Por Paula Leão

O Prof. Jorge Angel Livraga, fundador de Nova Acrópole, afirmou: “A História se tece com a lã dos atos heroicos, não só com bons pensamentos.” Com esta afirmação, ele nos ensina que devemos aprender a ver a História como mestra da vida, desvendando-a com mais profundidade e descobrindo os motores ocultos que configuraram a forma como vivemos, possibilitando que, assim, possamos conduzir melhor a nossa caminhada.

A História do povo brasileiro não apenas deve ser estudada e compreendida, mas vivida cotidianamente, pois seus desdobramentos se expressam no comportamento dos habitantes desse vasto país. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é colaborar com a promoção de nosso sentido de identidade, de reconhecimento de que somos todos filhos dessa pátria, e com a compreensão do destino que estamos juntos a cumprir enquanto Nação.

O filósofo argentino José Ingenieros, em seu O Homem Medíocre (2016), afirma que “uma pátria é um sincronismo de espíritos e de corações, têmpera uniforme para o esforço e homogênea disposição para o sacrifício, simultaneidade na aspiração à grandeza, no pudor da humilhação e no desejo da glória.”

Neste ano de 2022, comemoramos os duzentos anos transcorridos desde o marco da Independência do Brasil. Homenageamos, nesse contexto, o processo histórico que culminou com a separação dos laços colonialistas que o Brasil mantinha com Portugal, que se estendeu por muitos anos, e que já se delineava frágil por meio de frequentes insurreições populares, embates políticos e divergências acerca do destino a ser trilhado pelo Brasil, evidenciado pela crescente tensão estabelecida entre o governo da metrópole e a colônia.

Na data de 7 de setembro de 1822, o Brasil se declara uma nação independente, tendo D. Pedro se colocado ao lado da causa brasileira e, alguns meses mais tarde, sido coroado imperador, tornando-se D. Pedro I do Brasil. Essa conquista foi alcançada por meio do esforço de muitos brasileiros, da inteligência dos seus dirigentes e da coragem de podermos nos declarar genuinamente filhos do Brasil, independentemente das circunstâncias da nossa origem.

Essa independência se deu de modo singular em relação a outras nações da América Latina, nas quais não se apresenta a mesma força de união, de acolhimento e de convivência de culturas e concepções tão diferenciadas. Vale destacar que fomos o único país a manter a monarquia como sistema político com forte apoio popular, com a declaração do Império do Brasil após a ruptura dos laços com Portugal.

Quando um povo desconhece a sua História, os fatos e personagens marcantes que existiram no passado, sofre de uma cegueira coletiva, um processo de desvalorização – e consequente manipulação – que apenas uma investigação filosófica, no sentido de compreender as causas, pode iluminar. Afinal, na falta de uma comunhão de esperanças não há pátria.

A atual polarização política

No momento atual, evidenciamos uma crescente falta de comunhão e certa polarização política que têm levado os brasileiros a constantes expressões de discórdia e animosidade, características que são alheias à sua tão conhecida natureza acolhedora e alegre. Nos cabe, portanto, debruçar por sobre a história e resgatar momentos em que a nossa esperança e o nosso sentido de Unidade nos conduziram a um sonhado porvir: a nossa independência, e a possibilidade de nos identificarmos para além de todas as diferenças, como brasileiros acima de tudo.

Nesse exercício, o objetivo não é querer encontrar verdades absolutas, mas tecer relações entre os fatos e personagens que integraram nossa História e a necessidade de voltarmos a sonhar sonhos comuns.

O ideal de independência

A natureza da independência brasileira não foi resultado de uma ruptura súbita, mas de uma evolução gradual, ou melhor, de uma “gestação”. É importante tomarmos conhecimento das grandes transformações que contribuíram para que a nossa independência ocorresse. Três elementos se destacam: as ideias iluministas que fomentaram a Guerra de Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, assim como a Revolução Industrial. Esses movimentos foram fundamentais, porque iam de encontro aos regimes políticos e sociais vigentes na época, assim como as suas implicações, dentre eles o sistema colonial mercantilista2 existente desde as viagens do descobrimento.

