Escrito por Isabella Brandão e Daniel Andrade

No século XV Portugal dirigia todos os seus esforços de nação unificada para a expansão comercial marítima, a descoberta de novas rotas e produtos, fundando dessa maneira, com uma série de façanhas náuticas e militares, o seu vasto império comercial e mercantil. Nesta época, o ideal cavalheiresco e religioso medieval foram fundamentais para o surgimento do Estado português.

Para homenagear a sua pátria e as suas conquistas, Camões escreve a sua famosa epopeia Os Lusíadas, que se tornou a epopeia por excelência da Renascença, clássica e pré-barroca. Em seus versos, o poeta narra o heroísmo português, o povo lusitano, representado pelo personagem Vasco da Gama, além disso, eleva a língua portuguesa com todo o seu talento, brilhantismo e beleza. É um privilégio para todos os falantes do idioma poderem ler no original os famosos versos que nos inspiram até hoje:

As armas e os barões assinalados,

Que da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além das Taprobana,

Em perigos, em guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

Entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

Muitos artistas em suas obras de arte ilustram o arrojo do que foi o período renascentista, dentre tantos: Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio, Sandro Botticelli, Dante Alighieri… A lista é extensa, grandes nomes, frutos de um tempo grandioso, onde o resgate da cultura antiga faz florescer o humanismo. Nesse tempo, sobretudo estão as experiências humanas, retratadas por meio da harmonia e do equilíbrio, a busca do belo.

Na poesia, esse anseio trouxe uma sofisticação nos aspectos formais da escrita: a construção de versos e estrofes, padrões elevados de rima, metáforas, antíteses, tudo minuciosamente arquitetado. Surgem assim, construções textuais de uma destreza incomum, buscando fazer das palavras algo belo. Tamanha influência é, sem dúvida, do resgate da cultura grega e romana, pois essas culturas antigas já haviam investigado e maturado as normas de uma boa escrita; essas normas reaparecem orientando a literatura renascentista, retomando o gênero poético erudito. Dessa água bebeu Luís de Camões, nesse mar ele também navegou, colocando seu nome na história da literatura universal. Desse legado cultural comemoramos 450 anos da primeira publicação do épico Os Lusíadas, em 1572, homenageando as conquistas marítimas portuguesas.

É notória a influência da herança clássica, especialmente o Platonismo. O resgate da cultura clássica se dá em um momento em que o cristianismo se encontra bem enraizado na Europa ocidental; desse modo, há uma conversação da filosofia com os princípios cristãos: o mundo das ideias dialoga com a concepção de paraíso, de onde emana a perfeição divina. Logo, convivem na arte desse tempo figuras mitológicas e bíblicas, como se vê no trecho de Os Lusíadas, no qual Camões nos presenteia com os versos que mencionam a ninfa Tétis e o gigante Adamastor no momento em que pede auxílio a Deus e aos anjos:

Me anda Tétis cercando destas águas.

Assi contava; e, cum medonho choro,

súbito d’ante os olhos se apartou.

[…]

eu, levantando as mãos ao santo coro

dos anjos, que tão longe nos guiou,

a Deus pedi que removesse os duros

casos que Adamastor contou futuros.

Camões se inspira nas grandes epopeias greco-romanas como Eneida e Ilíada; outro reflexo da cultura clássica resgatada no período renascentista que influenciou o épico português. 

O poema está dividido em 10 cantos compreendendo 1102 oitavas, os narradores principais são: o próprio poeta, e Vasco da Gama, também havendo alguns narradores secundários episódicos, como: Ferrão Veloso, Moçaide e Paulo da Gama. Construído em versos decassílabos, cuja extensão possibilita maior variação de composição rítmica, Luís de Camões faz ótimo uso desse estilo de escrita trazido pelo escritor português Francisco Sá De Miranda, que esteve na Itália em 1527 e trouxe todas as novidades daquele período fértil para Portugal. Na lírica camonica também se vê um apelo do poeta aos seres mitológicos para que a perfeita inspiração lhe seja dada, entendendo que a criação artística dependesse de uma iluminação sobre-humana para alcançar a proximidade da perfeição que perseguiam os renascentistas. Isso se constata no primeiro canto de Os Lusíadas, no qual o eu lírico do poeta almeja compor uma poética grandiosa, no entanto entende não conseguir fazer tal feito sozinho.

E vós, Tágides minhas, pois criado

tendes em mim um novo engenho ardente,

[…]

Dai-me agora um som alto e sublimado,

Um estilo grandíloquo e corrente

[…]

            Os Lusíadas é a única epopeia, dentre as grandes, que está baseada em feitos históricos de um passado não muito longínquo, o poema canta as armas e os varões gloriosos da história portuguesa.  Camões, com a sua poesia, fez a língua portuguesa atingir as suas maiores possibilidades emocionais “o verso se amolda sonoramente ao que procura exprimir com a naturalidade milagrosa da verdadeira poesia.” (Alexei Bueno). O poema é uma obra prima em nossa língua, canta ao heroísmo dos seres humanos, remonta a antiguidade clássica, aos seus Deuses e mitos, fala de um povo que superando todas as adversidades conseguiu conquistar a sua Glória. Se você querido leitor ainda não teve a oportunidade de ler esses belos versos, aproveite esse aniversário de 450 anos para embarcar nessa aventura.

Bibliografia:

CAMÕES, Luís de, Os Lusíadas. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2018.

TORRALVO, Izeti Fragata. Sonetos de Camões: sonetos, redondilhas e gêneros maiores. Ateliê Editorial, Cotia, São Paulo, 2011.

Autor

Revista Esfinge