O mistério do Renascimento se dá na Itália do Norte no século XV. Chamamos mistério pois apesar de que possamos extrair antecedentes imediatos que os justifiquem de maneira lógica, estes não alcançam fazê-lo de maneira plena. É sem dúvida uma explosão cultural com consequências civilizatórias enormes. Custa muito ao historiador, crítico de arte ou intelectual aceitar tal concentração de luz espiritual e o tamanho metafísico dos seus portadores.

Jorge Angel Livraga

Se você sabe qual é a região mais visitada no mundo saberá que nela está a cidade que foi o berço do Renascimento. Sim, Florença! Florença não é apenas mais uma cidade da Europa, é o berço do movimento filosófico, cultural e artístico mais importante dos últimos 500 anos, só comparado a Atenas de Sócrates, Platão e Aristóteles.

Se você pensar em um lugar que você gostaria de estar em contato com a beleza e suas mais variadas formas de manifestação, este lugar é Florença. Na cidade antiga, seu centro histórico, não vivem mais que 100 mil pessoas. Se concentram lá quase 60 museus contendo o maior acervo de quadros e esculturas do Renascimento. Leonardo, Michelangelo, Donatello, Botticelli, Verrochio, Rafael, Felipo Lippi, Frei Angelico, Ghirlandaio, Bronzino, Ticiano, Tintoreto.  

Palácios e Igrejas que contam histórias deste magnifico período de redespertar do humanismo e da cultura ocidental estão por toda a parte, nas paredes, nas capelas, nos salões e nas ruas.

E se perguntarmos o que tornou esta cidade tão especial?

O que pessoas que viveram a mais de 500 anos nesta região tem para nos ensinar?

O Renascimento foi o extraordinário movimento cultural e social que retira o homem do mundo medieval, de suas crenças limitadas, e o lança a uma experiência de aperfeiçoamento como poucas na história da humanidade. Nos referimos ao humanismo renascentista. O ser humano escolhe por desafiar-se em múltiplas habilidades com a meta de construir sua maior obra: ele mesmo.

Da grande maioria dos conceitos que indicam as tendências da atualidade e do futuro muitos deles foram gestados no Renascimento. Inovação, pensamento sistêmico, ecologia e sustentabilidade, sincretismo religioso, justiça social, liberdade econômica, criatividade, experimentos científicos e a visão humanista da filosofia. Todos conceitos que praticamente nasceram ou foram trazidos ao conhecimento atual pelos renascentistas.

Quais os ingredientes que possibilitaram o Renascimento?

Uma fórmula bastante conhecida para alcance de qualquer objetivo, porém comprovou-se espetacularmente poderosa. A combinação das pessoas certas, no momento ou contexto apropriado com o uso dos ensinamentos e cultura adequados.

Florença, foi uma cidade de rara vocação republicana. Depois de ser uma antiga cidadela etrusca e depois romana desde a antiguidade, parece ter preservado sua herança e vocação republicana. Desde 1250, ao contrário de praticamente todas as cidades medievais dominadas por vassalos ou reis, no caso das grandes cidades da Europa, criou uma estrutura política solidamente republicana, fez isso 600 anos antes dos norte-americanos. A combinação das “pessoas certas” foram seus patrocinadores e promotores: a família Medici. Uma família de banqueiros, dos mais ricos da Europa, foram os grandes apoiadores da ideia de resgatar o modelo da democracia ateniense e da república romana. Também foram os responsáveis por financiar o resgate, traduções e estudos dos grandes clássicos ocidentais. Os principais temas da cultura humana foram estudados a fundo por um grupo enorme de grandes mentes. Uma escola chamada, Academia Platônica de Florença, ressuscita Platão, Aristóteles, Cícero, Plotino, Homero, Hesíodo e Ésquilo. O Corpos Hermeticum e o Picatrix egípcios, os textos cabalistas,  a Bíblia, o Alcorão e a Torah. Parecia não haver limites para a sede de conhecimento deste grupo que tinha como plano recriar o mundo em torno dos ideais do mundo clássico.

A religião, com sua força institucional dominadora, seria infiltrada pelo neoplatonismo. Tanto que os estudiosos mais sérios da modernidade denominam este movimento de sincretismo religioso, promovido em Florença, de neoplatonismo cristão.

A política, através do experimento de séculos no quintal de casa, demonstrava a obsolescência das monarquias hereditárias e o quanto a república tornava a vida em sociedade muito mais ágil e justa.

A arte, tema de discussão em muitas nações modernas sobre seu real valor para a construção de uma nação, sua riqueza e bem estar, aparece no Renascimento como estratégia fundamental para a construção do ideal humanista.

Por fim, a ciência nasce e se desenvolve de maneira natural juntamente com a arte, numa atmosfera onde a curiosidade é incentivada e as pessoas querem saber cada vez mais sobre si mesmas e o mundo a sua volta.

E por falar em arte e ciência, Leonardo da Vinci, é o símbolo do ser humano renascentista.

A imagem mais reproduzida em todo o mundo, o homem vitruviano, retirada de um dos cadernos de anotações de Leonardo, representa muito bem este ideal do humanismo renascentista.

O homem que toca o quadrado, é o homem que constrói o mundo concreto que conhecemos. É o homem que se expressa e constrói através de sua força e relação direta com a Natureza, a cultura e civilização.

O homem que toca o círculo, é o homem que sonha e vive as grande ideias espirituais que tem inspirado a humanidade. Aquele que se une ao Cosmos e se identifica com o Universo.

Em tempos de multiverso e de tantas divergências, conflitos e polarizações, o retorno a unidade é sem dúvida um dos maiores objetivos que nós, seres humanos, devemos procurar.

Este é o primeiro de uma série de sete artigos que estarão abordando este maravilhoso movimento que tem muito a nos ensinar. Que foi muito mais do que um movimento artístico como muitos pensam. Um verdadeiro farol que ilumina a humanidade em seu futuro.

Escrito por Fabiano Camilo

Professor da Nova Acrópole de Porto Alegre – RS

Referências Bibliográficas:

  1. CESATI, Franco – I Medici, Storia di una dinastia europea, 1999 – Ed Madragora, Itália
  2. MARESCA, Paola – Alquimia, Magia e Astrologia nella Firenzi dei Medici, 2012 – Ed. Angelo Pontecorboli, Firenze – Itália
  3. GIANNETI, Stefano e Vicenzo – I MEDICI da Giovanni de Bicci a Lorenzo il Magnifico L’ASCESA – Ed Angelo Portecorboli, Firenze – Italia
  4. CARDINI, Franco – Los Reyes Magos de Benozzo en el palácio Medici, 2001 – Ed Mandragora, Firenze – Itália.
  5. Nardini, Bruno – Michelangelo, Biografía de un gênio – Ed Giunti, Itália
  6. MIRANDOLA, Giovani Pico de la – Discurso sobre a Dignidade do Homem, 2005 – Ed Almedina – Portugal
  7. ISAACSON, Walter – Leonardo Da Vinci – 1992 – Ed Intrinseca, Brasil
  8. CAPRA, Fritjof – A Ciência de Leonardo da Vinci, 2007 – Ed Cultrix – Brasil
  9. RUIZ, Jorge – Filosofia e Arte no Renascimento – Ed. Nova Acrópole, 2015, Brasil
  10. LIVRAGA, Jorge Angel – La Ultima Cena – Rev. Esfinge, 1986, Espanha

Autor

Revista Esfinge