Os ideais que regeram esses eventos históricos, tais como ideias de Liberdade, Fraternidade e Igualdade, reverberaram pelos quatro cantos do mundo, chegando até nossa terra por meio de livros, folhetos, poemas, e pela mente idealista de nossos jovens intelectuais, muitos dos quais viajavam para estudar no exterior e retornavam ao Brasil com o sonho de que nossa nação também pudesse conquistar autonomia e desenvolvimento. Desejavam não só produzir uma emancipação política, mas, sobretudo, social e cultural, capaz de possibilitar a formação de uma identidade enquanto povo e uma expressão nacional própria.

No Brasil, as décadas que antecederam o marco do Sete de Setembro foram repletas de episódios históricos que denunciavam o crescente descontentamento do povo brasileiro com as imposições da coroa portuguesa, fator que serviu para fomentar a união dos mais diversos setores sociais que compunham nossa nascente nação. Cada vez mais manifestavam o anseio e organização em prol da liberação do domínio português. A Conjuração Mineira, ocorrida em 1789, evidencia a luta dos mineiros contra a opressão das cobranças que recaíam sobre o tesouro daquela província. Episódios semelhantes ocorreram também no Rio de Janeiro (embora breve, no ano de 1794) e na Bahia (1798), nos quais pessoas de diferentes classes, condições sociais, etnias e credos lutaram por melhores condições e pela implantação de uma realidade mais fraternal, boa e justa nos estados brasileiros.

O processo de independência

Podemos remontar historicamente os fatos que originaram o sentimento de nacionalidade ao início do século XIX, quando, em 1808, D. João VI foge de Portugal para evitar a subjugação às guerras napoleônicas. Numa manobra audaciosa, traz consigo parte da corte lusitana, o que resultou em muitos benefícios para o Brasil, como a abertura dos portos, o fim do pacto colonial – e, de forma não premeditada, a futura independência do Brasil.

Por ocasião do Congresso de Viena, realizado após a derrota de Napoleão, em 1814, e com o intento de redefinir a geopolítica europeia, D. João VI elevou o Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves. Embora não tivesse se tornado um país independente, passava a ter condição de igualdade com a antiga metrópole do reino, Portugal. Essa medida assegurou a permanência da corte no Rio de Janeiro, e fez dessa cidade o receptáculo de muitas riquezas do Império português, não somente materiais.

A cultura, como elemento nutridor de um impulso civilizatório, também “desembarca” com a nobreza portuguesa no início dos anos 1800. Em de 6 de junho de 1808 foi criado o Museu Real, com a função de estimular os estudos de botânica e zoologia; em 1811, o Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Em 1814, as portas da Real Biblioteca foram abertas ao público, o que representou, para nós, o acesso mais fidedigno à tradição e aos clássicos. O Brasil passou a possuir a maior e melhor biblioteca das Américas, demonstrando o quanto a cultura era importante para a sede do império português.

Fundou-se, em 1813, o Real Teatro de São João, que marcou época na arte dramática da colônia. A escola Real de Ciências, Artes e Ofícios foi aberta oficialmente em 1816. Chegaram em nossas terras atores, músicos e concertistas, artistas plásticos, arquitetos, assim como curiosos e estudiosos de diversas partes das américas e Europa, contribuindo para a formação cultural e social de nossa pátria nascente. Assim, nas esferas da Arte, Ciência, Política e Religião, o Brasil via concretizar uma expressão de cunho civilizatório – no sentido de promover o desenvolvimento mais transcendente de seus cidadãos, e não somente sua sobrevivência material.

