que pesa para aqueles que, na sua culpada ignorância, pretendem torná-la medíocre e tediosa – estabelece muito bem a diferença entre o ser, que é sempre, do berço ao túmulo, e o estar, transitório, momentâneo, do agora.

A felicidade é mito, desejo, utopia, anseio final do ser humano, mas é vivida como emoção mais ou menos profunda. E a emoção não é nada além de uma carreira de obstáculos em busca de uma linha de chegada, sempre perto de ser alcançada, mas sempre distante. A efetividade, pilar essencial da vida humana junto com a racionalidade, não pode ser constante. A própria essência do afeto obriga a compreendê-lo como processo, não como um estado permanente. E é bem verdade que a felicidade transbordante, a euforia sem razão, pode ser tão patológica quando seu extremo oposto, a depressão. Mas não é a isso que iremos nos referir aqui. Queremos dizer que o desejo insensato de conseguir um “estado” de felicidade permanente, vitalício, é justamente isso: insensato. Como máximo, podemos desejar estar felizes em alguns intervalos ou momentos de intensa afetividade deleitante ao longo da vida. E também existe a combinação de pequenas felicidades ao longo de uma jornada, talvez misturada com alguns desgostos, mas felicidades afinal de contas.

Abderramão III, “o poderoso”, confessava ter somado, em toda sua vida de vitórias, apenas alguns dias de felicidade. E, se medíssimos a felicidade pelas vitórias, muitos psiquiatras que atendemos aos vitoriosos, teríamos que fechar os consultórios por falta de clientes.

A cortesia do desconhecido no ônibus, a simpatia do funcionário que nos atende, um jornal sem políticos, um sorriso amável percebido rapidamente, etc., são os feitos que nos ajudam a atingir o “saldo positivo” do dia. São as pequenas coisas que podem nos fazer felizes, e fazer as pazes com o mundo, como dizem os filósofos.

Os japoneses definiram a felicidade como ninguém poderia tê-lo feito na cultura ocidental. Falam do KAMI, a harmonia.

Neste termo, encarnaram um conceito complexo de harmonização com o mondo próximo e com o mundo ainda remoto. A união do indivíduo com o cosmos. O que é lá em cima, é embaixo, diziam os antigos. Tudo é reflexo de Deus, isso é estar feliz. Isso é Kami. Há Kami no chá servido segundo o ritual milenar. Há Kami na flor que se vira à procura dos raios do sol, e talvez na dobra de suas pétalas até a tempestade acabar. Há Kami no nosso lar em paz. Um movimento pausado, elegante. Aquilo que nos acende em outra pessoa, e não sabemos o que é. É Kami. Emite felicidade, e é tão breve como o movimento que o produz. Mas se soubermos espalhá-lo, se conseguirmos fazer que cada momento seja harmônico, se o transformarmos em hábito, no nosso ritual de vida quotidiano, conseguiremos “estar em alegria”.

Os Vedas nos contam o segredo para conhecer uma parte da felicidade: nos falam de praticar o SATWA, que é estar no justo meio de tudo. Agir, eles dizem, por Reta Ação, porque é dever do ser humano fazê-lo.

Alguns dos nossos pacientes se beneficiam notoriamente realizando exercícios de sofrologia, técnica ocidentalizada, herdeira das mais antigas práticas de autoconcentração e relaxamento. Em outro momento, iremos escrever sobre a sofrologia. Hoje, gostaria de propor ao leitor estar em alegria. Quantos mais momentos, melhor. Colocar Kami em cada coisa que fizermos … praticar o Satwa … criar beleza e … pagar com beleza.

Ángel Ponce de León

Autor

Revista Esfinge