Por outro lado, a condição de ter se tornado o Brasil a cabeça da metrópole, evidentemente desagradou os portugueses, levando-os a exigir o retorno de D. João a Portugal e o fim dos privilégios estabelecidos a partir de 1808. Em 1820, inicia-se a eclosão do movimento constitucionalista português, assim como as guerras de independência que aqui se instalaram, levando à hesitação de muitas províncias entre a adesão a Lisboa ou ao Rio de Janeiro.

Paralelamente ao desenvolvimento do Brasil, em Portugal a insatisfação avançava, sendo pedido um posicionamento de D. João VI. De um lado havia os que defendiam a volta do Brasil ao status de colônia, o que configuraria, para nós, um absoluto retrocesso no que havia sido conquistado em termos econômicos, culturais, sociais e políticos. Todo o crescimento da indústria local, o surgimento de um patrimônio cultural edificado, o nascimento de correntes artísticas de características autênticas – com o processo de transmissão dos artistas europeus para o Brasil – se sentia ameaçado e gerava um inconformismo em diversas regiões do país.

A pressão do governo português sobre o imperador D. João VI teve resultado, obrigando-o a retornar às pressas para Portugal, já que sua permanência no trono português estava fragilizada. Retornando para a Europa, em 1821, ele não tem alternativa senão a de jurar obediência à constituição da corte portuguesa, mesmo tendo seus poderes reduzidos por ela, além da exigência de recolonização do Brasil. Aliadas a isso, diversas medidas com o intuito de diminuir o poder de D. Pedro I, que até então permanecia no Brasil, foram tomadas pelas cortes, inclusive a ordem expressa de retorno do Príncipe a Portugal. Esta ordem foi por ele recusada no dia 9 de janeiro de 1822, com o ato que ficou marcado na História como o “Dia do Fico”.

A partir desse ato, as relações entre Brasil e Portugal tornaram-se mais difíceis, e a tensão gerada conduziu ao processo da nossa Independência. Nesse momento, ficou evidente o crescente sentimento de nacionalidade, quando o nosso povo deixou de se ver como “portugueses” ou “africanos”, e, cada vez mais, viam-se como baianos, mineiros, paraenses, pernambucanos, piauienses, mineiros, paulistas ou riograndenses e, finalmente, brasileiros.

Atores da independência

É em meio a esse processo que alguns personagens se destacam diante do seu alinhamento com a ideia de libertação e pela sua identificação com o sonho brasileiro. D. Pedro I foi o personagem principal dessa história, estando à frente da independência com apenas 23 anos de idade. Mesmo jovem, foi o dirigente colocado pelo destino para atuar diante de difíceis escolhas, optando em prol da nação que o acolheu e que amava. Sua lealdade ao Brasil foi mais forte que o seu sangue. Muitos questionam a moral desse nosso primeiro imperador e apontam críticas à sua natureza, ignorando ter se mantido ele ao lado da causa brasileira, desafiando sua família e toda a tradição portuguesa da qual ele era herdeiro, mesmo diante da incerteza sobre o futuro do Brasil e da luta que se travaria após esta ruptura. Isso nos faz refletir sobre as tão frequentes acusações feitas a ele, de que se tratava de um “príncipe fanfarrão” e despreparado, já que podemos considerar que foi ele quem encarnou com a Vontade para que acontecesse o processo histórico da Independência.

Sua esposa, a princesa Leopoldina, futura imperatriz, foi fonte de inspiração e força à decisão de apoiar os brasileiros em sua causa. A historiografia comprova ter sido ela uma das principais articuladoras de nossa independência. Em vez de princesa tirana, contrária à causa do povo brasileiro, foi uma das primeiras aliadas do Brasil independente. Na ausência de D. Pedro I no Conselho de Ministros, em janeiro de 1822, foi ela quem falou em nome do casal real, com a decisão de permanecer aqui, em vez de seguir os sogros no retorno a Portugal. Amou o Brasil e o declarou abertamente em cartas aos amigos, familiares e nos conselhos que deu a D. Pedro. Idealizou o nosso porvir muito antes deste ter se concretizado. Podemos afirmar que foi decisiva a sua participação, encarnando com o Amor para o processo histórico da Independência.

Outro personagem fundamental foi José Bonifácio, homem culto e experiente, ministro de D. Pedro, que conduziu internamente as divergências políticas. Conciliou elite e povo, formulou as ideias de organização governamental do Brasil, assimilando todos os seus integrantes, fossem indígenas, pretos ou brancos. Trouxe a importância da educação e de que as instituições brasileiras fossem centros de excelência cultural. Bonifácio se tornou o principal conselheiro de D. Pedro nas questões que envolviam a política. Sua formação intelectual e destacada conduta fizeram dele uma figura exemplar, tendo encarnado com a Inteligência para o processo histórico da independência.

Por fim, e não menos importante, destacamos a participação do povo, independentemente da proveniência de diferentes classes sociais, gênero, religião ou etnia. No fim das contas, todas as lutas empreendidas nesse período tinham em comum aquilo que unia os homens e as mulheres que as protagonizaram: o desejo por uma pátria livre e capaz de desenvolver-se. E, assim, o espírito brasileiro, de esperança e persistência, foi forjado por meio dessas expressões de união, nosso patrimônio imaterial, elemento aglutinador e vetor de concórdia. Em nenhum outro país que sofreu um processo de colonização, exploração e de independência, nota-se tamanho sincretismo e miscigenação no mais positivo sentido dessas palavras; uma pátria que engendrou, com acolhimento, uma nova classe de homens, distintos como seus Machados, Gonçalves Dias, Castro Alves e tantos outros.

Como a atual historiografia já tem divulgado, não se pode restringir a independência ao ato que ficou para a história como o “Grito do Ipiranga”. A aceitação no cenário mundial de um país independente dependia do reconhecimento e da legitimidade concedida pelas grandes potências. A fase preparatória do reconhecimento do Brasil se inaugura com o Manifesto aos Governos e Nações Amigas, elaborado em 6 de agosto de 1822. Nele, D. Pedro anuncia a “vontade geral do Brasil, que proclama à face do universo a sua independência política”. Assim, se inicia o fim desse processo de gestação que deu origem ao Brasil, com a promulgação da nossa primeira Constituição, em 1824, e o seu reconhecimento por parte das grandes potências mundiais, em 1825. E foi neste mesmo ano de 1825 que nasceu D. Pedro II, o nosso primeiro dirigente genuinamente brasileiro; aquele que nasceu para levar a cabo, em sua maior excelência, a construção do Brasil.

Descobrir-se brasileiro para além das diferenças

Nossa história ainda tem muitos mistérios a desvelar, e a Filosofia é o fio de ouro que nos leva a uma orientação mais clara em meio ao labirinto. Cabe a cada um de nós a responsabilidade de compreender nossa vocação histórica, primeiramente por meio de uma profunda investigação do passado, para que melhor sejam compreendidos seus heróis e heroínas, muitos ocultos, para trazê-los à tona e tê-los como base para nós mesmos e para aqueles a quem vamos transmitir esse legado histórico. Nisso também consiste a construção do nosso futuro. Aprender sobre a nossa própria história nos permite amar e compreender uma parte de nós mesmos (individual e coletivamente) que, na maioria das vezes, foi relegada ao desdém e ao ceticismo daqueles que nos ensinaram sobre esses fatos e personagens.

Descobrir-se brasileiro para além dos preconceitos e não permitir manipular-se sob as ciladas da falsidade: nisso consiste a verdadeira Independência, a liberdade diante das sombras da ignorância, que é a verdadeira morte para a alma humana. Lembremos sempre de que na falta de comunhão de esperanças não há pátria. São necessários sonhos comuns e a marcha comum atrás de um ideal. A pátria implica a solidariedade sentimental de uma raça, e não a confabulação de politiqueiros que prosperam à sua sombra, como afirma Ingenieros (2016).

Autor

Editor Revista Esfinge